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Herança Perdida
Tive que ficar na fila da receção até que uma bibliotecária de cabelos louros e fato azul-marinho me mostrasse onde poderia começar a procurar.
— Temos três tipos de inventários — explicou ela, erguendo os seus preciosos olhos acima de uns minúsculos óculos redondos — :topográficos, cronológicos e por assunto.
— Estou à procura dos diários de exploração dos últimos cinquenta anos.
A funcionária suspirou.
— Inicie a sua pesquisa por «Assuntos». Depois pode fazer um estudo cartográfico e, por fim, expandi-lo cronologicamente.
— Isso significa que posso encontrar informações em todos os três inventários?
Ela assentiu com um meio sorriso.
Ouvindo isto, cobri o rosto com as mãos.
Fui ao segundo andar e, após passar por vários corredores cheios de estantes, encontrei uma secção com vários manuscritos.
Pedi a documentação ao responsável e este foi depositando sobre a mesa uma montanha de arquivos que ultrapassava a minha altura.
— É tudo por hoje? — Perguntou.
— Espero que sim, — respondi resignado.
— Se não terminar, temos prateleiras na receção onde os investigadores guardam as informações para o dia seguinte.
— Muito obrigado. Foi muito gentil.
Liguei o pequeno candeeiro verde que cada mesa tem e abri a primeira pasta, como faria nos dias seguintes.
Depois de alguns dias de pesquisa, comecei a arrepender-me da minha proposta, aquele assunto não ia ser nada fácil. As informações eram infinitas, levaria anos para estudá-las em detalhes. Encontrei desde exploradores que descobriram os lugares mais remotos da África e da Ásia, até arqueólogos que desenterraram o legado histórico do Oriente.
A meio da manhã, enquanto folheava algumas páginas, vi como um tipo não parava de olhar para mim algumas mesas à frente. Não sabia se o conhecia de algum lugar ou se ele estava à minha procura por algum motivo. Procurei lembrar-me e não devia dinheiro a ninguém. Um momento depois, olhei novamente e ele já não estava mais lá.
Depois do almoço, vasculhei as estantes da Biblioteca. Senti-me verdadeiramente privilegiado enquanto corria os meus dedos por aqueles volumes com tantos séculos de história: o diário pessoal de Stanley na sua odisseia pela África para encontrar as nascentes do Nilo e o seu subsequente encontro com Livingstone. As dificuldades pelas quais os exploradores árticos liderados por Shackelton passaram quando o seu navio ficou preso no gelo por meses e eles quase perderam a vida; a corrida para conquistar o Polo Sul entre Amundsen e Scott, na qual ele tragicamente acabou a perder a sua vida e as várias descobertas arqueológicas dos nossos mais aclamados exploradores.
Esta investigação não me levava a lado nenhum e eu precisava mudar isso.
— Com licença, menina, você disse-me que além da documentação escrita também é possível consultar os mapas.
— Não temos apenas mapas, também temos jornais e fotografias.
O meu rosto empalideceu como no primeiro dia; esta rapariga era uma fonte inesgotável de boas notícias.
Desta vez, tive que descer para o porão. Lá, estudei diversos mapas e jornais do século XIX. Embora as suas leituras fossem interessantes, a maior parte das informações já era conhecida do público em geral. O meu trabalho era descobrir algo novo e em quatro dias eu havia encontrado apenas algumas histórias que valessem a pena descrever.
Estava absorto em jornais que ainda cheiravam fortemente a tinta quando taparam os meus olhos e a tinta deu lugar a um perfume agradável.
— Adriana! — Exclamei não convencido.
— Agora és bruxo ou quê? — Ela perguntou, sorrindo.
Adriana era uma siciliana de olhos verdes intensos, sorriso fácil e a melhor dançarina que já conheci. Emigrara com os pais quando era criança.
— O que te traz cá? — Ela perguntou, sentando-se à minha frente.
— Sabes como é. No jornal, um dia estás no Parlamento e no outro à procura de informações numa biblioteca.
— Que inveja. Passo o dia todo no cabeleireiro.
Balancei a cabeça com um sorriso.
— Vais ao salão este sábado?
