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Pintar Com O Dragão
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Pintar Com O Dragão

Язык: pt
Год издания: 2021
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"Conta, conta! Conta até cem, nós vamos nos esconder!"

E assim fugiram. O Shotaro respirou profundamente aborrecido, mas cumpriu e começou a contar até cem.

Ouvia-se a voz do menino a contar na rua "Um, dois..."

Entretanto as meninas foram se esconder. A Satsuki decidiu esconder-se atrás de uma barreira numa das casas. A Ōi hesitu um pouco, mas subitamente achou ter uma ideia genial. A menina correu para uma falha entre as casas, decidindo que aquele sério o esconderijo ideal.

A Ōi corria e corria, mas a falha não parecia ter qualquer fim à vista. Subitamente, começou a sentir algo de estranho à sua volta. À sua volta havia vários ratos que apareciam do nada. Porém, o mais estranho é que estes ratos estavam vestidos com quimonos, cada um à sua maneira e.… tinham vozes de humanos!

"Uma pessoa, uma pessoa! Está aqui uma pessoa!" chiava um rato.

"De onde veio esta rapariga?" chiava outro rato.

A Ōi não percebeu de imediato de onde vinham as vozes. Ela parou e olhou à sua volta. Mas quando ela percebeu de onde vinham as vozes, ela sentiu um calafrio, calores frios percorriam-lhe o corpo.

"O que é que se está a passar aqui? Ajuda-me Amaterasu!" a menina começa a rezar ao Deus do Sol.

De repente, um dos ratos que tinha um ar bastante respeitável, parou e disse à Ōi:

"É raro virem aqui pessoas, mas já que vieste não tens nada a temer. Não fazemos mal às pessoas. Pensa: vocês são tão grandes e nós tão pequenos! Porque haveríamos de ofender alguém que nos pode esmagar?"

A menina ficou a olhar incrédula para o rato. Apenas um, não era motivo para ter medo. Mas havia tantos! E se eles a atacassem todos ao mesmo tempo? Entretanto falou outro rato:

"Sim, sim menina, não nos faças mal! E nós também não te tocamos, tu és enorme! E podes ficar para o casamento!"

"Para o casamento? De quem?" esfregando os olhos, que estavam repletos de curiosidade.

"Oh, deixa-me contar-te tudo!" disse o primeiro rato que falou coma Ōi.

E começou a contar a história:

"Um casal de ratos magnata vivem aqui perto. Eles têm uma filha linda chamada Ochyu. Ela não só foi abençoada com beleza, mas também com inteligência e outros dotes. Os pais amam-na muito! Tratam-na como um verdadeiro tesouro! Eles sempre fizeram de tudo para que Ochyu não andasse ao sabor do vento, se era para ler ela apenas lia os melhores clássicos da literatura! Ela também estudou artes! A Ochyu também sabe fazer uma cerimónia do chá e ikebana!

Assim sendo, Ochyu tornou-se uma jovem rato muito bem formada, nenhuma das suas amigas se poderia comparar a ela. Agora ela chegou à idade de casar. E os seus pais começaram a pensar: qual seria o melhor par para a sua preciosa filha? Afinal de contas, ela é linda e tem uma excelente educação. Assim sendo, pensaram por muito tempo, mas no fim os seus pais decidiram casar Ochyu com a criatura mais poderosa que existe no Mundo dos Espíritos! As criaturas mais poderosas deste mundo são o Sol e a Lua. Mas o Sol é demasiado brilhante: tu não te consegues aproximar muito dele! Por outro lado, Lua é meigo e gentil e foi ele quem os seus pais escolheram. Assim sendo, o pai da Ochyu foi ter com Lua. Ele contou-lhe tudo. Lua ouviu ficou impressionado e sem palavras. Mas respondeu-lhe que: 'Sou de facto muito poderoso, mas neste mundo não posso ser genro de ninguém. É claro que estou grato que me ofereças a mão da tua filha em casamento. Desculpa, mas será impossível! Embora te deva dizer: Eu tenho um rival poderoso, Nuvem! Muitas vezes me impede de sair à rua! Vai ter com ele!'

Depois de saber acerca de Nuvem pela boca de Lua, Chyube foi ter com ele. Mas Nuvem disse-lhe: "Sim muitas vezes não deixo Lua sair... Mas eu apenas tenho um rival, Vento. Muitas vezes, quando estou prestes a sair, o vento sopra-me e tenho de me ir embora!"

