Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III

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Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III
Язык: pt
Год издания: 2017
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– oOo —MOTE ALHEIOCampos bem-aventurados,Tornae-vos agora tristes;Que os dias, em que me vistes,Alegres ja são passados.GlosaCampos cheios de prazer,Vós qu'estais reverdecendo,Ja m'alegrei com vos ver;Agora venho a temerQu'entristeçais em me vendo.E pois a vista alegraisDos olhos desesperados,Não quero que me vejais,Para que sempre sejais,Campos, bem-aventurados.Porém se por accidenteVos pezar de meu tormento,Sabereis que Amor consenteQue tudo me descontente,Senão descontentamento.Por isso vós, arvoredos,Que ja nos meus olhos vistesMais alegria, que medos,Se mos quereis fazer ledos,Tornae-vos agora tristes.Ja me vistes ledo ser,Mas despois que o falso AmorTão triste me fez viver,Ledos folgo de vos ver,Porque me dobreis a dor.E se este gôsto sobejoDe minha dor me sentistes,Julgae quanto mais desejoAs horas que vos não vejo,Que os dias em que me vistes.O tempo, qu'he desigual,De seccos, verdes vos tem;Porqu'em vosso naturalSe muda o mal para o bem,Mas o meu para mor mal.Se perguntais, verdes prados,Pelos tempos differentesQue de Amor me forão dados,Tristes, aqui são presentes,Alegres, ja são passados.– oOo —MOTE ALHEIOTrabalhos descansariãoSe para vós trabalhasse;Tempos tristes passarião,Se algum'hora vos lembrasse.GlosaNunca o prazer se conhece,Senão despois da tormenta:Tão pouco o bem permanece,Que se o descanso florece,Logo o trabalho arrebenta.Sempre os bens se lograrião,Mas os males tudo atalhão;Porém ja que assi porfião,Onde descansos trabalhão,Trabalhos descansarião.Qualquer trabalho me fôraPor vós grão contentamento:Nada sentira, Senhora,Se víra disto algum'horaEm vós hum conhecimento.Por mal que o mal me tratasse,Tudo por bem tomaria;Postoque o corpo cansasse,A alma descansaria,Se para vós trabalhasse.Quem vossas cruezas jaSoffreo, a tudo se poz;Costumado ficará;E muito melhor será,Se trabalhar para vós.Tristezas esquecerião,Postoque mal me tratárão;Annos não me lembrarião,Que como est'outros passarão,Tempos tristes passarião.Se fosse galardoadoEste trabalho tão duro,Não vivêra magoado.Mas não o foi o passado,Como o será o futuro?De cansar não cansaria,Se quizereis, que cansasse;Cavar, morrer, fa-lo-hia;Tudo, emfim, esqueceria,Se algum'hora vos lembrasse.– oOo —MOTE ALHEIOTriste vida se me ordena,Pois quer vossa condiçãoQue os males, que dais por pena,Me fiquem por galardão.GlosaDespois de sempre soffrer,Senhora, vossas cruezas,A pezar de meu querer,Me quereis satisfazerMeus serviços com tristezas.Mas, pois em balde resisteQuem vossa vista condena,Prestes estou para a pena;Que de galardão tão tristeTriste vida se me ordena.De contente do mal meuA tão grande extremo vim,Que consinto em minha fim:Assi que vós e mais eu,Ambos somos contra mim.Mas que soffra meu tormento,Sem querer mais galardão,Não he fóra de razãoQue queira meu soffrimento,Pois quer vossa condição.O mal, que vós dais por bem,Esse, Senhora, he mortal;Que o mal, que dais como mal,Em muito menos se tem,Por costume natural.Mas porém nesta victoria,Que comigo he bem pequena,A maior dor me condenaA pena, que dais por gloria,Que os males, que dais por pena.Que mor bem me possa vir,Que servir-vos, não o sei.Pois que mais quero eu pedir,Se quanto mais vos servir,Tanto mais vos deverei?Se vossos merecimentosDe tão alta estima são,Assaz de favor me dãoEm querer que meus tormentosMe fiquem por galardão.