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No Olho Do Furacão
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No Olho Do Furacão

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O corredor era estreito, e o homem tomava a maior parte do espaço. O quarto dela era perto da proa do convés superior, e a vontade de fugir começou a ter certo apelo. Um homem nunca a olhara com tanta fome antes, e ela não sabia como agir como se não tivesse notado. Com certeza não iria encorajá-lo e fazer com que ele esperasse por algo que ela não estava disposta a dar. Bem, estar disposta não era bem a questão. Na verdade, a questão era a ação. O que a deixava com nenhuma outra opção que não fosse recuar. Era mais seguro. Nada de passar vergonha ou de ter conversas embaraçosas.

Conhecer pessoas novas sempre foi difícil para ela, especialmente quando essas pessoas eram homens. Todas as coisas engraçadas que ela diria em uma conversa normal não aconteceriam até que ela repassasse toda a conversa em sua mente mais tarde. Assim que as conhecia por mais tempo, as coisas ficavam mais fáceis, mas ela era péssima em flertar e sequer podia fazer contato visual por muito tempo, a menos que estivesse louca da vida. A raiva lhe dava mais coragem do que normalmente possuía. Uma bênção e uma maldição, a depender da circunstância.

– Rapariga – disse o capitão Morgan, dando um olhar corajoso e persistente demais para o seu peito —, eu morri e fui para um veleiro de devassidão como recompensa? Essa é a vida após a morte?

Serena cuspiu marimbondo. Ele está usando falas de pirata? Sério? Além do mais, ele estava dando mole para ela? De todos as respostas em que pôde pensar, o melhor que veio a sua mente foi:

– Você me chamou de rapariga? – Quando ele se limitou a piscar como resposta, ela suspirou, fazendo o possível com o que tinha, por pior que fosse. – É claro que chamou. – Movimentando a mão para fazer xô para ele, ela adicionou – Vá fazer suas devassidões em outro lugar. Eu estou indo para a cama. Tente se resolver antes de voltar lá para aquela multidão. Boa noite.

Ela deu as costas para ele e deu no pé, talvez um pouco rápido demais. Becky Ann ficaria de cara com o que ela fez. Quando Serena dissesse a ela que o ator pirata meio que deu em cima dela e ela fugiu intocada, a amiga lhe daria um sacode. Ela sabia que Serena era um horror na arte da pegação, mas ela não a teria deixado fugir como uma corça assustada.

Na verdade, provavelmente foi um presente do céu Becky Ann ter ficado doente porque ela os teria trancado no armário de limpeza até se convencer de que eles tinham feito vários dribles e marcado ao menos um gol. A melhor amiga era extremamente à vontade com a sexualidade. E no que dizia respeito ao seu método de formar casais, era à vontade demais. Era exaustivo se esquivar das ideias da amiga sobre diversão quando ela, com um drinque na mão e um sorriso maligno nos lábios, mandava Serena passear.

Enquanto enfiava a mão no bolso procurando pelo cartão, ela olhou para trás e soltou um gritinho. O capitão Morgan a seguira e esperava a alguns metros de distância com um brilho quase que ansioso nos olhos. Ele ergueu uma sobrancelha dourada e cruzou os braços quando ela não conseguiu destrancar a porta.

– Abra a porta da cabine, rapariga. Estou cansado, mas tenho estamina o bastante para cuidar de você primeiro.

O significado das palavras dele foi como um soco no estômago, liberando todo o frio que estava lá dentro. Tudo aquilo fez as suas partes entrarem em alerta máximo: preparando, esperando, ansiando. Ah, merda. Ela fodeu com tudo.

– Mas que diabos? – aquilo era ela, fodendo com as coisas. – Você não vai entrar. Esse é o meu quarto. Vá procurar o seu. – Ele estava sendo assustador, não estava? Então por que a respiração dela ficou profunda, quase como se ela estivesse pensando em permitir que ele entrasse no quarto?

Aquilo jamais aconteceria. Não poderia seduzir um homem nem se tentasse. Faltava confiança, ela se sentiria boba… e muito, muito ansiosa.

O pirata balançou a cabeça.

– Eu vou ficar com você até aportarmos. Talvez você possa resolver o mistério desse… navio. – Ele fez um gesto abrangendo o ambiente.

Aquilo era de verdade?

