![O Cidadão Anulado E Outras Histórias](/covers_330/64616532.jpg)
Полная версия
O Cidadão Anulado E Outras Histórias
- Acho que ele cometeu suicídio. Ah, o reino das trevas lançou seus olhos malignos sobre Jagua. Hoje é um dia muito infeliz na nossa história. Quem nos acordará desse pesadelo? - lamentou uma mulher.
- Olhe aqui, chefe. - O menino limpou as lágrimas com o braço e lhe entregou um bilhete.
- Onde você encontrou isso? - perguntou, com espanto.
- O que diz a mensagem? - uma mulher indagou.
O líder da comunidade leu em voz alta:
“Eu não posso conviver comigo mesmo após trair o meu melhor amigo, Jessa. Desculpe-me, querido amigo. Meu bisavô havia me contado sobre a sua história. Eu disse aquilo ao Conselho de Coroação porque achei que merecia ser o Okpako. Pequei ao invejar a sua situação. Por favor, me perdoe. Ninguém deve chorar por mim. Eu já fiz isso. Jakpo”.
Porque cometeu suicídio, a comunidade não fez uma cerimônia de enterro para ele. Seus filhos o carregaram para a floresta do mal e jogaram o corpo para os animais selvagens enterrá-lo em seus estômagos.
Três
Eu Enterrarei o meu Pai
A Prefeitura do povoado estava repleta de pessoas estressadas. Cada um parecia estar cortando a garganta do outro com armas imaginárias.
Um jovem musculoso correu agressivamente para Ovie, que se preparou para pegar o soco, conseguindo torcer o punho do rapaz até que um senhor separasse a briga. O jovem enraivecido gemeu e sentou-se no chão com o braço pendurado.
Ovie sorriu com sarcasmo:
- Vejam os fracos que querem contestar a minha decisão. Eu estrangulo quem ousar me desafiar.
Um idoso caminhou para frente. Encarou Ovie e sacudiu sua cabeça. Olhou para baixo por alguns instantes, bateu sua bengala no chão e novamente o mirou:
- Ovie, você devia ter adivinhado que um de nossos valorosos jovens agiria rapidamente para repelir a sua ação impensada. Estou avisando: não ficará só nisso. Um exército irá defender os direitos do seu pai.
- Quero ver vocês todos tentarem. Enterrarei o meu pai em Apele. Ele permanecerá em sua mansão e ninguém poderá me impedir.
Para validar as suas palavras, Ovie bateu no peito, com tamanha força que seu tórax estremeceu.
- Veremos. Vamos preparar os rituais de sepultamento do nosso parente. Observe como a luz ajudará o redil a encontrar a saída do deserto -, disse o velho homem religioso.
Pegou um giz branco no bolso do peito de sua camisa e desenhou um círculo no chão. Olhou para o teto e entoou um canto inaudível enquanto um empregado trazia um galo branco com aparência meio fraca. Desamarrou as pernas do animal e cantou salmos em volta do caixão. O galo dançou no círculo e, em seguida, escapou para fora do recinto.
Os aldeões deixaram a Prefeitura. Ovie continuava decidido a enterrar o pai na cidade. Era costume de filhos e filhas enterrar os seus nas aldeias, como era Godere. No entanto, o rapaz, criado na cidade, argumentava que nem todas as crianças haviam nascido na aldeia, então não era obrigatório seguir as normas locais.
Ovie se voltou para o tio, Mamus: - Por favor, me diga como os nossos ilustres convidados se acomodarão na aldeia. Não há hotéis. Não há sequer um albergue para lhes dar o mínimo conforto. Aqueles ridículos insetos invisíveis quase me picaram até a morte quando vim marcar a data do enterro do meu pai. Darei a ele uma cerimônia de luxo, em grande estilo. Tio, o que o senhor acha?
- Ovie, você quer a minha opinião honesta?
Ovie desviou o olhar.
- Pensei bastante e você já sabe a minha posição sobre o assunto. Se você tivesse sido uma pessoa responsável, teria construído um prédio na aldeia que acomodaria seus amigos da alta sociedade. Sabe por que os jovens estão fazendo isso?
- Pode falar. Não que vá fazer algum sentido, mas..., - disse Ovie.
Mamus balançou a cabeça. - Vou falar para você: muitos filhos e filhas de Godere tendem a construir mansões na cidade e nem um alicerce sequer em Godere. Os nossos jovens, ao contrário, se dedicam a esse costume com paixão, a fim de mostrar às pessoas os benefícios de construir na aldeia não apenas as suas moradias, mas também as indústrias, que permitirão a transformação do lugar em município. Seu pai queria ser enterrado em casa e, assim, devemos satisfazer o seu desejo. Era a sua vontade. Acho que conforto para convidados não é o único motivo para esse show que você está fazendo. Você fala como se fosse um rei e age como um guarda palaciano comum. Ou você também pode adiar o funeral do seu pai até construir um grande hotel ou uma pousada!