— Claro. Estou muito contente com a minha professora.
— Conheço-a?
— Agora que penso nisso, ela parece-se muito contigo.
Ela riu e da mesa ao lado começaram a olhar para nós.
— Vou deixar-te trabalhar. Esta noite vou ver o último filme da Gloria Swanson, alinhas?
— Impossível. Estou cheio de trabalho. Vemo-nos no sábado.
Ela deu-me um beijo na bochecha e foi embora a sorrir.
Depois de um tempo, descobri entre as prateleiras o tipo que me observava três dias antes. Sem pensar duas vezes, levantei-me e fui pedir-lhe uma explicação, mas quando cheguei não havia ninguém lá. Passei por alguns corredores e não o encontrei, parecia que a terra o havia engolido; isto começava a cheirar mal.
Rumores chegaram até mim na sexta-feira de que o meu chefe não estava satisfeito com o meu trabalho. Repeti ad nauseam que ele precisava de mais ajudantes de pesquisa, mas ele não levou o meu conselho a sério.
Todo o trabalho recaiu sobre mim. O mais frustrante é que, se a publicação fosse um sucesso, todo o crédito iria para o jornal e o seu editor. Para mim, haveria apenas uma pequena resenha no final de cada artigo com o nome impresso, mas se fosse um fracasso o único culpado seria eu.
Após uma semana de investigação, o Sr. Dillan mandou chamar-me. Quando cheguei à sua porta, notei que as vidraças do seu escritório haviam sido alteradas e o seu nome podia ser lido numa enorme placa.
— O que me trazes hoje? — Ele perguntou cético. Eu sabia pelos meus colegas que não havia encontrado nada de novo. — Encontraste algo que possa ser publicado?
Tirei a gabardina e o chapéu e coloquei no cabide ao lado do porta-guarda-chuvas. De seguida, sentei-me numa cadeira de carvalho gasta.
— Tenho algumas histórias de exploradores africanos que descobriram pequenos rios na costa oeste.
O escocês abanou a cabeça repetidamente.
Foi até ao rádio e desligou um discurso enfadonho do primeiro-ministro.
— Adicionando um pouco de aventura e embelezando um pouco o artigo, poderíamos publicá-lo.
— E só me trazes isso depois de uma semana? — Ele respondeu, olhando para mim. — Não foste ao pub com aquela morena?
Abanei a cabeça.
— Passo o dia todo a trabalhar no museu, — respondi. — A italiana é uma boa amiga que me ensina a dançar charleston.
— Aquela dança americana descarada?
— É divertido, — eu disse, sorrindo. — Deveria experimentar.
O Sr. Dillan olhou para mim com cara de poucos amigos e eu olhei para baixo.
— Recebi permissão da Sociedade Geográfica para investigarmos nas suas instalações, — anunciou, entregando-me o documento. — A partir de amanhã vais trabalhar lá.
— Ótimas notícias, senhor.
— Espero que tragas notícias melhores da próxima vez. Agora sai daqui. Estou cheio de trabalho.
Dei a volta à almofada algumas vezes, levantei-me e fiz um café forte. Naquela manhã, senti-me revigorado. Foi o meu primeiro dia na biblioteca da Real Sociedade Geográfica Britânica, a mais alta autoridade nestes assuntos. Lá era apenas permitido investigar a pessoas muito influentes no campo das universidades de Oxford e Cambridge. Felizmente, o Sr. Dillan era sobrinho de um dos patrocinadores mais influentes da instituição e obtivemos uma licença para investigar por duas semanas.
A biblioteca da Sociedade era menor que a do Museu Britânico, mas continha verdadeiros tesouros. Nos primeiros dias a investigação continuou na mesma linha da semana anterior. Todos eram nomes familiares de exploradores famosos que escreveram páginas gloriosas da história do Império Britânico.
A minha surpresa veio quando menos esperava: revia expedições ao Médio Oriente quando descobri um nome que se repetia tanto nas descobertas da Mesopotâmia quanto do Egito: o seu sobrenome era Henson.