– oOo —MOTE ALHEIOJa não posso ser contente,Tenho a esperança perdida;Ando perdido entre a gente,Nem morro, nem tenho vida.GlosaDespois que meu cruel FadoDestruio huma esperança,Em que me vi levantado,No mal fiquei sem mudança,E do bem desesperado.O coração, que isto sente,Á sua dor não resiste,Porque vê mui claramenteQue pois nasci para triste,Ja não posso ser contente.Por isso, contentamentos,Fugi de quem vos despreza:Ja fiz outros fundamentos,Ja fiz senhora a tristezaDe todos meus pensamentos.O menos que lh'entreguei,Foi esta cansada vida:Cuido que nisto acertei,Porque de quanto espereiTenho a esperança perdida.Acabar de me perderFôra ja muito melhor;Tivera fim esta dor,Que não podendo mor ser,Cada vez a sinto mor.De vós desejo esconder-me,E de mi principalmente,Onde ninguem possa ver-me;Que pois me ganho em perder-me,Ando perdido entre a gente.Gostos de mudanças cheios,Não me busqueis, não vos quero:Tenho-vos por tão alheios,Que do bem que não espero,Inda me ficão receios.Em pena tão sem medida,Em tormento tão esquivoQue morra, ninguem duvída;Mas eu se morro, ou se vivo,Nem morro, nem tenho vida.– oOo —A HUMA DAMA, QUE SE CHAMAVA ANNAMoteA morte, pois que sou vosso,Não a quero; mas se vem,Ha de ser todo meu bem.GlosaAmor, qu'em meu pensamentoCom tanta fé se fundou,Me tẽe dado hum regimento,Que quando vir meu tormentoMe salve com cujo sou.E com esta defensão,Com que tudo vencer posso,Diz a causa ao coração:Não tẽe em mi jurdiçãoA morte, pois que sou vosso.Por exprimentar hum diaAmor se me achava forteNesta fé, como dizia,Me convidou com a morte,Só por ver se a temeria.E como ella seja a cousaOnde está todo meu bem,Respondi-lhe, como quemQuer dizer mais, e não ousa:Não a quero, mas se vem…Não disse mais, porque entãoEntendeo quanto me toca;E se tinha dito o não,Muitas vezes diz a boca,O que nega o coração.Toda a cousa defendidaEm mais estima se tem:Por isso he cousa sabida,Que perder por vós a vidaHa de ser todo meu bem.– oOo —Á MESMA DAMAVejo-a n'alma pintada,Quando me pede o desejoO natural que não vejo.GlosaSe só de ver puramenteMe transformei no que vi,De vista tão excellenteMal poderei ser ausente,Em quanto o não for de mi.Porque a alma namoradaA traz tão bem debuxada,E a memoria tanto voa,Que se a não vejo em pessoa,Vejo-a n'alma pintada.O desejo, que s'estendeAo que menos se concede,Sôbre vós pede e pretende,Como o doente que pedeO que mais se lhe defende.Eu, qu'em ausencia vos vejo,Tenho piedade e pejoDe me ver tão pobre estar,Qu'então não tenho que dar,Quando me pede o desejo.Como áquelle que cegou,He cousa vista e notoria,Que a natureza ordenouQue se lhe dobre em memoriaO qu'em vista lhe faltou:Assi a mi, que não vejoCo'os olhos o que desejo,Na memoria e na firmezaMe concede a naturezaO natural que não vejo.