Ao saber disto, Chyube vai ter com Vento. Depois de lhe contar tudo Vento responde-lhe: ' Obrigada pela tua generosa oferta. Mas será impossível. Sempre que sopro com todas as minhas forças, vou embater no meu adversário, Parede!"

E aí Chyube disse: "Muito bem, vou falar com Parede!"

Então foi ter com Parede e fez novamente a proposta. E recebeu novamente uma educada recusa? E assim sendo, Chyube pergunta o porquê da recusa.

É aí que Parede responde: "Embora eu resista ao vento, não tenho qualquer hipótese contra vocês ratos. Vocês conseguem me morder e fazer buracos." Pensativo Chyube regressou a casa depois de uma série tentativas de casamento mal sucedidas.

À sua espera em casa estava a sua mulher. Ao que ela lhe perguntou: "Encontraste um noivo para nossa Ochyu?"

Chyube disse-lhe: "Alegra-te mulher! No nosso mundo, nós ratos, somos os mais poderosos!" A sua mulher desconfiou: "É mesmo do nosso mundo inteiro?" Foi aí que ele lhe contou tudo sobre as suas aventuras. Depois de ouvir a explicação de Chyube a sua mulher concordou com ele. Foi assim que decidiram, entre todos os ratos, arranjar um noivo para a sua filha.

A sua mulher respondeu-lhe: "Se assim é, claro que vamos casar a nossa filha com um rato. Mas qual o melhor candidato?"

O marido responde-lhe: "Pensei nisso no caminho. E lembrei-me do Chyumaru, que vive no sótão."

Pensativa a mulher de Chyube disse: "Claro que sim ele é um bom rato. Mas o gato é o seu único vizinho. E se acontece alguma coisa? Preocupamos-nos depois..."

Foi aí que Chyube disse: "E que tal o Chyukuro da lixeira? Mas obteve a mesma resposta da sua mulher: "O furão vive mesmo ao lado dele, sabes o quão perigoso é!"

E o casal pôs-se a pensar quem seria o par ideal para Ochyu? Durante muito tempo pensaram, mas não se conseguiam decidir. De repente lembraram-se do seu mordomo chamado Chyuske. Desde sempre os servira e não notaram qualquer característica maliciosa nele, e era conhecido de Ochyu desde os seus tempos de infância. Chamaram Chyuske de imediato e logo o informaram da sua decisão. A felicidade era clara nas suas expressões. Depois chamaram Ochyu que também foi informada da decisão. Também ela ficou bastante feliz.

Os pais da Ochyu ajudaram o Chyuske a arranjar a sua própria casa e a abrir uma loja. Foi aí que escolheram um dia auspicioso com a ajuda de um astrólogo para celebrar o casamento, onde a noiva passou a integrar a família noivo. É hoje o dia da dita cerimónia! Todos nós fomos convidados para o casamento!"

Foi assim que o rato deu por terminada a sua história. Durante algum tempo Ōi ficou a olhar surpreendida para o animal falante. Mas, entretanto, decidiu dizer-lhe:

"Eu percebo o que me está a contar Sr. Rato... Mas por certo não compreendo como cheguei até aqui! Eu estava a jogar às escondidas com os meus amigos e fui esconder-me num espaço entre duas casas! E do nada, sem qualquer razão, vou dar comigo aqui!"

"Eu ouvi a minha avó contar-me que de tempos a tempos as pessoas caiem no nosso mundo!" respondeu-lhe o rato. "Mas menina já que aqui está, porque não assistir ao casamento de Ochyu e Chyuske? Para nós ratos é considerado um bom presságio um humano testemunhar um casamento de ratos! Eu acho que os pais da noiva também vão ficar muito felizes!"

"Eu adoraria ficar para ver o casamento, mas como é que faço para regressar a casa depois?" Questionou a Ōi que por esta altura já estava um pouco mais calma. "É claro que os meus pais e amigos vão ficar preocupados... Tal como a minha irmã, muito embora ela seja ruinzinha."

"Oh, não te preocupes! Vais regressar em breve! Os humanos não podem aqui ficar muito tempo."

"Então vou assistir alegremente a este casamento de ratos," sorriu a menina.

E assim seguiu o rato falante, que lhe contou tudo. Pouco depois chegaram a uma rua, parecida com Edo, mas sem uma única pessoa. Mas sim vastas populações de ratos lotavam as ruas sem quaisquer pessoas. Todos olhavam para um palanquim que estava nas próximidades adornado com várias joias.