– Hum, que tal… não. – Mistério? Que mistério? Sua mente e o seu corpo a puxavam para direções opostas. Ao menos sua mente tinha bom senso, e estava dizendo para ela se fechar no quarto e trancar a porta. Esse homem é perigoso, mas não por ele ser um pirata falsificado. Estava atraída por ele, e ela não iria se envolver com ninguém naquele cruzeiro, não importa o que Becky Ann dissesse.

O pirata pareceu pensar naquilo, coçou a barba no queixo, mostrando os múltiplos anéis de prata que brilhavam à luz. Ambas as orelhas tinham argolinhas de ouro. Nunca tinha sido do tipo que tinha uma quedinha por homens com piercing, mas eles caíam bem nele.

– Eu gosto da perseguição, amor. Posso esperar a noite toda. – O sorriso espertalhão implicava que ele estava bem ciente de que ela o desejava. Uma pena, para ele, que aquilo não tinha a mínimo de importância.

– Não estou brincando de nada. – A voz dela tinha soado tão rouca para ele quanto soou aos seus ouvidos?

Ele invadiu o seu espaço pessoal, colocando a mão sobre a porta e enjaulando-a com o corpo. Serena prendeu a respiração e ele ergueu a outra mão para afastar o cabelo do seu rosto com carícias suaves. Ela tremeu quando ele murmurou:

– Você está. – As mãos dele eram grandes, calejadas e quentes. Como seria a sensação delas sobre o seu corpo nu?

Não, não iria pensar naquilo.

O cheiro de mar, suor, rum temperado e alguma coisa que não reconheceu tomou os seus sentidos, e ela quase podia acreditar que ele tinha saído de um navio pirata para tomar tudo e qualquer coisa que ele quisesse… dela. Ela franziu o nariz.

– Que cheiro é esse?

Surpreso, o capitão Morgan recuou e levou a lapela do casaco marrom escuro ao nariz e deu uma fungada.

– Pólvora.

Imagens dele atirando, com a pistola que estava enfiada no cinto da espada, em piratas vis penetraram em seus pensamentos. Canhões retumbando, madeira quebrando. Pancadas de água enquanto corpos caíam sobre as laterais de um navio alto ostentando o sinistro Jolly Roger preto na bandeira. Coisas que não acharia atrativas, mas que de alguma forma, achava. Filmes demais.

– Certo. Eu não ouvi pistolas disparando. Só os fogos de artifício. Podemos deixar a encenação de pirata de lado, capitão Morgan? Você pode sair do personagem quando estiver perto de mim. Não vou contar para o seu chefe. – Talvez ele fosse ter problemas caso saísse do personagem assim como acontece nos parques temáticos.

O pirata franziu o cenho, toda a provocação tinha sumido de seus traços.

– Eu me chamo Christophe Jones, e eu não sou capitão. Não houve explosões porque o seu veleiro não estava por perto quando o meu afundou sob o ataque. – Christophe cruzou os braços novamente e murmurou – Nem tenho certeza de como vim parar a bordo desse… – Ele olhou em volta, desconfiado. – … mamute. – De certa forma, ele parecia um pouco aflito. Por causa do tamanho do navio?

A tripulação o trouxe a bordo e o colocou para trabalhar como pirata para pagar a passagem dele depois de ele ter sobrevivido a um naufrágio? Aquilo era absurdo. Ela deveria ligar para o sindicato dos trabalhadores quando aportassem.

– Sinto muito pelo acontecido – respondeu Serena, sem saber o que mais dizer sobre os comentários estranhos. – Mas eu ainda não vou deixar que você entre no meu quarto.

Cristophe, mais uma vez, deu um sorriso pretencioso, colocando mãos possessivas em seus quadris e puxando-a para perto. Apesar do seu desconforto por ser objeto da atenção dele, o desejo se acendeu por todo o seu corpo. Essa onda de excitação e luxúria era paixão? Tivera intimidade com os namorados no passado, mas de alguma forma aquilo era diferente. Por que ele estava vestido como um pirata? Não, nunca curtiu muito desse negócio de faz de conta. Não conseguia apontar o que o fazia ser tão… interessante.

– Eu vou fazer valer a pena. – Ele levou uma mão à algibeira presa ao cinto e tirou de lá duas moedas com caras de velha. – Pago adiantado.

Seu cérebro não compreendeu o propósito.

