bannerbanner
Uma Luz No Coração Da Escuridão
Uma Luz No Coração Da Escuridão

Полная версия

Uma Luz No Coração Da Escuridão

Язык: pt
Год издания: 2019
Добавлена:
Настройки чтения
Размер шрифта
Высота строк
Поля
На страницу:
2 из 8

Com destreza, o homem perverso esquivou o ataque e em um borrão de preto e prendeu Kyou no chão. Com uma calma que não refletia em seu ser profundo, Hyakuhei inclinou-se para perto, seu olhar fixo no rosto que o assombrara tanto, o rosto de seu próprio irmão.

— Fiz o que era necessário para nós. Toya não queria que você ficasse com meu presente e procurou tirá-lo de você. Você entenderá com o tempo — murmurou ele enquanto seus lábios macios roçavam fugazmente por grunhidos enquanto falava essas palavras.

Com uma força que ele não percebera possuir, Kyou atirou o homem agressor a seis metros de seu corpo trêmulo. Ele passou o antebraço pela boca com desgosto enquanto rosnava perigosamente.

— Calma, criança, acalme-se — falou o homem enquanto se levantava e tirava a sujeira de suas roupas. Seus olhos brilharam com promessas enquanto seu corpo cintilava levemente e então desapareceu na noite. — Vou estar assistindo, esperando por você, meu animal de estimação.

O mundo de Kyou se despedaçou enquanto olhava para o corpo sem vida de seu irmão.

— Vingarei a morte do meu irmão e passarei a eternidade caçando você se for preciso. Quando eu lhe encontrar, você pagará por isso, Hyakuhei.

Ele ficou de joelhos e ergueu suavemente o corpo de Toya em seu peito, encostando sua cabeça suavemente. O cabelo de seu irmãozinho havia se afastado de seu rosto fazendo com que a visão de Kyou nublasse enquanto tentava conter o fluxo de lágrimas, sem conseguir. Parecia que Toya estava simplesmente dormindo, pacífico pela primeira vez em muito tempo.

Ele observava enquanto suas lágrimas escorriam sobre o rosto de Toya e Kyou sentiu seu coração se partir. Apertando seu amado irmão forte contra ele, Kyou sussurrou com uma voz instável:

— Toya, por favor, perdoe-me por não ter chegado aqui a tempo — sua respiração estremeceu quando ele cerrou os olhos diante de tanta dor. — Eu sabia que você precisava de mim. Eu deveria ter salvado você.

A mente de Kyou correu para o dia em que Hyakuhei o transformou no que ele era agora, um dia depois da morte de seu pai. Kyou sabia que Hyakuhei só queria a ele e Toya era apenas uma criança pequena. Então, para proteger Toya, Kyou deixara Toya com seu tio mesmo quando seu irmãozinho tinha chorado, implorando para ele não partir.

Ele ainda lembrava da desconfiança que brilhava nos grandes olhos dourados de Toya quando olhava para Hyakuhei, desafiando-o a tirar seu irmão mais velho dele. Era a lembrança desse olhar assombrado que ajudara Kyou a ficar longe de seu irmão por vários anos para protegê-lo.

Quando Toya ficou mais velho, Kyou se viu ansioso por vê-lo, secretamente visitando-o e observando de longe, observando seu irmão viver a vida que ele não podia. Observar Toya secretamente tinha sido a única felicidade de Kyou durante aqueles dias sombrios. Muitas vezes, ele se escondia no quarto de Toya para vê-lo dormir.

Se ele soubesse que Hyakuhei o seguia e observava enquanto Kyou olhava por Toya, ele nunca colocaria Toya em perigo assim. Seu tio transformou Toya porque ele pensou que era o que Kyou queria. Tinha sido culpa dele que Toya tivesse morrido na primeira vez.

Toya lutou contra seu tio, durante a transformação e depois. À medida que seus argumentos se tornaram mais viciosos, Kyou tentou manter a atenção de Hyakuhei longe de seu irmão. Então Toya começou a falar sobre uma cura para vampiros: o Cristal do Coração Guardião. Ele jurou que iria encontrá-lo e curar os dois.

Toya encontrou sua cura na morte.

Fazendo o que podia para evitar olhar para a cavidade agora vazia onde o coração de seu irmão havia residido, Kyou levantou-se e levou o corpo de Toya longe daquele local para lhe dar um enterro digno.