Os ratos olharam para a Ōi com uma surpresa impossível de esconder, o que fez com que a menina se sentisse um pouco desconfortável. Contudo, os pequenos animais não mostravam quaisquer sinais de agressividade. Apenas sussurravam:

"Uma pessoa, uma pessoa! Está aqui uma pessoa!"

"Sim, é uma menina!"

"É um sinal auspicioso, não é?"

Mas em pouco tempo, a atenção dos ratos focou-se na noiva que emergia do buraco dos ratos. Involuntariamente a Ōi abriu os seus olhos maravilhados. Ela não esperava ver um vestido de noiva tão pequenino, mas ao mesmo tempo tão detalhado e elegante! Numa palavra apenas, a noiva Ochyu era deveras lindíssima, parecia-se com um desenho animado de um conto de fadas.

"Eu quero desenhar isto," foi o primeiro pensamento de Ōi. "Quando chegar a casa vou certamente desenhar isto! Eu não sei desenhar tão belas imagens quanto o meu pai, mas vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para enaltecer parte desta beleza!"

A noiva caminhava para o palanquim onde se sentou, enquanto isso, a menina observava-a admirada. Depois disso os ratos carregaram o palanquim para a casa do noivo.

Os ratos começaram a sussurrar novamente:

"Quando as raposas se casam, no céu ou está um calor abrasador ou chove! Mas quando os ratos se casam está bom tempo!"

"É verdade o tempo está ótimo!"

Talvez a Ōi teria tomado mais atenção às conversas dos ratos não fosse o facto dos ratos à sua volta começarem a desaparecer tão subitamente quanto o seu surgimento. E mesmo ela própria se apercebeu de que num piscar de olhos ela já não estava no casamento dos ratos, mas sim na mesma falha onde tinha entrado pra se esconder. Estava de tal forma perplexa que nem se mexia isto até ouvir Shotaro a gritar de alegria:

Encontrei-te Ōi! Onde estavas? Estavas a esconder-te noutro sítio? Já tinha aqui vindo à tua procura antes!"

"Eu estive num casamento de ratos," disse a Ōi orgulhosa.

O Shotaro pensou que ela estava a brincar e apenas abriu os olhos mostrando o seu espanto.

"Mas afinal o que é um casamento de ratos? Estiveste num sítio com muitos ratos? Oh, já percebi! Escondeste-te no celeiro dos nossos vizinhos eles estão sempre a queixar-se dos ratos! Mas como é que lá entraste? Afinal de contas o celeiro está fechado... Onde estiveste? A Satsuki e eu já andámos á tua procura!"

"E por acaso desapareci por muito tempo?"

"Não muito."

"Quem é a contar agora?"

"Provavelmente é a Satsuki encontreia primeiro."

Entretanto apareceu a Satsuki.

"Ōi! Onde estiveste? O Shotaro e eu andámos á tua procura!" exclamou ela.

"Eu estive no casamento dos ratos!" respondeu novamente.

"O quê?" abrindo os olhos de espanto.

Ōi riu-se. Ela já se tinha apercebido que os seus amigos nunca iriam acreditar em si. Então ela disse:

"Quem é que vai contar agora? És tu Satsuki? Então começa a contar que eu e o Shotaro vamos nos esconder!"

Satsuki suspirou tristemente, fechou os olhos e começou a contar. Entretanto a Ōi e o Shotaro foram a correr esconder-se. Mas a filha do artista pensou para si própria que iria certamente desenhar o casamento dos ratos.

E ao anoitecer quando chegou a casa decidiu dar vida á sua ideia. Era mais do que óbvio o que é que a criança estava a pintar. Estava a esforçar-se de tal forma, que Hokusai a elogiou e disse-lhe:

"Ōi um dia serás uma artista fantástica! Podes ajudar-me?"

"Com todo o gosto!" disse ela

Nem ela nem o seu pai sabiam o quão proféticas seriam estas palavras...

Capítulo 2 . Encontro com o Dragão

No vigésimo segundo ano do reinado do Imperador Kōkaku. 11

Passaram-se três anos desde o dia do casamento dos ratos. A Ōi é agora uma menina de dez anos de idade. Neste período muitas coisas mudaram. Pouco depois do casamento dos ratos o Shotaro ficou doente. Pensa-se que foi devido a alguma coisa que estava na água de um ribeiro do qual, o menino bebeu num dia solarengo. Tinha dores de estomago terríveis e vomitava constantemente. Claro que os seus pais preocupados chamaram o médico, mas não havia nada que podesse ser feito. Pouco tempo depois Shotaro morreu...

