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Forças Opostas
– Oh de casa! Ou melhor, oh da cabana!
De um sobressalto, mudo a direção do meu olhar e contemplo a figura misteriosa da guardiã. Ela me parece mais feliz e rosada, apesar da idade que aparenta.
– Estou aqui, como me vê. Que novidades traz para mim?
– Como você sabe, hoje venho anunciar o seu terceiro e último desafio. Ele será realizado no seu sétimo dia sob a montanha, pois é o prazo máximo que um mortal pode ficar sob ela. Ele é simples e consiste no seguinte: mate o primeiro ser, homem ou animal, que você encontrar ao sair da cabana nesse mesmo dia. Caso contrário, você não terá direito de entrar na gruta que realiza os desejos mais profundos. O que você me diz? Não é fácil?
– Como assim? Matar? Por acaso sou um assassino?
– É a única condição para você entrar na gruta. Prepare-se, pois, só faltam dois dias e.…um tremor de 3,7 graus na escala Richter abala todo o topo da montanha. O tremor me deixa tonto e penso que vou desmaiar. Pensamentos e mais pensamentos me vêm à mente. Sinto minhas forças se esgotando e algemas que prendem com força minhas mãos e meus pés. Num rápido momento, vejo-me escravo, trabalhando em cafezais dominados por senhores. Vejo o chicote, o sangue e o clamor dos meus companheiros. Vejo a riqueza dos coronéis, seu orgulho e sua perfídia. Vejo também o grito por liberdade e por justiça dos oprimidos. Ó, como o mundo é injusto! Enquanto uns vencem, outros apodrecem esquecidos. As algemas quebram. Eu estou parcialmente livre. Ainda sou discriminado, odiado e injustiçado. Ainda vejo a maldade dos brancos me chamando de negro. Continuo me sentindo inferior. Ouço novamente gritos de clamor, mas agora a voz é clara, nítida e conhecida. O tremor desaparece e pouco a pouco retomo a consciência. Alguém me levanta. Ainda um pouco tonto, exclamo:
– O que aconteceu?
A guardiã, em prantos, parece não achar resposta.
– Meu filho, a gruta acaba de destruir um outro coração. Por favor, vença o terceiro desafio e acabe com essa maldição. O universo conspira para sua vitória.
– Eu não sei como vencer. Somente a luz do Criador pode iluminar meus pensamentos e minhas ações. Eu garanto: não desistirei facilmente dos meus sonhos.
– Eu confio em você e na educação que teve. Boa sorte, filho de Deus! Até a próxima!
Dito isso, a estranha senhora se afastou e foi envolvida numa fumaça. Eu agora estava só e precisava me preparar para o último desafio.
Um dia antes do último desafio
Já faz seis dias que subi a montanha. Todo esse tempo de desafios e experiências me fizeram crescer muito. Posso entender a natureza, a mim mesmo e aos outros. A natureza marcha em um ritmo próprio e avessa às pretensões do ser humano. Nós desmatamos, poluímos as águas, jogamos gases na atmosfera. O que ganhamos com isso? O que realmente importa para nós, o dinheiro ou a sobrevivência? As consequências estão aí: aquecimento global, redução da fauna e flora, desastres naturais. Será que o ser humano não enxerga que tudo isso é culpa dele? Ainda há tempo. Há tempo para a vida. Faça sua parte: economize água e energia, recicle o lixo, não polua o ambiente. Exija dos seus governantes um comprometimento com a questão ambiental. É o mínimo que devemos fazer por nós e pelo mundo.
Voltando à minha aventura, depois que subi a montanha, passei a entender melhor os meus desejos e os meus limites. Compreendi que os sonhos só se tornam possíveis se forem nobres e justos. A gruta é justa e, se eu vencer o terceiro desafio realizará o meu sonho. Quando venci o primeiro e o segundo desafios, passei a entender melhor os desejos do próximo. A maioria das pessoas sonha em ter riquezas, prestígio social e altas funções de comando. Elas deixam de enxergar o que há de melhor na vida: a realização profissional, o amor e a felicidade. O que torna o ser humano realmente especial são suas qualidades que resplandecem através de suas obras. Poder, riqueza, ostentação social não fazem ninguém feliz. É isso que procuro na montanha sagrada: felicidade e o total domínio sobre as “forças opostas”. Preciso sair um pouco. Passo a passo, meus pés me levam para fora da cabana que construí. Espero um sinal do destino.