Ele não podia mais sentir a presença de Hyakuhei, mas sabia que estava perto, observando-o de alguma forma, sempre o observando. Kyou entendeu agora que ele teria que partir, se esconder até ser forte o suficiente para derrotar o mal que havia roubado a única coisa que lhe era mais querida: seu irmãozinho. Ele passou pela escuridão deixando a clareira em total silêncio.

Kamui soltou um suave suspiro de alívio quando os irmãos se foram e abaixou sua barreira de invisibilidade em torno da forma maltratada de Kotaro. Olhando para o Lycan, Kamui sabia que levaria um tempo para que as feridas de Kotaro pudessem curar, não apenas as feridas de seu corpo, mas as feridas que agora estavam profundamente enraizadas no coração também.

— Vamos — sussurrou Kamui, puxando um dos braços de Kotaro nos ombros e ajudando-o a ficar de pé. — Hyakuhei não foi longe e eu preciso tirar você deste lugar desprotegido. — Os olhos dele brilhavam com a cor do pó do arco-íris enquanto tentava reter suas próprias lágrimas. Foi em vão, pois ele podia senti-las escorregando pelo rosto em trilhos quentes.

Muita coisa foi perdida no período de apenas algumas horas mortais... ele agora entendia o que ser mais sombrio do que as sombras realmente significava. Ele não perderia Kotaro também.

Eu não o odiava tanto — sussurrou Kotaro, olhando abatido para onde o corpo de Toya tinha ficado momentos antes. Ambos amaram Kyoko e ela, por sua vez, teve carinho por ambos... nunca escolhendo um em vez do outro quando eles estavam lutando... até hoje à noite. O destino só lhe havia dado poucas horas, pelo menos Toya não sabia disso.

Sua mão se fechou em um punho e ele apertou. Toya teria ficado louco, mas ele estaria vivo. — Preferiria enfrentar a raiva dele... não isso... não isso. — Sua voz vacilou.

Ambos tentaram protegê-la, mas agora Toya... os olhos azuis gelo de Kotaro nadaram com lágrimas não derramadas:

— Eu nunca o odiei.

— Ele sabe que não — disse Kamui, levando o Kotaro na direção do único lugar seguro que conhecia... o mago, a casa de Shinbe. Ele precisava contar para o amigo sobre o destino de Toya e de Kyoko. Shinbe de alguma forma sabia o que fazer, ele sempre sabia.

— Eu vou matar aquele bastardo do Hyakuhei! — rosnou Kotaro enquanto lutava contra a restrição de Kamui, sua natureza de licantropo indo à superfície. — Ele a matou... ele matou Toya por causa dela. Quando eu o encontrar, ele desejará nunca ter nascido humano.

Como se o vento tivesse sido arrancado de si, o corpo de Kotaro estremeceu. Ele sabia que Toya era muito mais forte do que ele jamais reconhecera, mas sem Kyoko para proteger, Toya perdeu a vontade de lutar. Hyakuhei sabia disso antes da luta ter começado.

O sofrimento de Toya o fez ficar irritado, impaciente. — Se ele tivesse esperado mais alguns momentos, Kyou poderia tê-lo salvado. — A tristeza pendia em todas as sílabas enquanto Kotaro limpava as lágrimas com raiva, lágrimas que silenciosamente deixavam trilhas em seu rosto.

— Eu queria salvar os dois... Kyoko. — A dor em seu corpo enfraquecido era demais quando ele fechou os olhos azuis brilhantes e cedeu ao nada que acalmaria a dor por um curto período de tempo.

Kamui assentiu enquanto levantava o corpo mole de Kotaro e o carregava.

— Você já fez o suficiente. Descanse agora — sussurrou ele. — É minha vez de salvar as pessoas.

Capítulo 2

Perto da hora do amanhecer, Kamui pairava acima de uma sepultura não marcada. Os dois homens de cada lado dele eram tudo o que ele tinha. Ele observou Shinbe usar seus poderes telecinéticos para remover a terra do túmulo de Toya e ampliá-lo o suficiente para dois corpos.

Shinbe e Kotaro tinham a mesma expressão agora... tristeza e uma força teimosa. Kamui sabia que eles estavam tentando parecer fortes para ele, mas ele podia ver a melancolia que ambos escondiam.