Os pais do menino, Ōi e Satsuki, bem como outros amigos prantearam amargamente a morte da criança. Mas todos sabem que de nada servirão as lágrimas de tristeza...

Um ano depois da morte de Shotaro acontece outro terrível acidente. O pai da Satsuki, o mercador, ficou na falência, por conta de um negócio que correu mal. Ao tentar melhorar o seu negócio, pediu dinheiro emprestado a uns agiotas, esperando melhorar as suas contas e conseguir pagar a dívida. Contudo, ele não foi bem-sucedido...

Por forma a conseguir pagar as suas dividas, para conseguirem ter dinheiro para dar de comer aos irmãos mais novos da Satsuki tiveram de tomar uma decisão terrível. Vender a sua única filha Satsuki para o distrito da luz-vermelha. Pela formosa menina de oito anos de idade e letrada, pagaram um valor avultado.

Quando levaram a menina de casa, ela chorava desesperadamente, ao mesmo tempo sabendo que a sua família não tinha alternativa. Ōi, sem suspeitar de nada, tinha ido à procura dela para brincar, e involuntariamente assistiu a tudo. Um calafrio percorreu-lhe todo o corpo, ao aperceber-se do que se estava a passar. Ela apressou-se a implorar ao esclavagista para deixar a Satsuki ficar. Claro que a única coisa que as tentativas de Ōi para salvar a amiga alcançaram foi um sorriso de condescendência do esclavagista.

"Não te preocupes, estou certo de que a tua amiga será comprada por um bordel de renome, e tornar-se-á tayu ou oiran no futuro. As meninas bonitas são sempre mais populares," disse ele.

"Qual é o valor da divida da Satsuki? Eu pago, mas deixem-na ir!" A Ōi tirou do cabelo um travessão caríssimo e deu-lhes, tinha-lhe sido oferecido pelos seus pais no seu dia de aniversário. E deu-o ao homem.

"Ōi a divida é demasiado alta," murmurou Satsuki por entre as suas lágrimas. "Nem uma dúzia de travessões chegariam para tal."

Ao presenciar isto, o austero coração do esclavagista estremeceu um pouco. Raramente testemunhava tamanha determinação. E disse a única coisa que poderia dizer naquele momento:

"Menina, o teu travessão não é suficiente, a divida é muito alta. A Satsuki será uma aprendiza de tayu ou oiran, eu prometo."

Ōi incapaz de conter as suas lágrimas desfez-se num pranto. Era um chorar de amargura tão forte que nem os pais de Satsuki conseguiram conter as suas próprias lágrimas. Embora o pai ainda se conseguisse conter, a sua mãe, pálida que nem um fantasma, desatou a chorar.

Finalmente depois de se conseguir acalmar um pouco, Ōi abraçou a sua amiga, Satsuki despediu-se e foi-se embora juntamente com o esclavagista. Ōi ficou a vê-la durante muito tempo até que ela desaparecesse por completo. E foi aí que se virou e olhou com crueldade para os pais da sua amiga.

"Como é que conseguiram fazer isto à vossa própria filha?" gritava a menina revoltada. "Pediram demasiado dinheiro ao agiota não foi?"

"Tens toda a razão," concordou o pai da Satsuki. O remorso estava-lhe espelhado na face. "Não tivemos escolha..."

"Há sempre uma escolha!" gritou novamente Ōi enraivecida. Ela estava revoltada com os pais da amiga. "Vocês não podiam fazer um empréstimo! Ou vender a Satsuki, mas sim um dos vossos filhos mais novos! Nas casas de chá em Kagema, os prostitutos são sempre precisos!"

Os pais da Satsuki olhavam estupidificados para si próprios. Não lhes ocorreu venderem um dos seus potenciais herdeiros. Mais ainda eles não faziam ideia como é que uma menina de oito anos sabia tais detalhes. De facto, ela ouvia falar constantemente sobre prostitutos através do seu pai, este ia com regularidade a Yoshiwara para pintar não só para pintar bijin-ga com cortesãs famosas, mas também retratos de Kagema.

Entretanto, a Ōi voltou a desfazer-se em lágrimas e correu para a sua casa, deixando os pais da Satsuki a sofrer sozinhos. Sentia uma indignação e sofrimento que só queria gritar, uivar e bater a quem quer que cruzasse o seu caminho. A menina lutava por conter esse impulso.