– oOo —MOTE ALHEIOSem vós, e com meu cuidado,Olhae com quem, e sem quem.GlosaVendo Amor que com vos verMais levemente soffriaOs males que me fazia,Não me pôde isto soffrer;Conjurou-se com meu Fado;Hum novo mal me ordenou:Ambos me levão forçado,Não sei onde, pois que vouSem vós e com meu cuidado.Não sei qual he mais estranhoDestes dous males que sigo,Se não vos ver, se comigoLevar imigo tamanho.O que fica, e o que vem,Hum me mata, outro desejo:Com tal mal, e sem tal bem,Em taes extremos me vejo:Olhae com quem, e sem quem!– oOo —AO MESMOAmor, cuja providenciaFoi sempre que não errasse,Porque n'alma vos levasse,Respeitando o mal d'ausencia,Quiz qu'em vós me transformasse.E vendo-me ir maltratado,Eu e meu cuidado sós,Proveo nisso de attentado,Por não me ausentar de vós,Sem vós, e com meu cuidado.Mas est'alma, qu'eu trazia,Porque vós nella morais,Deixa-me cego, e sem guia;Que ha por melhor companhiaFicar onde vós ficais.Assi me vou de meu bem,Onde quer a forte estrella,Sem alma, qu'em si vos tem,Co'o mal de viver sem ella:Olhae com quem, e sem quem!– oOo —MOTE ALHEIOSem ventura he por demais.GlosaTodo o trabalhado bemPromette gostoso fruito;Mas os trabalhos, que vem,Para quem dita não temValem pouco, e custão muito.Rompe toda a pedra dura,Faz os homens immortaisO trabalho quando atura;Mas querer achar ventura,Sem ventura, he por demais.– oOo —MOTE ALHEIOMinh'alma, lembrae-vos della.GlosaPois o ver-vos tenho em maisQue mil vidas que me deis,Assi como a que me dais,Meu bem, ja que mo negais,Meus olhos, não mo negueis.E se a tal estado vimGuiado de minha estrella,Quando houverdes dó de mim,Minha vida, dae-lhe a fim,Minh'alma, lembrae-vos della.– oOo —MOTE ALHEIOTudo póde huma affeição.GlosaTẽe tal jurdição AmorN'alma donde se aposenta,E de que se faz senhor,Que a liberta e isentaDe todo humano temor.E com mui justa razão,Como senhor soberano,Que Amor não consente dano.E pois me soffre tenção,Gritarei por desengano:Tudo póde huma affeição.– oOo —TROVA DE BOSCÃOJusta fué mi perdicion;De mis males soy contento;Ya no espero galardon,Pues vuestro merecimientoSatisfizo mi pasion.GlosaDespues que Amor me formóTodo de amor, cual me veo,En las leyes, que me dió,El mirar me consintió,Y defendióme el deseo.Mas el alma, como injusta,En viendo tal perfeccion,Dió al deseo ocasion:Y pues quebré ley tan justa,Justa fué mi perdicion.Mostrándoseme el AmorMas benigno que cruel,Sobre tirano traidor,De zelos de mi dolor,Quiso tomar parte en él.Yo que tan dulce tormentoNo quiero dallo, aunque peco,Resisto, y no lo consiento;Mas si me lo toma á truecoDe mis males, soy contento.Señora, ved lo que ordenaEste Amor tan falso nuestro!Por pagar á costa agena,Manda que de un mirar vuestroHaga el premio de mi pena.Mas vos, para que veaisTan engañosa intencion,Aunque muerto me sintais,No mireis, que si mirais,Ya no espero galardon.Pues que premio (me direis)Esperas que será bueno?Sabed, sino lo sabeis,Que es lo mas de lo que penoLo menos que mereceis.Quien hace al mal tan ufano,Y tan libre al sentimiento?El deseo? No, que es vano.El amor? No, que es tirano.Pues? Vuestro merecimiento.No pudiendo Amor robarmeDe mis tan caros despojos,Aunque fué por mas honrarme,Vos sola para matarmeLe prestastes vuestros ojos.Matáranme ambos á dos;Mas á vos con mas razonDebe el la satisfaccion;Que á mi por él, y por vos,Satisfizo mi pasion.