Todos olharam para o túmulo... a realidade dolorosa de tudo aquilo sendo absorvida. As coisas não deveriam acabar assim... o lado bom não deveria perder... ou morrer. Shinbe os ajudou a tomar uma decisão sobre o que fazer. Buscando o corpo de Kyoko, eles o levaram para o túmulo onde Kyou colocou seu irmão e enterrou-os juntos.

Toya teria querido assim... era a única coisa que fazia sentido.

Kamui tinha sido incapaz de levar o corpo de Kyoko para o túmulo quando o encontraram. O sangue que a rodeava não era o que o incomodava. Era apenas muitíssimo doloroso ver alguém tão gentil e puro, carregando tanta luz dentro de si, estar ali agora, deitada na escuridão, com os olhos abertos, mas vazios. Isso é que doía ver.

Percebendo o choque de Kamui e vendo suas mãos tremendo, Kotaro interveio e ergueu Kyoko amorosamente em seus braços, tentando ignorar a rigidez no corpo dela. Ele não conseguia sentir nada exceto raiva e tristeza naquele momento. Se ele se permitisse sentir o resto das emoções, o quanto ele a amava, seus joelhos se curvariam. A dor pesava muito sobre ele.

Ver o olhar no rosto de Kamui foi suficiente para ajudá-lo a controlar suas próprias emoções e a dormência que havia se estabelecido também ajudou. Kamui não era humano nem era criatura, o que quer que ele fosse, seu coração estava em destroços. Kotaro decidiu que seria sua missão cuidar dele de agora em diante, mesmo que o garoto provavelmente não precisasse disso.

Kamui limpou a trilha de lágrimas de seus olhos, tentando ser forte como Kotaro e Shinbe. Seu cabelo roxo indomado sacudiu ao vento enquanto ele olhava para a terra recém-revirada. Ele tirou seu próprio manto e gentilmente envolveu-os para aumentar o poder do feitiço que ele estava prestes a lançar.

Ao fechar os olhos brilhantes, ele cruzou os dedos enquanto as asas iluminadas brotavam de suas costas em um turbilhão de penas. Elas brilhavam com cores tão intensas que o olho humano desconhecia.

Shinbe e Kotaro, assustados, deram um passo para trás, de repente entendendo o que Kamui era. A palavra anjo pairava em seus lábios, mas ele parecia tão triste. Como um anjo com um coração partido... um anjo caído.

Com dedos gentis, Kamui tirou uma pena de sua asa direita e segurou sua mão com a palma para cima. A expressão triste e serena em seu rosto não vacilou. Seus olhos brilharam com um vislumbre de esperança enquanto ele rapidamente deslizou a pena afiada em sua palma causando um corte raso.

O líquido carmesim se acumulou em sua palma e Kamui fechou lentamente o punho antes de se dirigir ao túmulo não marcado. As gotas sagradas do sangue de sua vida caíram sobre a terra, fazendo o solo brilhar com um poder azul elétrico sobrenatural.

Chocados, Shinbe e Kotaro só podiam ficar de pé e assistir enquanto tudo acontecia. Eles não se atreveram a se mover por medo de perturbar o rito que Kamui estava realizando. Ambos compreenderam que estavam testemunhando algo incrível e, sem dúvida, nunca mais veriam algo assim novamente.

O ar em torno de Kamui girou em um vórtice que o rodeava em uma luz azul fluorescente. Sua voz ecoante deixou seus lábios parecendo mais velhos e sábios do que um dia já foram. A voz ricocheteou pelos céus, um som assustador que viajava por quilômetros, fazendo com que tudo que a ouvia ficasse imóvel em reverência ao seu poder:

Mil anos serão necessários.

Desta vez, obedeceremos para o seu próprio bem.

Quando o sangue de um guardião derrama

É hora desta profecia se cumprir.

Só então duas almas irão reviver.

Trazendo-as para a luz,

Fadadas a combater a magia negra da noite.

Com essa promessa, nós imortais tomaremos as armas,

Protegendo contra o mal aqueles que renasceram.

Nas mãos da pedra e do mármore, ao nosso inimigo daremos

O único desejo que ele anseia... dentro da luz para viver.