– Pagamento pelo quê?

Christophe levou os lábios aos dela com força, quase como se ele acreditasse que nunca mais voltaria a beijar uma mulher e quisesse aproveitar a experiência ao máximo. A língua dele tinha gosto de rum caribenho e a cabeça dela nadou. Ele trilhou beijos por sua bochecha e ela o puxou para mais perto, não acreditando no que estava acontecendo e desejando que nunca terminasse. Daquela forma ela não teria que recuar e quebrar o encanto. Então ele sussurrou:

– Pelos seus serviços, é claro.

CAPÍTULO DOIS

A bela rapariga seminua se afastou bruscamente dos seus braços e lhe deu um tapa na cara. A cabeça de Christophe virou para o lado e a dor formigou marcando a sua pele. Momentaneamente atordoado, ele levou a mão à bochecha e a encarou. Uma mulher jamais tinha lhe dado um tapa.

– Oh, não me olhe assim. Babaca machista. – Ela atirou as moedas nele e elas bateram no seu peito antes de caírem no chão enquanto ela destrancava a porta com um quadrado branco estranho e a batia às suas costas. Franzindo o cenho para aquela chave ridícula que ela usava, ouviu enquanto ela passava o trinco. Christophe esfregou a bochecha golpeada, já que não podia fazer nada além de encarar a porta que a separava dele.

Que peculiar. Era óbvio, pelo estado de nudez da mulher lá dentro, que aquele navio era algum tipo de bordel onde as mulheres tinham passe-livre com os seus filhos bastardos. Ele também tinha visto homens, obviamente clientes ou tripulação. Onde mais ele poderia estar? A outra explicação é que ele tinha morrido e agora estava em um inferno cheio de mulheres parcialmente vestidas que não o queriam em suas camas.

Não, as mulheres no convés o desejaram. A que ele desejava, não. Antes de ser forçado a se juntar à pirataria, as mulheres o adoravam. Não teve muito tempo para cortejar ou levar alguém para a cama no último ano, mas nas poucas ocasiões que fora um bordel, nunca tinha visto os falsos sorrisos relutantes que os outros homens normalmente recebiam. Ele não era um ogro horrendo que maltratava mulheres ou que ignorava os desejos delas, então o que tinha feito de errado naquela noite?

Christophe olhou ao redor e então estremeceu. Em um momento tinha caído em um redemoinho, e no seguinte se viu deitado no convés de um veleiro enorme, seco como um osso, com pessoas demais à sua volta, tochas sem fogo mais brilhantes que qualquer chama, e roupas e frases estranhas que o deixavam confuso. Ele tinha sido bombardeado com perguntas esquisitas e disparos luminosos de luz e mulheres animadas demais vestidas de forma semelhantes à sua tímida sedutora. Nada fazia sentido, mesmo quando se firmou no convés. Então ela colocou a mão nele.

O coração dele saltou uma batida no minuto em que reparou na beleza dela. O cabelo castanho-escuro emoldurava o rosto em formato de coração com os lábios mais beijáveis nos quais já tinha posto os olhos. O caos em volta deles tinha diminuído, borrando-se até virar nada. Tudo o que parecia errado naquele navio tinha fugido para o seu subconsciente e só ela pareceu ser importante. Conhecê-la, prová-la… poderia se preocupar com suas estranhas circunstâncias outra hora, tinha ficado tão confuso, tão afoito, inferno, ele ainda estava. Talvez tivesse se enganado quanto à profissão dela, e a tinha ofendido por manchar a reputação dela.

Ele sequer sabia o nome dela.

Erguendo a mão, ele a colocou na porta, pensando em chamá-la para se desculpar por qualquer ofensa que ele, inadvertidamente, causou. Talvez tivesse sido audaz demais. A julgar pela reação e a linguagem corporal dela, ela estava nervosa, mas tinha sido afetada e não lhe faltou desejo.

Aquilo o deixava com um dilema, já que ele não conhecia ninguém a bordo, exceto ela. Sem ter outro lugar para ir, procurar pelo capitão seria seu próximo caminho para obter informação, mas como explicaria sua aparência? Como convenceria o homem de que não queria causar nenhum mal? Ele pegou as moedas e memorizou os números ao lado da porta da mulher. Ela o confundia, e Christophe gostava de resolver uma charada. Ele se desculparia pelo erro de julgamento e ganharia o carinho dela, ao menos pelo resto da viagem.