O que chama a atenção no caso é que só apareceu em documentos anexados ao original, nunca no diário oficial da expedição, o que me chamou especialmente a atenção. Continuei a investigação por dois dias sem encontrar o seu nome em mais nenhuma exploração; não sabia se o motivo era a sua morte ou o desaparecimento em algum deles.
O meu interesse continuou a crescer num caso tão incomum e decidi concentrar-me nele.
Fiz uma pesquisa detalhada, primeiro em ordem alfabética por índice do navegador e depois em ordem cronológica por data, mas nada permaneceu lá.
Decidi tentar um novo caminho e perguntei ao gerenciador de arquivos se ele conhecia esse Henson. Infelizmente, ele estava no cargo há apenas alguns anos e nunca na vida ouvira falar dele.
Depois de almoçar um rodo de carne com legumes, voltei à redação e perguntei aos colegas que já estavam há mais tempo no jornal se o nome lhes era conhecido. Ninguém ouvira falar dele.
Naquela tarde, voltei à Biblioteca da Sociedade Geográfica e continuei a procurar por horas. Novamente procurei pelo índice de exploradores, depois fui aos diários pessoais que existiam de alguns exploradores e, por fim, fiz uma busca pelo índice topográfico.
Foi neste último índice que voltei a encontrar o seu nome, mas desta vez associado a uma expedição à América do Sul. Isto era ainda mais improvável, pois poucos exploradores britânicos jamais se aventuraram nestas terras remotas.
O incomum é que o encontrei novamente num documento anexo; não apareceu no registo da expedição.
Ele agora tinha três referências: duas no Médio Oriente e uma no continente americano, mas as informações ainda eram insuficientes.
Passei o dia todo a tentar encontrar algo novo, mas esse Henson havia sido engolido pela terra.
Começava a ficar desmoralizado com o assunto: os leitores do nosso jornal deviam contentar-se com alguma pequena descoberta no continente africano que fosse minimamente interessante depois de ser adornada por um bom editor.
Saí naquela tarde pela porta do edifício com a cabeça baixa. Uma forte chuva caía do lado de fora e abri o guarda-chuva. Várias poças se formaram e o poste de luz em frente ao prédio não parava de piscar.
O porteiro com quem eu fizera amizade aproximou-se de mim.
— Como correu a investigação? — Ele perguntou enquanto gotas de chuva caíam no guarda-chuva.
— Mal. Não consigo encontrar nada de notável no tal Henson.
— Ontem cruzei-me com o antigo porteiro da Sociedade Geográfica. Lembre-se de que, há anos atrás, havia um Henson na Sociedade Geográfica.
— Claro! Como não pensei nisso antes? Eu deveria ter perguntado entre os ex-funcionários.
Samuel foi até ao poste, bateu algumas vezes na base e corrigiu o problema. Em dias chuvosos, os apagões eram frequentes.
— Quanto tempo falta para fechar?
— Meia hora. Às sextas-feiras fechamos mais cedo.
— Eu preciso encontrar alguma coisa para continuar a investigação.
Corri escada acima e procurei nos volumes anteriores à data que havia pesquisado. A atividade mais fecunda da Sociedade Geográfica começou em 1850, data a partir da qual comecei as minhas pesquisas. Mas foi fundada em 1830, o que significava que havia vinte anos que eu não tinha visto.
Pude constatar que os volumes desse período nada tinham a ver com os que havia estudado anteriormente: nos primeiros anos a atividade de exploração era menor.
Decidi começar pela fundação da Sociedade Geográfica e tudo aconteceu mais rápido do que esperava. Nas primeiras páginas encontrei o seu nome: o seu nome era Philip Henson e havia sido um dos cofundadores da Sociedade Geográfica; veio do norte da Inglaterra, mais especificamente da cidade de Newcastle.
Depois de um tempo, Samuel veio avisar-me sobre o horário de encerramento. Apreciei muito a sua informação, porque sem ele não teria sido possível continuar. Agora eu tinha algo sólido em que me apoiar e poderia ganhar tempo para investigar mais a fundo.
Passei os dias seguintes na biblioteca a estudar as origens desse Henson, que era de uma família rica da indústria do carvão do norte da Inglaterra.
