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Um Quarto De Lua
Um Quarto De Lua

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Um Quarto De Lua

Язык: pt
Год издания: 2021
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- Agora tenho fome - disse rindo em voz alta.

- Tu nao tens Elio?

- Sim.

- entao salta para baixo e vamos comer, talves a proxima vez far-te-ei dar uma volta com o tractor.

e dirigiu-se para casa.

elio nao perdeu tempo e o seguiu, a fome voltava a fazer-se sentir.

Quarto Capítulo

como um mau pressagio, mormurava palavras numa lingua desconhecida

Elio levantou-se muito cedo, era inevitavel ceder à tia que continuava a chamá-lo com insistencia. fora era apenas a aurora, reparou para o céu que alvorecia e imaginaou novamente por um instante ao pôr do sol da noite anterior, à sensaçao de paz sentida naqueles instantes, mas durou pouco, as suas orelhas começaram a zumbir, um zumbido surdo, pungente, que rasgava a alma e o deixava atirar-se de novo na sua fria realidade.

Elio, arrastou-se ainda de pijama até à cozinha, esperando de despertar um pouco com o pequeno-almoço.

A tia, o primo e a sua irmã ja estavam vestidos e penteados como se fosse oito horas da manhã e nao apenas cinco e trinta! havia ar de festa, o seu primo Ercole teria voltado do campo de escutismo. Ida estava excitada pelo regresso do filho, tinha estado fora precisamente durante cinco dias, ficava sempre preocupada quando os seus filhos ficassem fora de casa por causa do incidente sucedido a Libero quando menino e nao quisera por acaso perdê-los de vista.

O sargento Ida, mal avistado o insubordinado Elio, expulsou-o imediatamente da cozinha para que fosse lavar-se e arrumar-se.

Ida era uma mulher forte, temperada pelas vicissitudes da vida. Depois da morte do marido e o problema com o filho, tivera que se adaptar a um estilo de vida completamente diferente daquele citadino, que tinha marcado a sua vida nos primeiros anos do matrimonio.

Dura e arrojada, tinha tomado a peito aquele novo desafio. mais que uma vez tinha-se encontrada sozinha a chorar pelo desespero, mas nao baixou a cabeça.

O seu ar de general nao devia enganar, dentro era mole como o coraçao de um suflê.

pouco depois Elio voltou vestido e quase arrumado, embora o humor era negro e a fome lhe acometia.

sentia o cheiro do leite e chocolate, mas sobretudo dos biscoitos gigantes feitos pela tia no dia anterior, que permanecera pelo ar.

Eram uns enormes pedaços de pão com leite em forma de tranças misturados com varios aromas: de canela, de anis e, para nao deixar faltar nada, as suas preferidas de sésamo.

A sua irmã e Libero já estavam a molhá-los no leite.

Libero perguntou-lhe:

- sabes quem volta hoje?

Elio espantou-se pela pergunta:

- quem? - respondeu.

- Ercole, o meu irmaozinho!

Elio nao disse nada mas tinha-se esquecido completamente do primo da mesma idade.

- Donde? - perguntou como se no dia anterior nao tivessem falado dele.

- Como donde? - respondeu Gaia - nos disse ontem a tia.

- Volta do campo de escuteiros - disse sorrindo Libero.

- Hoje o sotao vos espera - sugeriu a tia com um tom que nao admitia replicas - Mexa-se Elio, vê se acaba já o teu pequeno-almoço e põe-te ao trabalho. Gaia chegará para dar-te uma mao dentro de pouco tempo, agora preciso dela para uma incumbencia.

elio terminou de tomar o leite num gole imaginando com alivio ao facto de que por um instante ficaria sozinho no sotao numa total tranquilidade. desfrutava da ideia de poder enfiar nas orelhas auriculares do seu amado leitor mp3.

reparou por aí sem achá-lo, depois voltou para a cozinha e perguntou:

- Alguem viu o meu leitor por aí?

- Infelizmente, ontem ficou vitima de um incidente. tinha-o deixado no sofá e quando o abri para preparar a cama ficou embutido no meio do mecanismo de extracçao da rede… nao sobrou muita coisa, mas conservei para ti o cartao de memoria - contou a tia e, buscando-o num pratinho decorativo colocado em cima da credencia, entregou-lhe.