À medida que o vórtice circundava Kamui, uma pluma incandescente de cada asa iluminada se soltou e voou para a frente dentro do ciclone, girando como duas pequenas adagas e pousando diretamente no túmulo. As penas brilhantes ficaram presas no solo suave por alguns breves momentos antes de se afundarem na terra para fundirem-se com as almas de seus amigos.

Os joelhos de Kamui se chocaram com o chão quando o feitiço se dispersou, enviando uma onda de choque em todas as direções.

— Até que nos encontremos novamente, Kyoko... Toya — murmurou Kamui ao sentir a solidão lhe cercar. — Talvez a próxima vida seja em um tempo melhor e muito mais iluminado.

Shinbe permaneceu em silêncio ao lado dele, sem querer nada além de derramar suas lágrimas, mas ele não podia se dar a este luxo. Hyakuhei ainda estava por lá e ele sabia que o vampiro de coração negro acabaria por vir atrás dele. O inimigo saberia o que tinham feito. Por enquanto, ele apagaria todos os traços que podia.

Alcançando seu bolso, Shinbe tirou uma pequena garrafa ametista cheia de um pó mágico intemporal. Pulverizando levemente o solo, ele circundou o túmulo para protegê-lo de todos os olhos curiosos. O solo imediatamente se tornou sólido para esconder a localização da nova sepultura.

Os olhos de Shinbe iluminaram-se com a mesma cor ametista, enquanto sussurrava palavras que apenas ele podia entender.

Ele sentiu um velho vínculo entre irmãos que haviam lutado uma batalha eterna contra a escuridão atravessar sua alma para se tornar um símbolo de proteção sobre a sepultura. Acima do lugar de descanso de seus amigos flores surgiram sem que fossem plantadas sementes. Flores de cinco cores apareceram em vinhas espinhosas: prata, ouro, azul gelo, ametista e pó cintilante do arco-íris.

— Estou me despedindo — disse Shinbe depois de um longo silêncio. Ele não queria que sua presença indicasse a localização dos outros e sabia que era hora de seguir em frente. Seu olhar voltou para o arbusto de flores estranhamente colorido. Toya e Kyoko agora estavam protegidos de Hyakuhei e o feitiço não seria perturbado.

Por enquanto, era tudo o que ele poderia oferecer além da tristeza.

Kamui olhou para o mago, chocado com este novo desenrolar.

— O quê? Mas... por quê? — Seus olhos se arregalaram em um momento de pânico... todos iriam deixá-lo agora? Já não era ruim o bastante perder Toya e Kyoko?

Sentindo o medo de Kamui emergir, Shinbe colocou uma mão firme no ombro de seu amigo e tentou explicar:

— Você sabe tão bem quanto eu que Hyakuhei acabará sabendo o que fizemos aqui. — Olhou para Kotaro sobre o ombro de Kamui, sabendo que o licantropo entenderia seu abandono.

— Você será capaz de escapar dos olhos sempre vigilantes de Hyakuhei, mas eu não tenho esse tipo de poder. No entanto, eu poderei me esconder, mas não tenho certeza por quanto tempo. — Shinbe soltou um longo suspiro e olhou para a lua indo baixa no céu. — Meus dias são contados agora... — Um sorriso suave inclinou os cantos de seus lábios como se ele soubesse um segredo. — Então, que seja! Vou embarcar no próximo navio indo para o oeste, sobre o oceano. Lá, terei uma chance melhor de manter minha identidade a salvo de Hyakuhei e talvez até encontre um caminho para a minha própria alma reencarnar ao mesmo tempo que nossos queridos amigos. — Ele esperava que o que ele dizia fosse a verdade. Eles precisariam dele quando chegasse o momento.

Kamui olhou para o túmulo embaixo dele e depois para o amigo com mais calma do que havia sentido desde que esta noite de pesadelo havia começado. Ele não queria que Shinbe fosse a próxima vítima, então, sim, ele entendeu. Gentilmente arrancou uma pena cor de arco-íris de sua asa direita e pressionou-a no pescoço de Shinbe.

Shinbe ofegou quando a pena começou a brilhar intensamente antes de ser absorvida em sua pele. Olhou para baixo e viu o contorno mais suave da pena logo abaixo da gola de seu manto.

— Isso irá ajudá-lo quando chegar a hora — disse Kamui com um sorriso e deu um abraço apertado em Shinbe. Ele não perderia Shinbe durante muito tempo, custasse o que custasse.