– oOo —ALHEIOTodo es poco lo posible.GlosaVed que engaño señoreaNuestro juicio tan loco,Que por mucho que se crea,Todo el bien, que se desea,Alcanzado, queda poco.Un bien de cualquiera grado,Si de haberse es imposible,Queda mucho deseado.Mas para mucho, alcanzado,Todo es poco lo posible.OutroPosible es á mi cuidadoPoderme hacer satisfecho,Si fuera posible al hadoHacer no hecho lo hecho,Y futuro lo pasado.Si olvido pudiera haber,Fuera remedio sufrible;Mas ya que no puede ser,Para contento me hacer,Todo es poco lo posible.– oOo —ALHEIOVos teneis mi corazon.GlosaMi corazon me han robado;Y Amor viendo mis enojos,Me dijo: Fuéte llevadoPor los mas hermosos ojos,Que desque vivo he mirado.Gracias sobrenaturalesTe lo tienen en prision.Y si Amor tiene razon,Señora, por las señales,Vos teneis mi corazon.– oOo —MOTEQué veré que me contente?GlosaDesque una vez yo miré,Señora, vuestra beldad,Jamas por mi voluntadLos ojos de vos quité.Pues sin vos placer no sienteMi vida, ni lo desea,Si no quereis que yo os vea,Qué veré que me contente?– oOo —MOTESem vós, e com meu cuidado.GlosaQuerendo Amor esconder-vosEm parte que vos não visse,Co'o extremo de querer-vosCegou-me os olhos com ver-vos,Levou-vos, sem que vos visse.Eu cego, mas atinado,Quando vi que vos não via,Do mesmo Amor indignado,Ja vêdes qual ficariaSem vós e com meu cuidado.– oOo —MOTERetrato, vós não sois meu;Retratárão-vos mui mal;Que a serdes meu natural,Foreis mofino como eu.GlosaIndaqu'em vós a arte vençaO que o natural tẽe dado,Não fostes bem retratado;Que ha em vós mais differença,Que no vivo do pintado.Se o lugar se consideraDo alto estado, que vos deuA sorte, qu'eu mais quizera;Se he qu'eu sou quem d'antes era,Retrato, vós não sois meu.Vós na vossa glória pôsto,Eu na minha sepultura,Vós com bens, eu com desgôsto;Pareceis-vos ao meu rosto,E não ja á minha ventura.E pois nella e vós errarãoO qu'em mi he principal,Muito em ambos s'enganárão.Se por mi vós retratárão,Retratárão-vos mui mal.Mas se esse rosto fingidoQuizerão representar,E houverão por bom partidoDar-vos a alma do sentidoPara a glória do lugar;Víreis, pôsto nessa alteza,Que vos não ha cousa igual;E que nem a maior malPodeis vir, nem mor baixeza,Que a serdes meu natural.Por isso não confesseisSerdes meu, qu'he desatino,Com que o lugar perdereis:Se conservar-vos quereis,Blazonae que sois divino.Que se nesta occasiãoConhecessem qu'ereis meu,Por meu vos derão de mão,....Fôreis mofino, como eu.– oOo —MOTEFoi-se gastando a esperança,Fui entendendo os enganos;Do mal ficárão-me os danos,E do bem só a lembrança.GlosaNunca em prazeres passadosTive firmeza segura.Antes tão arrebatados,Qu'inda não erão chegados,Quando mos levou ventura.E como quem desconfiaTer em tal sorte mudança,No meio desta porfia,De quanto bem pretendiaFoi-se gastando a esperança.Não tive por desatinoA occasião de perdella;Mas foi culpa do destino,Que a ninguem, como mais dino,Amor pudéra sostella.Dei-lhe tudo o qu'era seu,Não receando taes danosDeste, a quem alma lhe deu:Quando