A jornada tinha precisamente começado mal, pensou o rapaz, subiu a escada que levava até ao sotao com a lentidao que o distinguia e acendeu a luz.

por toda a parte tinha amontoado coisas, deveria limpar e criar um espaço onde preparar as camas, muito trabalho para ele só de pensar. assim resolveu abrir a grande da janela central, para deixar entrar ar e luz, e depois sentar-se numa esquina qualquer a mandriar à espera da Gaia.

Os seus olhos viram algo que o afectaram, um livro em cima de uma velha caixa de madeira, como aquele que o estranho senhor entrado no compartimento lia.

Realmente uma estranha coincidencia, nao era um best-seller na moda, isto o apoquentou. de repente apagou-se a luz e elio começou a ouvir a estranha voz que, como um mau pressagio, murmurava palavras desconhecidas ao seu ouvido.

Mesmo sabendo de como nao rea possivel, teve o pavor de que aquele homem poderia encontrar-se ali, na escuridao. procurou o interruptor da luz mas nao conseguiu acendê-la de novo, devia ter-se fundido a lampada. um temor profundo apoderou-se dele, a voz era cada vez mais forte, a ouvia ecoar dentro da sua cabeça. às apalpadelas tentou chegar à janela, arrastando consigo os objectos que encontrava à sua passagem.

Chegado à manilha, nao logrou abril-lo, entao, fora de si, começou a dar murros na esperança de desbloqueá-lo.

Tremia e suava frio.

De repente acendeu-se a luz, Elio virou repentinamente, quisera gritar, mas a voz esmorecera na garganta.

viu Gaia.

- Elio estás bem? por que todo este barulho? algo nao está bem contigo?

O rapaz, branco como um lençol, tinha o olhar transtornado e tremulo.

gaia abraçou-o forte preocupada e lhe sussurrou:

- Está tudo bem? aconteceu contigo outra vez, nao é? aquela estranha coisa que te deixa ficar confuso…

Elio nao respondia, nem retribuia o seu abraço, estava ainda a viajar por aí, possuido pelos seus pensamentos, nao conseguia mesmo sentir o calor daquele abraço, como se fosse pedra.

Lentamente o abraço desfez-se, Elio começava a voltar em si.

a primeira coisa que fez foi voltar-se para controlar se aquele estranho manuscrito estivesse realmente ali, onde o tinha visto, ou entao se o tivesse apenas imaginado.

infelizmente, estava ainda ali,, o seu olhar ficou gelido.

Gaia, notada toda a cena, aproximou-se ao tomo para pegá-lo, para ver se era realmente o motivo da inquietaçao do irmao. põs-se na trajectoria entre o olhar de Elio e o livro.

Era precisamente ali que reparava, virou e pegou-o virando-se com o livro na mao para com ele e perguntou:

- É isto que tanto te tira o sossego?

Elio ficou calado.

- Fala comigo Elio, nao posso ajudar-te se nao te abres comigo e continuar a teimar.

- O comboio - sussurrou Elio.

- O comboio, o que quer dizer o comboio?

- Uma cópia daquele livro vi-a no comboio.

- o que tem de estranho nisto?

- Trazia-o um estranho fulano sentado na fila ao meu lado, no momento em que vocês estavam no vagao-restaurante.

- Muitos leem enquanto estao a viajar.

- Mas nao é um livro comum, nao ves? - agitou-se Elio.

Efectivamente Gaia tinha notado a particularidade da capa do livro e ficou um pouco espantada mal o abriu.

Estava escrito numa lingua para ela desconhecida, as imagens, todas em preto e branco, figuravam personagens estranhas, numa moldura de bosques e luas cheias. muitas daquelas figuras eram na pior das hipoteses atormentadoras.

Gaia fingiu de nao estar a notá-las, fechou imediatamente o livro e o deixou no canto, tentando simular indiferença.

- Força, animo, é apenas uma coincidencia e aquele é apenas um antigo livro.

Elio ja tinha-se atirado outra vez no silencio, as suas orelhas zumbiam de novo.

a rapariga procurou distrair o irmao, se bem que as imagens espectrais nao abandonassem a sua mente.