– Senhor, você não é membro do staff. – Atrás dele, um homem em um uniforme branco imaculado o examinava da cabeça aos pés. – Terei que pedir que o senhor tire a fantasia e pare de fingir que trabalha para a companhia de cruzeiro. – Ele não parecia ameaçador, mas a voz soou autoritária. – Essa pistola é de verdade? – O homem se aproximou. – Preciso que o senhor me acompanhe.

Christophe olhou mais uma vez para a porta fechada e deu de ombros. Não era como se ele tivesse algo melhor para fazer, e o homem parecia preocupado, justamente por encontrar um homem estranho e armado que não deveria estar ali, mas não era hostil, o que lhe surpreendeu. A arma não ter sido tomada dele só podia significar duas coisas: o navio não se deparava com violência normalmente ou nunca, ou eles eram crédulos demais. Precisando conseguir algumas respostas, Christophe fez sinal para ele ir na frente e o seguiu.

Uma sensação incômoda na nuca o tentou a olhar para trás uma última vez. A rapariga estava parada na porta, mas ela recuou no momento em que seus olhos se conectaram. Ele deu um sorriso largo.

Não tinha acabado com ela. Não mesmo.



Serena logo fechou a porta e a trancou uma segunda vez antes de se apoiar nela e fechar os olhos com força. Ele pensou que ela fosse uma prostituta! O cara tentou pagá-la com moedas velhas para fazer sexo. Como se sequer fosse digna de dinheiro de verdade? Talvez ele estivesse brincando, ainda no personagem. Sacudiu a cabeça. Ele a tocou como se esperasse que ela caísse naquela cantada barata.

Aquele beijo. Gemeu, confortável na solidão do seu quarto, sem poder ser criticada por ninguém. Serena levou a ponta dos dedos aos lábios e podia sentir a memória dos dele ali, a maciez, o calor. A aspereza da barba por fazer em contato com o seu queixo. Arrgh. Seu corpo tinha ficado aceso até que ele arruinou tudo chamando-a de puta. Talvez o famoso balde de gelo tivesse sido uma coisa boa. Com certeza foi. Não o conhecia e não tinha desejo de ir para a cama com alguém que acabou de conhecer.

O toque musical penetrou no silêncio e ela deu um salto. Tirando o celular do bolso de trás, esperou que a ligação conectada pelo wi-fi do navio funcionasse direito, já que o parelho não tinha sinal da operadora. Era horrível na melhor das hipóteses, mas era ótimo ter o serviço. Bem-vinda ao século XXI. Ao atender, Serena sorriu de alívio ao ouvir o quanto a voz da amiga estava boa.

– Sinto muito por ter perdido o seu aniversário! – A voz de Becky Ann a cumprimentou. – Já estive em barcos antes. Talvez eu não estivesse bêbada o bastante. Lembre-me de ficar bêbada na ilha para a viagem de volta. Aí sim eu ficarei bem.

Ficou feliz por ter notícias da amiga. Ela a visitara várias vezes durante o dia, mas o quarto ficava solitário sem ela.

– Tudo bem. Estou feliz por você estar se sentindo melhor.

Becky Ann continuou a falar.

– Mal posso esperar até atracar nas Bermudas amanhã. Vou aproveitar ao máximo a terra firme enquanto eu posso. Uma pena não termos mais um dia em Nassau. – Ela mudou de assunto, abruptamente. – Por favor, diga que você ao menos conversou com algum cara enquanto eu estava fora de serviço. Não me diga que se trancou no quarto enquanto eu estava presa nesse lugar chato.

Ela bufou.

– É claro que conversei. – Verdade seja dita, Christophe foi o único. Becky Ann não precisava saber desse pequeno detalhe. – Eu estava com medo demais de ser jogada pela amurada caso você me pegasse escondida no quarto. – Como eu estou agora.

– E por que eu estou com a sensação de que você está dormindo? – Becky Ann arfou. – Não foi com o bartender, foi? Isso é trapaça. Se eles estão trabalhando para o cruzeiro, não conta. Você deveria se envergonhar, mocinha. Não me importo se você já tem vinte e oito anos, eu vou te dar uns tapas na bunda.