ja não era meu,Fui entendendo os enganos.Fiquei deste mal sobejoA quem a causa competeDizer-lhe tudo o que vejo,Que Amor acceita o desejo,Mas mente no que promete.Que se a mi se me obrigouA dar-me bens soberanos,Foi engano que ordenou;Que do bem tudo levou,Do mal ficárão-me os danos.E se dor tão desigualSoffro em mi com padecellos,Quero de novo soffrellos;Que por a causa ser tal,Não determino offendellos.Dobre-se o mal, falte a vida,Cresça a fé, falte a esperança,Pois foi mal agradecida;Fique a dor n'alma imprimida,E do bem só a lembrança.– oOo —ENDECHAS A BARBARA ESCRAVAAquella captiva,Que me tẽe captivo,Porque nella vivo,Ja não quer que viva.Eu nunca vi rosaEm suaves mólhos,Que para meus olhosFosse mais formosa.Nem no campo flores,Nem no ceo estrellas,Me parecem bellas,Como os meus amores.Rosto singular,Olhos socegados,Pretos e cansados,Mas não de matar.Huma graça viva,Que nelles lhe mora,Para ser senhoraDe quem he captiva.Pretos os cabellos,Onde o povo vãoPerde opinião,Que os louros são bellos.Pretidão de Amor,Tão doce a figura,Que a neve lhe juraQue trocára a cór.Leda mansidão,Que o siso acompanha,Bem parece estranha,Mas barbara não.Presença serena,Que a tormenta amansa:Nella emfim descansaToda minha pena.Esta he a captiva,Que me tẽe captivo;E pois nella vivo,He fôrça que viva.– oOo —MOTEQuem ora soubesseOnde o Amor nasce,Que o semeasse!VoltasD'Amor e seus danosMe fiz lavrador;Semeava amor,E colhia enganos;Não vi, em meus anos,Homem que apanhasseO que semeasse.Vi terra florídaDe lindos abrolhos,Lindos para os olhos,Duros para a vida.Mas a rez perdida,Que tal herva pasce,Em forte hora nasce.Com quanto perdi,Trabalhava em vão:Se semeei grão,Grande dor colhi.Amor nunca viQue muito durasse,Que não magoasse.– oOo —ALHEIOSe me levão ágoas,Nos olhos as levo.VoltasSe de saudadeMorrerei ou não,Meus olhos dirãoDe mi a verdade.Por elles me atrevoA lançar as ágoas,Que mostrem as mágoasQue nesta alma levo.As ágoas, qu'em vãoMe fazem chorar,Se ellas são do mar,Estas de amar são.Por ellas relévoTodas minhas mágoas;Que se fôrça d'ágoasMe leva, eu as levo.Todas me entristecem,Todas são salgadas;Porém as choradasDoces me parecem.Correi, doces ágoas,Que se em vós m'enlévo,Não doem as mágoas,Que no peito levo.– oOo —ALHEIOMenina dos olhos verdes,Porque me não vedes?VoltasElles verdes são,E tẽe por usançaNa côr esperança,E nas obras não.Vossa condiçãoNão he d'olhos verdes,Porque me não vêdes.Isenções a mólhosQu'elles dizem terdes,Não são d'olhos verdes,Nem de verdes olhos.Sirvo de giolhos,E vós não me credes,Porque me não vêdes.Havião de ser,Porque possa vê-los,Que huns olhos tão bellosNão se hão d'esconder:Mas fazeis-me crer,Que ja não são verdes,Porque me não vêdes.Verdes não o são,No que alcanço delles;Verdes são aquellesQu'esperança dão.Se na condiçãoEstá serem verdes,Porque me não vedes?– oOo —ALHEIOTrocae o cuidado,Senhora, comigo;Vereis o perigo,Qu'he ser desamado.VoltasSe trocar desejoO amor entre nós,He para qu'em vósVejais o que vejo.E sendo trocadoEste amor comigo,Ser-vos-ha castigoTerdes meu cuidado.Tendes o sentidoD'Amor livre e isento,E cuidais qu'he ventoSer tão mal querido.Não seja o cuidadoTão vosso inimigo,Que queira o perigoDe ser desamado.Mas nunca foi talEste meu querer,Que a quem tanto quer,Queira tanto malSeja eu maltratado,E nunca o castigoVos mostre o perigo,Qu'he ser desamado.