Ovie olhou para o tio com desprezo e saiu furioso da Prefeitura.
******
No dia do enterro, os jovens de Godere alugaram uma caminhonete para ir a Apele. Ovie havia levado a polícia para proteger o corpo no necrotério. Os jovens, enraivecidos, enfeitiçaram os policiais e recolheram as suas armas. Eles ficaram completamente paralisados, enquanto os rapazes entravam no necrotério e carregavam o caixão.
O ataúde foi colocado no carro e só então os policiais foram liberados do feitiço, recebendo fortes bofetadas nas suas faces e chutes em seus traseiros.
- Este é um aviso razoável para nunca mais se meterem nas atividades dos jovens de Godere. Vamos poupar a vida de vocês. Hoje é o dia sagrado do ritual de passagem do nosso irmão. Vocês tiveram sorte porque a nossa guerra não é com vocês, mas com aquele filho desorientado do finado -, advertiu o líder dos jovens, fazendo um movimento de ameaça.
Antes de entrar no veículo, os jovens lançaram olhares de intimidação para os oficiais que, com medo, correram até desaparecer.
O Inspetor do pelotão era novo naquela área. Os subordinados mais jovens haviam resistido à tarefa de tomar conta do corpo, mas ele os havia ameaçado de perder o emprego.
- Chefe, agora entende o que tinha lhe dito? Ninguém cria confusão com os jovens de Godere, - disse um sargento ao Inspetor, que secava pequenas gotas de suor em sua testa.
Os Soldados da Paz não costumavam interferir nas brigas que a comunidade de Godere se envolvia. Qualquer Comandante de Segurança nomeado para aquela localidade sempre colocava pressão para ser transferido. Quando as situações corriam mal, não era fácil restabelecer a harmonia na comunidade. Os Soldados da Paz, normalmente, permaneciam na periferia. Eles temiam que os conflitos entre os grupos pudessem dominá-los durante a noite, quando estivessem nos alojamentos temporários.
Antes de sair de Apele, os jovens se dirigiram para a mansão dos parentes. Lá, espalharam as tendas e derrubaram mesas e cadeiras. Alguns levaram os carrinhos de comida e bebida. O enterro aconteceu em Godere.
Ovie ficou tão furioso ao descobrir, que bateu com a palma da mão com força na parede: - Droga! Não posso crer que eles tenham tirado o corpo do meu pai tão facilmente.
Um amigo pegou no seu ombro com firmeza: - A força dos rapazes era mais poderosa, Ovie, deixe estar. Que a alma do seu pai descanse em paz. Você já perturbou muito o corpo dele. Acho que deveríamos ir à aldeia pedir desculpas.
Ovie afastou a mão dele para o lado.
- Dave, você se preocupa com coisas muito pequenas. Meu pai ainda não foi enterrado. Eles não ousariam.
- Você estava surdo quando o tio Mamus disse que assistiu o sepultamento? Você estava cego quando ele nos mostrou fotografias da cerimônia? Ovie, entenda uma coisa de uma vez por todas: eles colocaram seu pai debaixo da terra. Acabou.
- Não, não acabou. Temos de exumar o corpo e enterrá-lo no devido lugar.
- Acho que você enlouqueceu; está muito quente aqui...
Dave foi ao bar e se serviu de um copo de suco com cubos de gelo.
- Não estou. Mas vou ficar. Vou ficar maluco se não fizermos o que é certo para o meu pai.
- Esqueça, Ovie. Seu pai está descansando tranquilamente em Godere. Nós devemos nos desculpar.
- Vamos pegar o seu corpo. Por favor, diga que concorda, Dave, temos de fazer isso. Você prometeu que me apoiaria.
- Bem, acho que cheguei ao limite dessa promessa altruísta que fiz. Por favor, me exclua dessa tarefa - disse Dave, tomando um gole d´água e se afastando.
- Pode pegar o primeiro voo de volta pra cidade, se quiser - retrucou Ovie - eu mesmo farei isso. Dave ergueu uma sobrancelha.
A mãe de Ovie entrou.
- Você não vai fazer isso. Filho, o que houve? Foi assim que seu pai e eu o educamos? Pelo amor de Deus, o que está acontecendo com você? Pare com essa tolice, por favor.
Ovie, com o dedo em riste para a mãe, afirmou:
- A senhora é uma traidora por ter ido a Godere para o enterro. Fique fora disso, mãe. Não se intrometa nos meus assuntos.
- Você está delirando. É do meu falecido marido que estamos tratando. Não ficarei em silêncio vendo você desrespeitar o seu pai. Deixe-o descansar em paz. O que há de tão especial para você querer enterrá-lo aqui? Você honrará o pedido de seu pai, pois seu último desejo era descansar em Godere, apesar de você insistir no contrário.
- Todos devem acatar a minha decisão ou não hesitarei em acabar com quem quer que se me meta no meu caminho.
Sua mãe se aproximou e parou bem perto dele. Seus rostos estavam a poucos centímetros um do outro.