Serena não tinha nenhuma sombra de dúvida de que Becky Ann ia levar aquela ameaça a cabo. Uma vez a amiga a avisou que se ela não parasse de usar só calça jeans e blusas grandes demais quando saísse, que ela iria lhe fazer cócegas até que ela fizesse xixi nas calças. Então, em uma tarde, depois de passar no mercadinho, Serena, que estava usando roupas confortáveis, foi para a casa, e acabou sendo emboscada assim que abriu a porta. Ela não tinha feito xixi nas calças, por pouco. Foi igual a um foguete para o banheiro.

– Era um cara fantasiado de pirata lá no convés. Suponho que ele trabalhava para o navio. – Não tinha ouvido o que o cara falou para ele lá no corredor, mas presumiu que ele tinha se encrencado por abandonar a posição. Bem feito, mesmo tendo sido ela quem o tirou de lá.

– Serena! – gemeu Becky Ann. – Você precisa conversar com homens disponíveis, não com os que são pagos para te ajudar.

A lembrança do mal entendido no corredor a fez se encolher. Ficou irritada por alguém ter pensado que ela era uma prostituta. Ela mal podia manter contato visual com ele, então como diabos poderia seduzi-lo a troco de dinheiro?

– Pera lá. – A voz de Becky Ann se partiu na última palavra. – Pirata? Ele era gostoso? Ele parecia com o Billy Bones? Charles Vane? Você sabe muito bem que eu amo Black Sails, e é sua obrigação como minha amiga me dar cada detalhezinho. E também dar para ele, já que eu estou sendo feita de refém pela minha própria saúde. Vou ter que viver indiretamente através de você, gata. Vá dar uns pegas nele e me liga. Eu vou esperar.

Revirando os olhos, ela se deitou na cama e descreveu Christophe, deixando de fora o jeito como eles se separaram, esperando que a amiga não percebesse o quanto tinha sido afetada por aquele homem.

– Você. Beijou. O. Cara? Estou tão orgulhosa! – Dava para perceber só pela voz que ela estava pegando no seu pé.

– Hum… não fique. Ele é um idiota, e não vai voltar a acontecer. – Infelizmente, o corpo não estava concordando com a mente. E ela se inquietou, precisando parar de imaginar as mãos dele, os lábios, ou os olhos azuis tão fixos nela e prometendo coisas sujas sobre as quais só um pirata poderia saber tanto.

Um suspiro exasperado veio do outro lado da linha.

– Você nunca mais o verá depois que voltarmos. É seu aniversário, e essa aventura não vai terminar em casamento ou em bebês, caso você use camisinha. Vá se divertir e depois dê um perdido nele. Parando para pensar, essa coisa de brincar de pirata é excitante pra caralho. Você pode pedir para ele te amarrar e te ameaçar a andar pela prancha caso você se negue a entregar os espólios.

Aquilo nunca iria acontecer. Perturbada, ela pigarreou antes de começar a fantasiar com tudo o que Becky Ann tinha dito.

Serena não era extrovertida, e de jeito nenhum usaria alguém para fazer sexo e então agir como se nada tivesse acontecido. Não estava no seu sangue. Gastar tanta energia com um cara com quem queria ter intimidade significava que ela se jogaria de cabeça, e as primeiras impressões não foram muito favoráveis para Christophe. Ela sequer sabia por que estava deixando Becky Ann colocar essas ideias na sua cabeça.

Ele é muito atraente. Se não fosse aquele fiasco…

Para!

Alguém falou no fundo da ligação e Becky Ann disse que precisava desligar. Depois de prometer esperar por ela para desembarcarem na minha seguinte, Serena desligou. Momentos mais tarde, brincando com os dedões e tendo pensamentos indecentes sobre o homem que a insultara, ela gemeu e rolou para fora da cama.

Christophe era o culpado por ela estar inquieta e sem poder dormir mesmo se tentasse. Não tinha trazido um livro porque acreditava que Becky Ann estaria com ela durante a viagem toda, e elas se divertiriam muito para que tivesse tempo de ler.

O relógio mostrava que faltavam quinze minutos para a uma da manhã. Os bares estariam abertos, e uma boa taça enorme de algo feito com rum iria relaxá-la o bastante para que dormisse. Não estava desejando rum só porque ainda sentia o gosto da bebida na língua depois de ter beijado Christophe. Era só que gostava de rum, e aquele era um cruzeiro pelo Caribe, afinal de contas.