O caso da Satsuki fê-la pensar bastante. De repente ela apercebeu-se do quão desprotegidas estavam as mulheres na sociedade, a situação era ainda mais precária do que ela tinha imaginado. E jurou para com a sua consciência de que iria fazer de tudo para ser independente. E que se algum dia tivesse filhos, nunca os venderia, como se fossem gado. Seria melhor viver em pobreza com eles. E certamente irá reencontrar e resgatar a Satsuki. A Ōi ainda não sabia que o seu rendimento nunca lhe iria permitir realizar tal façanha.

Passaram-se dois anos desde esses eventos (e três desde o casamento dos ratos). Era um verão quente e abafado. A Ōi não sabia quase nada da Satsuki. Embora Hokusai tenha dito à sua filha que tinha visto uma menina parecida com ela em Yoshiwara, próxima de uma oiran. Aparentemente, Satsuki é uma sortuda, e tornou-se aprendiza de uma cortesã da classe alta, isto se podemos chamar sorte a este destino. Mas o artista não a voltou a encontrar, pois quando voltou para pintar um bijin-ga, ele falou mais com aprendizas mais velhas e as próprias cortesãs. Era muito difícil este conseguir falar com as aprendizas mais novas.

... Nessa noite, como era seu costume, a pequena Ōi de dez anos dormiu no seu quarto. Próxima dela num outro futon12, Tatsujo dormia pacificamente. Ōi, pensando para si mesma sobre várias coisas, sobre ela própria, e a sua irmã, com quem continuava a ser um pouco traquinas.

Vale a pena lembrar que durante os três anos que se passaram, para além da morte de Shotaro e a partida da Satsuki, muitas coisas mudaram na vida das duas irmãs.

Deveras mais bonita, mais crescida e em tudo a aparentar os seus quinze anos. Também ela se interessou pela pintura e claramente que obteve sucesso nesta área. Mas não era ao desenho que ela queria dedicar a sua vida. Em vez disso, a rapariga que no ano passado celebrou a maioridade sonhava em casar-se. Escolhendo até um candidato decente para tal, o irmão mais velho do Shotaro, Sotaro. Que fez este ano quinze anos, e recíprocava os sentimentos de Tatsujo.

Os pais de Sotaro, bem como, Hokusai e Okiko estavam bastante felizes com o par. Concordavam plenamente em como os seus filhos formavam um par perfeito. Com a maior brevidade decidiram contactar um astrólogo para escolher uma data auspiciosa para a cerimónia do casamento. Para além disso, o vestido de noiva também já estava pronto.

Também a Ōi cresceu durante esse tempo. Por enquanto, não eram claros os traços femininos, mas deixou crescer um longo e esplêndido cabelo. Quando não o usava apanhado, deixava-o cair pelas costas como se fosse um rio negro com vida própria. Quando iluminada pela luz das velas a menina assemelhava-se a uma criatura mítica ou sobrenatural. Ela não suspeitava o quanto a sua irmã Tatsujo a invejava pelo seu belo cabelo, pois ela própria não o conseguia colocar do mesmo jeito.

A Ōi também aprendeu a dominar vários tipos de laços para laçar o obi. Mas contrariamente à Tatsujo, ela nunca sonhou em casar-se. Em vez disso, a menina estava cada vez mais convencida de que iria dedicar toda a sua vida à pintura. Não importa como: Seja apenas a ajudar o seu pai para que dê andamento aos seus trabalhos, ou a desenhar as suas próprias obras.

A opinião de Hokusai, era de que a sua filha mais nova fazia um enorme sucesso no meio artistico, especialmente a desenhar mulheres.

"A Ōi já desenha mulheres muito bem. Se assim continuar, em poucos anos chegará ao meu nível, e mais tarde irá superar-me por completo," o seu pai sorria de felicidade.

Hokusai costumava ficar triste ao pensar que nenhum dos seus filhos se tinha tornado artista. Era por esse motivo que ficava bastante orgulhoso pelas suas duas filhas mostrarem interesse na pintura, em especial a mais nova.

Ele já confiava bastante na Ōi, ao ponto desta o ajudar nos seus trabalhos. Claro que não lhe entregava trabalhos difíceis, mas confiava-lhe sem problema a tarefa de misturar as tintas, e deixava-a fazer os esboços de detalhes secundários.

... A Ōi suspirava. Estava uma noite de verão abafada, e não conseguia dormir. Olhava com inveja a sua irmã a dormir, a menina pensava:"Também gostava de ser assim, de adormecer rapidamente a qualquer altura sem qualquer problema independentemente do clima. A Tatsujo dorme que nem uma pedra faça chuva ou faça sol! Como é que ela consegue?"