Ele havia servido na Índia no destacamento de Janipur, onde conheceu a sua esposa Maureen, cuja família também servia lá. Após retornar à Inglaterra, ele continuou com o negócio de mineração familiar e dedicou o seu pouco tempo livre à sua grande paixão: a Geografia. Manteve contacto com os seus colegas universitários, que o convenceram a ingressar na recém-criada Sociedade Geográfica.
Mas tornou-se um parceiro simbólico devido à sua dedicação ao negócio e só comparecia às reuniões do Conselho quando o tempo permitia. Ele tinha voz e voto nelas, mas não participou de nenhuma expedição organizada em território britânico. Só quando se mudou para o norte da Espanha é que fundou uma Sociedade Geográfica na Península Ibérica e participou de uma expedição.
Isto não fazia sentido, já que ele havia encontrado o seu nome em três expedições, mas a sua biografia apenas falava de comparecer às reuniões do Conselho.
Saí da biblioteca e fui procurar o Samuel, que verificava o registo de visitantes.
— Preciso do endereço do antigo porteiro. Gostaria de fazer-lhe uma visita esta tarde.
— Não será necessário. O Sr. Mason passa o dia todo no Dois Cisnes. Um pub ao final da Kensington Road.
Não pensei nisso por um momento e decidi ir ao bar conversar com Mason. De passagem, aproveitaria para comer um bom guisado.
Era um estabelecimento subterrâneo com uma fachada preta antiquada.
Ao entrar, descobri que ele estava bastante animado apesar das horas do dia. Lá eles destilavam um gin que derrubaria um cavalo. À medida que me aproximava do bar, o cheiro era mais intenso.
— Conhece o Sr. Mason? — Perguntei ao garçon.
— Ei, amigo! Está a perguntar pelo Mason? — Gritou um sujeito alto e magro com sobrancelhas profundas sentado numa mesa perto do bar.
— É você? — Perguntei.
— Depende de quem quer saber. Quem me pagar uma caneca de cerveja é bem-vindo.
Virei a cabeça e pedi ao garçon que nos servisse duas canecas.
O empregado acenou com a cabeça com um sorriso. Da cozinha vinha o aroma de um ensopado fresco. Eu estava com fome. Peguei nas cervejas e sentei-me à mesa.
— O meu nome é Paul e sou correspondente do Daily Tel...
— Eu sei quem você é — ele interrompeu.
Ele tomou um grande gole da cerveja e colocou-a sobre a mesa.
— Só me lembro de um Henson. Via-o uma vez por ano.
— Porque não compareceu às reuniões? — Perguntei. — Pelo que sei, você foi um dos cofundadores.
— É muito simples. A empresa mineira para a qual trabalhava transferiu-o para o norte da Espanha. Ele só ia para a Sociedade Geográfica quando estava de férias.
Numa mesa próxima, houve uma grande comoção num jogo de bridge. Um pouco mais adiante podia-se ouvir o som incessante de dardos a acertar o alvo.
— Sabe de mais alguma coisa?
Mason abanou a cabeça.
— Muito obrigado. Tenho trabalho a fazer — apertei a sua mão e voltei para a biblioteca.
Eu estava num beco sem saída. A vida de Philip Henson não era interessante. Depois de uma semana de pesquisa, não tinha nada decente para publicar.
Perguntei ao meu chefe se seria possível uma entrevista com o seu tio, pois ele era a única pessoa que o conhecia. Ele disse-me que era impossível, pois tinha cerca de noventa anos, estava com a saúde debilitada e havia perdido a memória; as visitas eram totalmente proibidas.
Ainda faltava uma semana de pesquisa, mas não sabia onde continuar a procurar. A única pista que tinha era que a sua família era de Newcastle e que ele fazia parte da empresa mineira Fundições em escala norte.
Depois do chá, fui para a sede da fundação mineira em Londres. Era um prédio às margens do Tâmisa, de onde havia excelentes vistas do Big Ben.
Lá fui recebido num elegante escritório da era vitoriana pelo Sr. Harris, um contabilista azedo com olheiras profundas. A sala estava cheia de fotos de indústrias de mineração e alguns vasos de porcelana.
— Entre e sente-se, — disse ele educadamente. — Em que posso ajudá-lo?