– oOo —Á TENÇÃO DE MIRAGUARDAVer, e mais guardarDe ver outro dia,Quem o acabaria?VoltasDa lindeza vossa,Dama, quem a vê,Impossivel heQue guardar-se possa.Se faz tanta mossaVer-vos hum só dia,Quem se guardaria?Melhor deve serNeste aventurarVer, e não guardar,Que guardar e ver.Ver e defender,Muito bom sería,Mas quem poderia?– oOo —MOTEIrme quiero, madre,Á aquella galera,Con el marinero,Á ser marinera.VoltasMadre, si me fuere,Do quiera que vó,No lo quiero yo,Que el Amor lo quiere.Aquel niño fiero,Hace que me muevaPor un marineroÁ ser marinera.El que todo puede,Madre, no podrá,Pues el alma vá,Que el cuerpo se quede.Con él por que mueroVoy, porque no muera;Que si es marinero,Seré marinera.Es tirana leyDel niño Señor,Que por un amorSe deseche un Rey.Pues desta maneraQuiero irme, quieroPor un marineroÁ ser marinera.Decid, ondas, cuandoVistes vos doncella,Siendo tierna y bella,Andar navegando?Mas qué no se esperaDaquel niño fiero?Vea yo quien quiero,Sea marinera.– oOo —MOTESaudade minha,Quando vos veria?VoltasEste tempo vão,Esta vida escassa,Para todos passa,Só para mi não.Os dias se vãoSem ver este dia,Quando vos veria.Vêde esta mudançaSe está bem perdida,Em tão curta vidaTão longa esperança.Se este bem se alcança,Tudo soffreria,Quando vos veria.Saudosa dor,Eu bem vos entendo;Mas não me defendo,Porque offendo Amor.Se fôsseis maior,Em maior valiaVos estimaria.Minha saudade,Charo penhor meu,A quem direi euTamanha verdade?Na minha vontadeDe noite e de diaSempre vos teria.– oOo —MOTEVida da minha alma,Não vos posso ver:Isto não he vidaPara se soffrer.VoltasQuando vos eu via,Esse bem lograva,A vida estimava,Pois então vivia;Porque vos serviaSó para vos ver.Ja que vos não vejoPara qu'he viver?Vivo sem razão,Porqu'em minha dorNão a poz Amor;Que inimigos são.Mui grande traiçãoMe obriga a fazerQue viva, Senhora,Sem vos poder ver.Não me atrevo ja,Minha tão querida,A chamar-vos vida,Porque a tenho má.Ninguem cuidará,Que isto póde ser,Sendo-me vós vida,Não poder viver.– oOo —MOTECoifa de beirameNamorou Joanne.VoltasPor cousa tão poucaAndas namorado?Amas o toucado,E não quem o touca?Ando cega e loucaPor ti, meu Joanne,Tu pelo beirame.Amas o vestido?Es falso amador.Tu não vês que AmorSe pinta despido?Cego e mui perdidoAndas por beirame,E eu por ti, Joanne.A todos encantaTua parvoice;De tua doudiceGonçalo s'espanta,E zombando canta:Coifa de beirame,Namorou Joanne.Eu não sei que visteNeste meu toucado,Que tão namoradoDelle te sentiste.Não te veja triste;Ama-me, Joanne,E deixa o beirame.Joanne gemia,Maria chorava,E assi lamentavaO mal que sentia:(Os olhos feria,E não o beirame,Que matou Joanne)Não sei do que vemAmares vestido;Que o mesmo CupidoVestido não tem.Sabes de que vemAmares beirame?Vem de ser Joanne.– oOo —MOTESe Helena apartarDo campo seus olhos,Nascerão abrolhos.VoltasA verdura amena,Gados, que pasceis,Sabei que a deveisAos olhos d'Helena.Os ventos serena,Faz flores d'abrolhosO ar de seus olhos.Faz serras florídas,Faz claras as fontes:S'isto faz nos montes,Que fara nas vidas?Tra-las suspendidas,Como hervas em mólhos,Na luz de seus olhos.Os corações prendeCom graça inhumana;De cada pestanaHum'alma lhe pende.Amor se lhe rende,E pôsto em giolhos,Pasma nos seus olhos.