— Nós nos veremos novamente, meu amigo — sussurrou Shinbe antes de se afastar do abraço de Kamui. Ele assentiu com a cabeça para Kotaro, sabendo que o licantropo cuidaria de Kamui por todos eles. Shinbe olhou de novo para o túmulo, depois afastou o olhar, deixando sua franja cair no rosto para esconder sua tristeza.

— Então, que seja assim — sussurrou ele novamente, desaparecendo na escuridão.

— Você está pronto, garoto? — perguntou Kotaro baixinho enquanto mantinha as costas para o túmulo. Ele sabia que não poderia ficar. Shinbe estava certo, quanto mais longe ficassem, mais protegido ficaria o feitiço.

Kamui queria se zangar pelo apelido que Kotaro acabara de lhe dar, mas não tinha energia. Seu coração estava sepultado na terra a seus pés e, mesmo se demorasse até o fim dos tempos, ele veria Hyakuhei pagar por seus crimes.

— Sim — disse Kamui, passando o braço nos olhos. — Estou pronto.

Kotaro colocou um braço em volta dos ombros e o conduziu. O licantropo descobriu que não poderia derramar mais lágrimas pela mulher que ele amara com todo o seu ser. Sua alma sentiu como se alguém a tivesse arrancado de seu corpo, rasgando-a em pedaços e só devolvido metade dela.

Se o feitiço que Kamui e Shinbe fizeram funcionasse, ele veria sua amada Kyoko novamente. Ele não podia deixar de sorrir diante das palhaçadas que ele e a reencarnação de Toya iriam inventar para ganhar o afeto de Kyoko. Ele teria prazer em lutar por ela mais uma vez se Toya pudesse voltar. Afinal, ele amava os dois.

Ele lutou contra o desejo de olhar para o túmulo de novo.

— Mil anos é muito tempo para esperar, mas eu estarei lá por você, Kyoko.

*****

Mais de mil anos no futuro.

Dias atuais.

Uma figura solitária estava em um telhado do prédio mais alto, avistando a cidade populosa abaixo. Seus traços nunca traindo a dolorosa lembrança de seu único irmão, deitado sozinho e sem vida na terra fria e dura, séculos atrás. Seu coração, uma vez quente e pulsando, preso pelas garras do monstro sádico que criara ambos os irmãos.

Ele tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para se separar do mal que o rodeava silenciosamente. Assim como os humanos deste mundo, ele só se alimentava dos animais que a natureza fornecia. Mesmo que a escuridão fosse tudo o que lhe era permitido, como é a maldição de um vampiro, ele nunca se tornaria o demônio que seu tio tinha pretendido.

Nos últimos anos, algo dentro dele se agitou. Uma saudade que ele não conseguia entender e que não sentia em mais de mil anos.

Memórias nunca esquecidas, relembradas na mente de Kyou, de um jovem inocente, que havia enchido sua vida de felicidade, mesmo dentro de um mundo de trevas. Toya... ele era tão cheio de vida, com olhos dourados risonhos e a ignorância de uma criança. Mais uma vez essas lembranças trouxeram dores de culpa ao seu coração por não ter conseguido proteger seu irmão mais novo.

Olhos dourados que se tornaram endurecidos devido a centenas de anos de solidão, sangraram vermelho com a lembrança de uma promessa que ele ainda não havia cumprido. Kyou ficava cada vez mais forte a cada década que passava. Muitas vezes ele chegou bem perto, mas o objeto de seu ódio e ira o eludia toda vez.

Ele não descansaria até que a vil criatura que procurava se contorcesse em agonia aos seus pés e sua alma fosse lançada ao inferno onde pertencia.

O olhar de Kyou foi atraído para o único lugar sereno em toda a cidade, o parque tranquilo no centro.

— Tais lugares não devem estar perto de tanto mal — murmurou ele na noite.

Saltando do prédio, Kyou continuou sua busca como fazia por tantos séculos. Hyakuhei pagaria com a própria vida por roubar o único ser com quem Kyou se importava e sempre se importaria. Seu irmão estava perdido para sempre e nunca mais retornaria.

— Toya... — sussurrou Kyou enquanto desapareceu na noite, deixando para trás a imagem de um anjo vingador.