Serena pegou a chave, abriu a porta e foi para o corredor. Não havia ninguém lá. Só para garantir, seguiu pelo lado oposto do que Christophe tinha ido e seguiu para o bar da piscina. Ainda tinha vários drinques de crédito na conta do cruzeiro e planejava fazer um estrago antes de ir para a cama. Sozinha.



Seu companheiro uniformizado não falou muito, mas Christophe achou bom. Sem saber qual era a patente do homem, observou a parte de trás da cabeça dele. O cabelo escuro era curto, e o uniforme muito branco contrastava com o tom mais escuro da pele. O uniforme era bem diferente de qualquer um que ele já tinha visto, e, em vez de botas, ele usava um calçado mais simples, e branco. Nenhuma arma estava a vista, mas uma estranha caixa preta estava presa na camisa dele.

O homem irradiava autoridade, no entanto, e foi isso o que deteve Christophe. Tinha certeza de que não estava em um navio que pertencesse às colônias ou à Inglaterra, pois nada parecia familiar. Mas até descobrir onde estava e onde pretendiam aportar, não presumiria nada. Não depois do que aconteceu com a rapariga mais cedo. Suas circunstâncias viriam à luz em algum momento.

Era o que esperava.

Uma porta se abriu e a cabeça de uma mulher mais velha com a pele escura e cabelo grisalho apareceu.

– Josiah Baker, eu não disse que estava te esperando para… – a voz dela foi se apagando e ela estudou Christophe da cabeça aos pés. – Quem é esse? – Ela devia ser a mãe de Josiah. Era difícil saber se eles eram parecidos, já que a idade tinha mascarado as feições dela.

O homem colocou a mão no ombro da senhora enquanto ela se atrapalhava no corredor segurando a bengala com força na mão esquerda, um anel de diamante no dedo anelar. Com certeza não era um navio das colônias. Ele suspirou aliviado por causa da evidência da relação deles. Suspeitava que o trabalho de Josiah no navio era pago, como qualquer trabalho deveria ser. Aqueles que trabalhavam como criados mereciam salário e também o privilégio de poder dizer que a vida era deles. Durante o breve tempo que passou nas colônias, aquele não tinha sido o caso, suspeitava que o que acabou o colocando em um navio pirata sob servidão forçada foram os discursos que fez contra a escravidão em mais de uma ocasião.

– Mãe, não posso sentar e conversar contigo antes de o meu turno acabar. Ainda faltam vinte minutos. – Josiah não tinha o sotaque forte como o da mãe, mas eles tinham uma leve semelhança em seus traços. Com base nos ossos malares, a mãe dele deve ter sido muito bonita quando jovem.

Christophe fez uma mesura.

– Christophe Jones, senhora. É um prazer. – Ele deu uma piscadinha para ela enquanto se punha ereto, e Josiah fez ainda mais careta. A Sra. Baker semicerrou os olhos e se aproximou. Ela levou as duas mãos ao rosto dele e moveu, gentilmente, o queixo dele para lá e para cá. Ela arfou e deu um passo para trás.

– Mãe! – Josiah passou um braço em volta dos ombros dela. – A senhora está bem?

Mas ela não deu atenção ao filho. Ela olhava para Christophe e o assombro impregnava a sua voz.

– Sua aura está errada. Assim como nas histórias, mas… eu nunca acreditei muito nelas. Esse não é o seu tempo, é?

Ele riu, mas os outros dois olharam para ele como se ele tivesse interrompido o funeral de alguém.

– A senhora está falando sério? – Sobre ler auras e não ser a época dele? Loucura. Embora… ele tinha mesmo sido arrastado para uma nova terra, mas só que ele estava no mar, e viagens no tempo não eram uma possibilidade. – Isso é absurdo. – Seu sotaque adaptado desapareceu. Ele era da Inglaterra, originalmente, mas usava um pouco de entonação caribenha para que pudesse se encaixar melhor a bordo do Calypso. Continuou usando-o naquele navio estranho, maior do que qualquer coisa que já tinha visto ou sabido que existia, porque tinha se acostumado com ele depois de um tempo. De alguma forma, não achava que precisava escondê-lo por mais tempo. Não tinha certeza do porquê.

A mulher mais velha deu um sorriso cálido.

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