– oOo —ALHEIOVerdes são os camposDe côr de limão;Assi são os olhosDo meu coração.VoltasCampo, que t'estendesCom verdura bella;Ovelhas, que nellaVosso pasto tendes;D'hervas vos mantendesQue traz o verão;E eu das lembrançasDo meu coração.Gados, que pasceisCom contentamento,Vosso mantimentoNão no entendeis.Isso que comeis,Não são hervas, não;São graça dos olhosDo meu coração.– oOo —ALHEIOVerdes são as hortasCom rosas e flores:Moças, que as régão,Matão-me d'amores.VoltasEntre estes penedosQue daqui parecem,Verdes hervas crescem,Altos arvoredos.Vai destes rochedosÁgoa, com que as floresD'outras são regadas,Que mátão d'amores.Com ágoa, que caiDaquella espessura,Outra se mistura,Que dos olhos sai:Toda junta vaiRegar brancas flores;Onde ha outros olhos,Que mátão d'amores.Celestes jardins,As flores estrellas:Hortelôas dellasSão huns seraphins.Rosas e jasminsDe diversas côres,Anjos, que as régão,Mátão-me d'amores.– oOo —ALHEIOMenina formosa,Dizei de que vemSerdes rigorosaA quem vos quer bem?VoltasNão sei quem assellaVossa formosura;Que quem he tão duraNão póde ser bella.Vós sereis formosa;Mas a razão temQue quem he irosa,Não parece bem.A mostra he de bella,As obras são cruas:Pois qual destas duasFicará na sella?Se ficar irosa,Não vos está bem:Fique antes formosa,Que mais fôrça tem.O Amor formosoSe pinta e se chama:Se he amor, ama,Se ama, he piedoso.Diz agora a grosaQue este texto tem,Que quem he formosaHa de querer bem.Havei dó, menina,Dessa formosura;Que se a terra he dura,Secca-se a bonina.Sêde piedosa;Não veja ninguemQue por rigorosaPercais tanto bem.– oOo —ALHEIOTende-me mão nelle,Que hum real me deve.VoltasC'hum real d'amor,Dous de confiança,E tres d'esperança,Me foge o trédor.Falso desamorS'encerra naquelleQue hum real me deve.Pedio-mo emprestado,Não lhe quiz penhor:He mao pagador;Tendo-mo afferrado.C'hum cordel atado,Ao Tronco se leve;Que hum real me deve.Por esta travéssaSe vai acolhendo:Ei-lo vai correndo,Fugindo a grã pressa.Nesta mão, e nessaO falso se atreve,Que hum real me deve.Comprou-me o amor,Sem lhe fazer preço:Eu não lhe mereçoDar-me desfavor.Dá-me tanta dor,Que ando apos ellePelo que me deve.Eu de cá bradando,Elle vai fugindo;Elle sempre rindo,Eu sempre chorando.E de quando em quandoNo amor se atreve,Como que não deve.A fallar verdadeElle ja pagou;Mas ainda ficouDevendo ametade.Minha liberdadeHe a que me deve:Só nella se atreve.– oOo —MOTEDó la mi ventura,Que no veo alguna?VoltasSepa quien padece,Que en la sepulturaSe esconde venturaDe quien la merece.Allá me parece,Que quiere fortunaQue yo halle alguna.Naciendo mesquino,Dolor fué mi cama;Tristeza fué el ama,Cuidado el padrino.Vestióse el destinoNegra vestidura,Huyó la ventura.No se halló tormento,Que alli no se hallase;Ni bien, que pasase,Sinó como viento.Oh qué nacimiento,Que luego en la cunaMe siguió fortuna!Esta dicha mia,Que siempre busqué,Buscándola, halléQue no la hallaria;Que quien nace en diaD'estrella tan dura,Nunca halla ventura.No puso mi estrellaMas ventura em min:Ansí vive en finQuien nace sin ella.No me quejo della;Quéjome que aturaVida tan escura.