Tirei o chapéu e o cachecol e sentei-me. Estava um vento forte naquele dia.
— Procuro informações sobre um membro sénior da sua empresa, o Sr. Philip Henson.
— Receio não ter tido o prazer de conhecê-lo. O Sr. Henson faleceu há vários anos.
Sobre a mesa estava um capacete de mineiro reluzente e um enorme pedaço de carvão dentro de uma urna. Fingi tocá-la, mas desisti quando vi que o tipo estava carrancudo a olhar para mim.
— Poderia dizer-me algo sobre ele?
— Tudo o que sei é que a família dele veio do condado de Melvintone, nos arredores de Newcastle.
Abriram a porta e a sua secretária disse-lhe que esperavam por ele.
— A sua esposa vive lá?
— Eu não sei de mais nada.
— Muito obrigado, Sr. Harris. Foi muito gentil.
Despedi-me com um aperto de mão e saí do escritório.
Ao sair dos escritórios, vi ao final da rua a paragem do elétrico que me levaria de volta para casa. Quando os passageiros entraram na carruagem, tive a impressão de distinguir o mesmo tipo que me observava no Museu.
Sem pensar duas vezes, corri até à paragem; alguns transeuntes repreenderam-me quando os afastei. A distância parecia curta, mas, à medida que avançava, senti-me sufocado; estava a envelhecer sem perceber.
Consegui agarrar-me ao parapeito traseiro da carruagem assim que o elétrico começou a andar. Entrei exausto, abaixei-me e comecei a tossir tanto que quase vomitei.
Uma pequena comoção surgiu ao meu redor, levantei a cabeça e vi o tipo a sair pela outra porta quando se apercebeu da minha presença. Não tive forças para voltar a segui-lo.
Antes do sol nascer, dirigi-me à estação Victoria e comprei um bilhete de comboio para Newcastle. Era a minha última opção e não iria desperdiçá-la.
A viagem parecia curta. Fora apenas quatro horas de viagem nas quais foi possível contemplar as grandes cores que as paisagens do campo inglês ofereceram durante a primavera.
Newcastle é uma cidade cinzenta, com casas baixas, onde as pessoas são um tanto taciturnas e não recebem bem os estrangeiros. Felizmente, eu não estava ali de férias e passaria apenas um ou dois dias no máximo.
Naquela manhã, aluguei um carro e saí da cidade. As paisagens eram como Emily Brontë as retratava nos seus romances: charnecas enevoadas com vegetação esparsa, pântanos fedorentos abundantes e pequenas colinas erodidas pelo vento forte e pelo frio ao longo do ano. Tudo isso acompanhado de uma chuva incessante ainda mais intensa que no resto do país.
Passei a noite na pensão da cidade mais próxima da aldeia dos Henson. O jantar estava delicioso e o dono mostrou-me o caminho que eu deveria seguir para chegar à sua terra.
Os Henson viviam num rancho com vários quilómetros de extensão a uma curta distância de onde me havia hospedado: uma formidável mansão de dois andares construída no século XVIII em granito escuro com grandes vinhas a subir até às suas amplas janelas. Na margem direita, avistava-se um pequeno pântano rodeado por bétulas onde vários pares de cisnes brancos nadavam majestosamente.
O mordomo fez-me esperar muito tempo na porta, depois fez um sinal para que eu o seguisse até aos fundos da mansão; havia uma velha a cuidar de umas roseiras esplêndidas.
Era a sua irmã, Emma Henson, uma velha com cabelos grisalhos e um largo sorriso, que usava um elegante vestido branco.
— Prazer em conhecê-lo — ela tirou a sua luva de jardinagem e apertou a minha mão.
— Igualmente.
— Fui informada de que você veio de Londres à procura do meu irmão.
— Isso mesmo. Sou correspondente do Daily Telegraph. Estamos a fazer uma série de relatos sobre a Sociedade Geográfica.
A Sra. Henson gesticulou para o mordomo e em poucos minutos foi-nos servido chá com uma fatia de torta de framboesa.
— Sabemos que o seu irmão foi um dos cofundadores da Sociedade Geográfica e que depois partiu para a Espanha.