- Coragem, dá-me a tua mao, afastemos para a luz estas caixas e começamos a criar espaço em baixo da claraboia, quero arrumar ali a nossa cama. infelizmente nos caberá dormir na mesma e eu quero adormecer observando as estrelas.

Trabalharam toda a manhã com todo ardor. Gaia, com as suas conversinhas, conseguiu distrair o Elio que depois do sucedido parecia reagir com um pouco de energia a mais.

Passaram tambem boa parte da tarde a limpar até quando a tia os convidou para lavar-se, naquela noite chegava o ercole e era preciso festejar.

Libero tinha prometido de levá-los para dançar, na aldeia desenrolar-se-ia a anual festa da ceifa.

ouviu-se provir do exterior o som da buzina do velho autocarro que duas vezes por semana, depois de ter atravessado os varios lugarejos partindo da cidade, chegava na aldeia, os escuteiros o utilizavam para regressar do campo que mantido em Tresentieri, um bosque nao bastante distante.

Libero lançou-se para fora e, como seu habito, agarrou o irmao ainda com os ombros carregados por uma mochila seguramente fora da medida e o fez voar arrastando-o até à porta de casa onde, mal escapou da sua mordidela, viu-se naquela da mae.

Erecole estava feliz por esta manifestaçao de afecto, mas lhe parecia um pouco exagerado para uma ausencia que durou somente cinco dias.

saudou afectusamente com os dois beijos na bochecha de gaia, que achava muito gira, enquanto reservou um gelido “olá” ao primo que o julgava responsavel pelo desapareciemto da Tv e sobretudo dos seus amados videosjogos.

Ercole e Gaia eram da mesma idade e representava em tudo o mito do qual levava o nome: alto, musculoso e atletico fazia parte da equipa de luta livre da aldeia.

tinha os cabelos pretos, rapados nos lados e à escovinha no centro, os olhos escuros e a pele alivacea, mas este seu aspecto de duro nao espelhava a sua verdadeira natureza de pessoa calma, incapaz de guardar rancor.

anteciparam o jantar, para ter o tempo para preparar-se para a festa. exagerado talves, mas por outro lado a tia tinha preparado para a ocasiao uma refeiçao nupcial e era preciso ter o tempo para deixar desfilar todos aqueles pratos na mesa.

depois ficariam prontos para esgotar tudo na festa da ceifa.

Naturalmente, a espera mais longa foi por causa da preparaçao das duas mulheres da casa. Elio tinha pouca vontade, ja se via pronto assim como vinha vestido antes do pequeno-almoço. Ercole usou umas calças jeans e e alguns quilos de gel nos cabelos, impossivel perceber onde tivesse ido parar.

Libero foi, entre os homens, aquele que investiu maior tempo. nao saiu do seu quarto até que nao ficou pronto. reluzia, vinha trajado de calças caqui que chegam até a barriga da perna azuis, em cima trazia uma camisa que os Hawaianos teriam considerado exagerada mas que nele nao desfigurava.

os olhos brilhavam, era uma das festas que adorava para valer.

Mal que todos ficaram prontos, Elio tentou em vao de subtrair-se àquele supplicio, mas foi atropelado pelo entusiasmo da tia que estava quase ireconhecivel. trazia um vestido preto floreado, os sapatos com salto alto, tinha os cabelos soltos e o rosto maquilhado. pegou-o pelo braço e o escoltou para fora de casa.

ao longo do caminho podia admirar, além das classicas luzes e bandeirinhas coloridas, as decoraçoes que naquele ano os organizadores da festa tinham efectuado.

Nas margens das ruas, fardos de feno quadrados, rectangulares, em suma de todas as formas e dimensoes, decoravam a aldeia.

No centro principal, o monumento dos mortos pela patria estava circundado por enormes rodas de palha.

A praça principal tinha um palco sobre o qual a banda chamada para tocar preparava os seus instrumentos.

Em volta da area para a dança, as cadeiras ja hospedavam os idosos que conversavam aguardando para defrutar da vista dos jovens que dançariam no centro. na verdade os mais pequenos corriam para a pista de dança imitando os mais grandes que dentro de pouco tempo os teriam com delicadeza evitados durante as danças.

a fofoca principal naquela noite era dedicada à chegada na aldeia de Gaia e Elio, os filhos de Carlo e Giulia. os anciaos e os adultos recordavam por turnos os acontecimentos dos anos passados na aldeia dos dois.