– oOo —MOTEVida de minha alma.VoltaDous tormentos vejoGrandes por extremo:Se vos vejo, temo,E se não, desejo.Quando me despejo,E venho a escolher,Temendo o desejo,Desejo temer.– oOo —CANTIGA ALHEIAPastora da serra,Da serra da Estrella,Perco-me por ella.VoltasNos seus olhos bellosTanto Amor se atreve,Que abraza entre a neveQuantos ousão vellos.Não sólta os cabellosAurora mais bella:Perco-me por ella.Não teve esta serraNo meio d'alturaMais que a formosura,Que nella se encerra.Bem ceo fica a terra,Que tẽe tal estrella:Perco-me por ella.Sendo entre pastoresCausa de mil males,Não se ouvem nos valesSenão seus louvores.Eu só por amoresNão sei fallar nella,Sei morrer por ella.D'alguns, que sentindoSeu mal vão mostrando.Se ri, não cuidandoQu'inda paga rindo.Eu triste, encobrindoSó meus males della,Perco-me por ella.Se flores desejaPor ventura bellas,Das que colhe dellasMil morrem d'inveja.Não ha quem não vejaTodo o melhor nella:Perco-me por ella.Se n'ágoa correnteSeus olhos inclina,Faz a luz divinaParar a corrente.Tal se vê, que sentePor ver-se a ágoa nella:Perco-me por ella.– oOo —ENDECHASVós sois huma DamaDas feias do mundo;De toda a má famaSois cabo profundo.A vossa figuraNão he para ver;Em vosso poderNão ha formosura.Vós fostes dotadaDe toda a maldade;Perfeita beldadeDe vós he tirada.Sois muito acabadaDe taixa e de glosa:Pois quanto a formosa,Em vós não ha nada.Do grão merecerSois bem apartada;Andais alongadaDo bem parecer.Bem claro mostraisEm vós fealdade:Não ha hi maldade,Que não precedais.De fresco carãoVos vejo ausente;Em vós he presenteA má condição.De ter perfeiçãoMui alheia estais;Mui muito alcançaisDe pouca razão.– oOo —ENDECHASVai o bem fugindo,Cresce o mal co'os annos,Vão-se descubrindoCo'o tempo os enganos.Amor e alegria.Menos tempo dura.Triste de quem fiaNos bens da ventura!Bem sem fundamentoTẽe certa a mudança,Certo o sentimentoNa dor da lembrança.Quem vive contente,Viva receoso:Mal que se não sente,He mais perigoso.Quem males sentio,Saiba ja temer;E pelo que vioJulgue o qu'ha de ser.Alegre vivia,Triste vivo agora;Chora a alma de dia,E de noite chora.Confesso os enganosDe meu pensamento:Bem de tantos annosFoi-se n'hum momento.Meus olhos, que vistes?Pois vos atrevestes,Chorae, olhos tristes,O bem que perdestes.A luz do sol puraSó a vós se negue;Seja noite escura,Nunca a manhãa chegue.O campo floreça,Murmurem as ágoas,Tudo me entristeça,Cresção minhas mágoas.Quizera mostrarO mal que padeço;Não lhe dá lugarQuem lhe deu comêço.Em tristes cuidadosPasso a triste vida;Cuidados cansados,Vida aborrecida.Nunca pude crerO que agora creio:Cegou-me o prazerDo mal que me veio.Ah ventura minha,Como me negaste!Hum so bem que tinha,Porque mo roubaste?Triste fantasiaQuanta cousa guarda!Quem ja visse o dia,Que tanto lhe tarda!Nesta vida cegaNada permanece;O qu'inda não chega,Ja desaparece.Qualquer esperançaFoge como o vento:Tudo faz mudança,Salvo meu tormento.Amor cego e triste,Quem o tẽe padece:Mal quem lhe resiste!Mal quem lhe obedece!No meu mal esquivoSei como Amor trata:E pois nelle vivo,Nenhum amor mata.