A Ōi tinha um olhar saudoso ao observar o quarto, iluminado apenas pelo luar, que conseguia passar pelo shogi entreaberto13. Com o passar dos anos pouca coisa mudou na casa: o interior continuava a ter uma natureza mais do que modesta e a única decoração que embelezava as paredes eram as pinturas de Hokusai. No quarto das raparigas, duas pinturas adornavam as paredes uma com borboletas e pássaros, pintadas pelo seu pai.

Claro que a Ōi gostaria de ter um quarto e roupas mais luxuosas, isto é para além das pinturas. No entanto, a sua famíla não tinha possibilidades para mais. Obviamente que a família não vivia em pobreza, mas também não podiam exceder-se.

E foi com estes pensamentos que Ōi se deixou dormir. E que sonho estranho ela teve. Foi como se de repente se tivesse levantado do seu futon e se visse a ela própria. Por um momento ficou petrificada devido à sua confusão, ao tentar perceber o que estava diante dos seus olhos. Olhou cuidadosamente à sua volta: estava no seu quarto, onde a Tatsujo dormia e murmurava em sonhos:

"Sotaro, fico bonita neste vestido de casamento?"

Isto era algo que a sua irmã faria. Já estava a sonhar com o casamento, tanto em sonhos como na realidade.

Ōi, ao ver tudo isto, disse atarantada:

"Que estranho, está tudo como sempre esteve. Então porque é que me vejo a mim mesma?"

De repente a menina sentiu um calafrio. Sentiu-se assustada, e sentiu o interior do seu corpo a gelar desconfortavelmente.

"Será que morri mesmo no meu sonho?" murmurou ela.

"Ōi não te preocupes estás viva," disse uma voz do lado de fora do shogi. "Neste momento estás no Mundo dos Sonhos."

"No Mundo dos Sonhos? Quem está aí?" a menina ficou curiosa e amedrontada ao mesmo tempo.

Ela espreitou para o lado de fora, mas não viu ninguém.

"Quem és tu?" ela repetiu a pergunta.

E veio a seguinte resposta "Sou eu o Shotaro,".

"Shotaro? Eu estou a sonhar contigo? Onde é que tu estás?" A Ōi animou-se.

O seu falecido amigo nunca antes lhe tinha aparecido em sonhos desde a sua morte. E a Ōi estava um pouco zangada.

"Eu estou aqui em cima," suou a voz.

A menina olhou à sua volta, como se não acreditasse. Mas continuava a não encontrar ninguém, olhou para cima e gritou surpreendida.

"Tu, tu!" murmurava ela, bastante confusa.

Claro que estava surpreendida... Em vez do rapaz, a Ōi viu um pequeno dragão. Como era de esperar, o corpo era alongado, coberto por escamas brancas e prateadas, da cabeça saíam uns chifres, e um longo bigode adornava a sua face. Os olhos eram enormes e cheios de significado, como se fossem humanos.

"Shotaro? Tu tornaste-te um dragão?" disse a menina depois de conseguir controlar a sua excitação.

"Sim," confirmou o dragão com a voz do menino. "Depois de morrer, fui parar ao Submundo. É aí que as almas dos falecidos são julgadas: as más vão para o inferno, renascem como animais, ou pobres, isto dependendo da gravidade dos seus pecados. As pessoas boas, vão respetivamente para o céu ou renascem como outras pessoas em boas famílias ou ainda outros seres conscientes. No tribunal decidiram que eu fui uma boa pessoa, por isso renasci como um dragão. Ōi não vais acreditar, mas nesta vida o deus dragão Ryūjin é o meu pai.

Claro que a menina já tinha ouvido falar do deus dragão Ryūjin. Este era considerado uma divindade de boa índole, governava o elemento água, patrono do Japão. Por vezes, para defender o Japão ele iniciava furacões para destruir exércitos inimigos.

Quando o Ryūjin se transformava num ser humano, ela mostrava-se como um homem de idade vestindo roupas de um imperador chinês. Para além disso de acordo com a lenda, ele tinha uma pérola mágica que controlava as ondas. Muitas vezes era retratado juntamente com a sua pérola. Mas ao mesmo tempo, a imagem de Ryūjin era sempre um pouco diferente da anterior. Neste caso era retratado com uns longos cabelos e barbudo. E nos seus ombros estava um polvo ou então um pequeno dragão.

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