- Onde você estava quando a juventude de Godere demonstrou todo o seu esplendor, covarde?
- Mãe, não me insulte dessa maneira. Não se atreva.
Mamus chegou: - Ovie, não fale com a sua mãe dessa maneira.
A voz dela ficou mais suave: - Se acalme, meu filho. Ele respeitava as tradições e o seu clã fez todo o rito de sepultamento de acordo com as crenças dele. Você deveria se desculpar com os nossos parentes. Eles concederão a você a honra de finalizar o ritual.
- Só se for sobre o meu cadáver. Enterrarei o meu pai do jeito que eu quiser.
- Ovie, você fala como um louco! - ela gritou.
- Ah, cale a boca, mãe.
- Ovie, olhe como fala!
Seu tio deu-lhe uma bofetada. – Ela é minha irmã, sua mãe e viúva do seu pai.
A força do tapa fez girar o rosto de Ovie. Levou um tempo até que ele voltasse a olhar para o tio. Tensionando os ombros, disse:
- Tio, o senhor me esbofeteou? - Perguntou, incrédulo.
- Sim, e pode acreditar que farei isso inúmeras vezes se você desrespeitar a sua mãe novamente. Aturei as suas maluquices até agora porque é meu sobrinho, mas chega. Pensei que estivesse frustrado porque havia perdido o seu pai. Estava olhando pra você como se fosse uma criança birrenta, mas... Ovie, esqueci que você não é mais uma criança. Fiz papel de bobo esse tempo todo o apoiando e não consegui convencê-lo sobre os costumes do povo do seu pai.
Ovie sacudiu a cabeça, inclinou-se, reverente, para a mãe e saiu.
Dave não conseguia olhar para a mãe de Ovie. Entrou na sala e voltou com a sua maleta: - Por favor, me perdoe, mãezinha. Irei imediatamente para a cidade. - E pegou um ônibus comercial após deixar a casa.
Em Godere, à meia noite, Ovie reuniu alguns homens para tirar seu pai do caixão e enterrá-lo em Apele.
O choro triste de um homem adulto começou a ser ouvido na aldeia, dia após dia, o que fez com que os vizinhos perdessem o sono. Pediram, então, a Ovie e sua família que viessem à casa deles para descobrir o mistério.
- O oráculo foi claro: ele mostrou que o espírito de seu pai está inquieto onde foi enterrado – explicou Mamus.
- Eu avisei. Eu disse que meu pai não deveria ter sido enterrado na aldeia – Ovie enfaticamente salientou.
- Cale-se! O espírito de seu pai não está inquieto em Godere. Alguém removeu o seu corpo da cova. Escute, o espírito de seu pai deseja retornar às raízes. Alguém substituiu o corpo por outro, o de um estranho. A alma dele está chorando em Godere. Ele pediu que, seja lá quem tenha exumado o cadáver, o trouxesse de volta para o devido lugar.
A mãe de Ovie se voltou para ele, desconfiada: - Ovie, onde você colocou o corpo?
- Não sei. A senhora deveria perguntar aos seus parentes. Pergunte se eles tiraram o corpo do cemitério e o enterraram em Godere ou se fizeram alguma outra coisa com o corpo do seu marido.
A mãe o esbofeteou. – Ovie, diga o que você fez com o corpo de seu pai!
- Já disse que não sei. Vocês querem que eu conte uma mentira? – Ovie gritou.
Outra estrondosa bofetada de sua mãe estourou no rosto de Ovie: - Diga onde está o meu marido, seu idiota! Se você não me disser em um segundo, eu amaldiçoo você aqui e agora!
Diante da ameaça, Ovie correu na direção do corredor. A família o seguiu. Ovie havia enterrado seu pai em um dos quartos de hóspedes.
- Isso é abominável. Ovie, o que você fez com o seu pai? – Mamus perguntou, com tristeza.
Sua mãe cobriu a boca, em estado de choque: - Eu estava certa. Você ficou maluco – constatou.
- Eu só queria enterrar meu pai do meu jeito. Essa é a casa dele, não é? Não faz parte da tradição enterrar as pessoas em suas casas?
Ovie se deixou cair no chão e chorou. – Eu tenho o direito de enterrar o meu pai do jeito que quiser.
A viúva pediu a alguns jovens que levassem o corpo de volta a Godere. Ovie teve de pagar uma multa, como penalidade por seu ato. Os habitantes da aldeia acabaram perdoando o rapaz e permitiram que ele realizasse os ritos finais da cerimônia de sepultamento.
Конец ознакомительного фрагмента.
Текст предоставлен ООО «ЛитРес».
Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию на ЛитРес.
Безопасно оплатить книгу можно банковской картой Visa, MasterCard, Maestro, со счета мобильного телефона, с платежного терминала, в салоне МТС или Связной, через PayPal, WebMoney, Яндекс.Деньги, QIWI Кошелек, бонусными картами или другим удобным Вам способом.