*****

O parque era sempre pacífico nesta hora do dia. Ainda era tarde e o sol estava alto no céu. Kotaro passeava vagarosamente pelas árvores perto do centro onde havia um enorme bloco de mármore. Ele não tinha ideia de onde o bloco havia vindo, estava lá desde que ele se lembrava e era ainda mais velho que a própria cidade. Tudo o que ele sabia com certeza era que ele sentia uma sensação de paz cada vez que estava perto dele.

— Quem pensaria que uma pedra quadrada traria pensamentos tranquilos? — murmurou Kotaro para si mesmo.

Tomando outro caminho entre as árvores, ele dirigiu-se até a pedra para que pudesse olhar para ela. Mesmo que ele estivesse completamente feliz naquele dia, só o fato de se certificar que ela ainda estava lá o fazia se sentir melhor.

Kotaro parou quando entrou no centro onde a pedra estava e franziu a testa para o indivíduo que estava sentando no estilo indiozinho no topo dela, com os cotovelos nos joelhos e o queixo preso em suas mãos. Os cabelos curtos e roxos balançavam com a suave brisa, fazendo o jovem parecer muito infantil.

— O que diabos está fazendo aqui? — exigiu Kotaro.

Kamui sorriu sem olhar para ele. Em vez disso, ele assentiu na direção da faculdade à distância.

— Esperando que a aula comece.

Kotaro balançou a cabeça e seguiu em frente antes de parar de novo e virar o rosto para encarar Kamui.

— Do que você está falando? Você nem frequenta aquela escola.

Kamui deu uma piscada de olhos antes de desaparecer lentamente em um turbilhão de pó de arco-íris cintilante.

— Eu sei.

Kotaro olhou para o pó girando antes dele desaparecer completamente.

— Às vezes, esse garoto é um enigma — informou ao espaço agora vazio, depois seus olhos se moveram mais para baixo, como se acariciando a pedra. Ele ouviu o som de pés correndo no pavimento, mas na verdade não notou até que alguém o tocou no ombro. Ele literalmente pulou e girou para ver Hoto e Toki curvados com as mãos apoiadas nos joelhos tentando recuperar o fôlego.

— O que tirou o fôlego de vocês dois? — perguntou Kotaro com um sorriso malicioso enquanto recuperava a compostura.

Hoto acenou com um pedaço de papel na frente dele.

— Para você... da polícia... importante.

Kotaro pegou o papel.

— Da polícia, hein? Deve ser realmente importante para fazer vocês correrem uma maratona.

Toki assentiu antes de cair ao seu lado para descansar. Hoto simplesmente afundou em seus joelhos e apoiou a cabeça na grama.

— Vocês são os maiores chorões que já vi - reclamou Kotaro com benevolência.

— Este lado dói — gemeu Toki. — Preciso voltar... para... ar condicionado... escritório.

Kotaro suspirou resignado e deixou-os assarem sob o sol quente antes de abrir o bilhete. Sua mão fechou, enrugando o papel que acabara de receber da delegacia de polícia, não muito longe do campus. Outra menina desapareceu sem deixar vestígios. Ele havia passado muito tempo investigando os desaparecimentos de muitas meninas, que por fim o levaram à faculdade onde agora era chefe de segurança.

Seus pensamentos imediatamente se voltaram para sua amada Kyoko. Ele a encontrou novamente e, assim como esperava, Toya não estava longe. Uma coisa que o surpreendeu foi o fato de Toya ter renascido normal, humano, ou assim parecia.

Às vezes, ele podia sentir o verdadeiro Toya sob a superfície, desconhecendo sua própria existência, mas, até agora, essa parte permanecia adormecida.

— Graças a Deus por pequenos favores. — Kotaro passou uma mão agitada em seus cabelos sacudidos pelo vento.

Era bom para ele que nenhum deles se lembrasse do passado. Era uma lembrança melhor esquecida. Ele desejou ter o mesmo privilégio de esquecer, mas para ele, a lembrança permaneceu, muitas vezes acordando-o de noite com um suor frio.

Deixando o parque, ele viu-se parado na calçada de pedra em frente ao campus. Kotaro ergueu os olhos azuis gelo na direção em que Kyoko morava. Ele franziu o cenho quando a preocupação entalhou seus traços e teve o súbito desejo de ver "sua mulher".

На страницу:
2 из 8