— Lá ele fundou uma filial da Sociedade Geográfica de Londres. Era comum naqueles anos que muitos geógrafos colocados em outros países fundassem novas associações como a original.
Do outro lado do jardim, ouvia-se o som das pinças do jardineiro a podar uma bela cerca viva.
— Poderia dizer-me quais expedições foram realizadas pela Sociedade Espanhola?
Ela negou com a cabeça.
— E as expedições para a América do Sul e Médio Oriente?
— Não estou ciente de tais expedições. É a primeira notícia que tenho.
Os insetos começaram a pairar sobre a nossa mesa atraídos pelo cheiro dos bolos e a Sra. Henson rapidamente os enxotou.
— Poderia falar com a sua cunhada? Talvez ela tenha mais informações.
— A esposa do Philip faleceu há muito tempo. Ela esteve doente durante a maior parte da sua vida, mal conseguiu passar tempo com o marido.
Coloquei um pedaço de bolo na boca e cheirei o chá de jasmim. Decidi aproveitar o lanche, pois aquela conversa não me levava a lugar nenhum e era cada vez mais difícil ter algo claro sobre o assunto.
Naquele momento, vi como Emma sorria.
— Acha que há um erro nos dados da Sociedade Geográfica?
— Mais do que nos dados, talvez tenha na pessoa, — respondeu. — De certeza que está à procura do Henson certo?
—Não estou a entender.
— Talvez esteja à procura do James.
— Quem é o James?
— O James é o filho do Philip. Desde muito jovem sentiu uma paixão pela História e Geografia. Viveu na Espanha por uma temporada quando era adolescente e mais tarde voltou a estudar arqueologia na Universidade de Oxford. Ele tinha um grande espírito aventureiro.
Um grande sorriso se espalhou pelo meu rosto. Agora entendia tudo. Os dados que encontrei foram de expedições da primeira década do século XX.
— As datas que encontrei coincidem com a idade do filho de que me fala. Não conseguia encontrar nenhuma conexão entre Philip e as informações das últimas semanas.
Ela riu de satisfação.
— E diga-me: onde posso encontrá-lo?
— Não tenho notícias do rapaz desde que ele foi para a faculdade. Perdemos o contacto com ele durante anos. A última notícia que tivemos é que ele ficou ferido na Grande Guerra.
— Poderia descrever-me como ele era?
— Era um miúdo moreno com olhos azuis tão intensos quanto os do seu pai. Alto e bonito, com feições angulosas — ela parou por um momento; ficou emocionada ao lembrar-se do sobrinho. — Ele sempre foi um menino brilhante e inteligente.
— Muito obrigado, Lady Emma. É uma grande ajuda. Tenho que apanhar o primeiro comboio de volta para Londres.
Na viagem de volta não parei de pensar no assunto. Isto finalmente começava a tomar forma, com certeza o meu chefe agora concordaria em financiar a pesquisa.
Fui ao escritório do Sr. Dillan e contei-lhe a história. Ele achou surpreendente o curso dos acontecimentos e disse que levasse todo o tempo que precisasse para resolver o mistério.
Sem perder tempo, parti para Oxford, que ficava a apenas uma curta caminhada de Londres.
Ao contrário de Newcastle, esta área do interior da Inglaterra era dominada por uma cor verde intensa. Ela estendia-se por quilómetros intermináveis, atravessados por uma infinidade de canais de rios construídos durante a revolução industrial em diferentes partes do país.
As suas casas centenárias eram verdadeiras joias arquitetónicas. Foi um prazer perder-me nas suas ruas e respirar aquele clima universitário por onde passara estudantes de todo o mundo.
Cheguei na hora do almoço e comi umas sandes e uma caneca de cerveja num bar movimentado no centro da cidade.
A Universidade era composta por um conjunto de edifícios de estilo gótico, com grandes janelas que inundavam o seu interior com claridade. Ao cruzar o jardim do campus, encontrei à minha direita vários grupos de alunos a conversar sob a sombra de uma árvore, à minha esquerda estava uma equipa a jogar râguebi numa ampla campina e, no final do caminho, vários atletas carregavam nos ombros algumas canoas.