Como de costume, as discordancias eram varias: quem os recordava como trambolhoes, outros como extraordinarios rapazes, enquanto os velhos amigos de escola pelas jornadas gazetadas onde se perdiam pelos campos a brincar e nao fazendo nada.

quem reconhecia no rosto de Elio o seu pai, quem em Gaia, quem desconhecendo em ambos qualquer semelhança, indicava como culpados os avós.

começaram os ruidos da banda que aquecia os instrumentos. tudo estava pronto. o apresentador, ou para melhor dizer o homem que todos os anos ocupava-se falando a partir do palco, convidou as habituais autoridades da aldeia para subir.

terminou o discurso e tambem os agradecimentos aos sponsor, no mais absoluto desinteresse dos citadinos que começavam a bocejar. no momento aplaudiam à esperança que tivessem terminado e deixassem a banda tocar.

ao anuncio do abandono do palco do pseudo-apresentador partiu o mais forte dos aplausos. o maestro deu um pequeno salto e, com um movimento da mão, agitou a baqueta deixando partir o ataque dos trombones que deram a partida da musica, seguidos, intempestivamente, antes pela bateria, depois pelos saxofones e por ultimo pelos clarinetes.

O primeiro a lançar-se na pista foi Libero, juntamente com a sua namorada preferida com a qual abria todos os anos as danças. diferentemente por mais que se possa imaginar pela descriçao de Libero, era um bailarino engraçado e todas as mulheres da aldeia todos os anos costumavam deliciar-se com ele pelo menos uma vez na pista. isto valia para as mais jovens e para as mais ancias cujo ele nao deixava sentir a falta de atençao, amava dançar e conseguia transmitir este seu amor sem interesse especial às suas parceiras de dança.

A pista extravasou, Gaia tinha uma quantidade de pedidos dos quais nao rejeitou.

Elio durante um instante sentiu uma estranha sensaçao, sem dar-se conta do seu pé tinha começado a tamborilar intempestivamente.

A tia, antes que ele pudesse recusar, mal que a dança fez-se mais espontanea e bastava agarrar-se pela mao e rodear, agarrou-o pelas maos, que as tinha caidos, e o fez dançar ao ritmo no meio da pista.

Elio, estranhamente, nao se opôs, sentiu por um instante o ritmo a entrar-lhe dentro, divertiu-se até que feriu-se nas bochechas por causa da contorçao estranha que nao acontecia ha anos nos seus musculos faciais.

conseguiu passar das maos da tia para aquelas de varias curiosas raparigas da aldeia que o fixavam divertidas.

Terminado a ronda de dança, Elio voltou para o seu lugar, sentia o sangue a banhar os musculos. repentinamente o estranho zumbir nas orelhas recomeçou, forçando-o a distanciar-se da praça. a musica, que um momento antes o divertia, estava a tornar-se ensurdecedor.

Dirigiu-se para o prado verde ao lado de uma pequena igreja, repleto de antigos tractores em exposiçao e de criancinhas que nao cessavam de repará-los e a girar em volta deles.

Elio sentou-se numa esquina obscura e pôs-se a observá-los.

todas aquelas gargalhadas ribombavam dentro de si e lhe recordavam algo, o eco de uma felicidade remota ja sepultada um tempo a tras.

Invejou uma criança que corria indo ao encontro do pai e agarrar a sua mão. um lembrança sepultada na sua mente procurou vir à ribalta: o calor e o cheiro da mao do seu pai.

Uma pontada de dor lhe trespassou a têmpora, impedindo-lhe de pensar, e levou as maos à cabeça, sentia frio.

- Elio o que fazes aqui sozinho? estás mal?

A tia, que nao o tinha perdido por acaso de vista, sentou-se ao lado dele, Elio nao respondeu.

Ida colocou um braço em volta dos seus ombros e o apertou afectuosamente, mas ele nao sentia o calor, estava de novo no seu gelido mundo.

Naquela noite, regressando à fazenda, gaia nao censava de falar do quanto se divertira e das novas amizades.

Dormiram pela primeira vez no sotao, tinham arrumado a cama em baixo da claraboia proprio como desejava gaia que adormeceu observando as estrelas.

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