O sol esquenta, o vento fica mais forte e nenhum sinal aparece. Como vencerei o terceiro desafio? Como conviver com o fracasso caso eu não consiga realizar o meu sonho? Tento afastar os pensamentos negativos, mas o medo é mais forte. Quem eu era antes de subir a montanha? Um jovem totalmente inseguro, com medo de enfrentar o mundo e as pessoas. Um jovem que um dia lutou na Justiça por seus direitos, mas não foi atendido. O futuro mostrou-me que foi melhor assim. Às vezes, ganhamos ao perder. A vida me ensinou isso. Alguns pássaros gritam ao meu redor. Eles parecem entender minha preocupação. Amanhã será um novo dia, o sétimo sob a montanha. O meu destino estará em jogo no terceiro desafio. Rezem, leitores, para que eu o vença.
O terceiro desafio
Um novo dia amanhece. A temperatura é agradável, e o céu é azul em toda sua imensidão. Preguiçosamente, levanto-me esfregando os olhos de sonolência. O grande dia chegou, estou preparado para ele. Antes de qualquer coisa, preciso preparar o meu café da manhã. Com os ingredientes que consegui no dia anterior, ele não será tão escasso. Preparo a vasilha e começo a estralar os apetitosos ovos de galinha. A gordura espirra e quase atinge o meu olho. Quantas vezes, na vida, os outros parecem nos ferir com suas inquietações. Tomo o meu café, descanso um pouco e preparo minha estratégia. O terceiro desafio não parece ser nada fácil. Matar para mim é impensável. Bem, mesmo assim, terei de enfrentá-lo. Com essa resolução, começo a caminhar e logo estou fora da cabana. O terceiro desafio começa aí, e eu me preparo para tal. Pego a primeira trilha e começo a percorrê-la. As árvores da estrada da vereda batida são árvores grossas e de raízes profundas. O que eu realmente procuro? O sucesso, a vitória e a realização. Porém, não farei qualquer coisa que fuja aos meus princípios. A minha idoneidade está acima de fama, sucesso e poder. O terceiro desafio me aflige. Matar para mim é um crime mesmo que seja apenas um animal. Entretanto, quero entrar na gruta e fazer o meu pedido. Isso representa duas “forças opostas”, ou “caminhos opostos”.
Permaneço seguindo a trilha e torço para que eu não encontre nada. Quem sabe assim o terceiro desafio não seja dispensado. Talvez a guardiã não seja tão generosa assim. As regras têm de ser seguidas por todos. Eu paro um pouco e não acredito na cena que visualizo: uma jaguatirica e seus três filhotes, brincando ao meu redor. Chega. Eu não matarei a mãe de três filhotes. Eu não tenho esse coração. Adeus sucesso; adeus, gruta do desespero. Chega de sonhos. Não cumpri o terceiro desafio e vou embora. Vou voltar para minha casa e para meus entes queridos. Apressadamente, volto à cabana para arrumar minhas malas. Eu não cumpri o terceiro desafio.
A cabana está desfeita. O que significa isso tudo? Uma mão toca levemente o meu ombro. Olho para trás e me deparo com a guardiã.
– Meus parabéns, querido! Você cumpriu o desafio e agora tem o direito de entrar na gruta do desespero. Você venceu!
O forte abraço que levei em seguida deixou-me ainda mais confuso. O que aquela mulher estava dizendo? O meu sonho e a gruta poderiam se encontrar? Eu não acreditava.
– Como assim? Eu não cumpri o terceiro desafio. Veja minhas mãos: elas estão limpas. Não manchei o meu nome com sangue.
– Você não se conhece? Você acredita que o filho de Deus seja capaz da atrocidade que pedi? Eu não tenho dúvidas de que você é digno de realizar seus sonhos. Embora eles possam demorar a tornar-se realidade. O terceiro desafio o avaliou completamente, e você demonstrou o amor incondicional às criaturas. Isso é o mais importante num ser humano. Mais um conselho: somente o coração puro sobrevive à gruta. Mantenha seu pensamento e coração limpos para vencê-la.
– Obrigado, Deus! Obrigado, vida, por essa oportunidade. Prometo não os desapontar.
A emoção tomou conta de mim como nunca, desde que subi a montanha. Será que a gruta seria capaz mesmo de realizar milagres? Eu estava a ponto de descobrir.
A gruta do desespero
Após vencer o terceiro desafio, eu já estava apto a entrar na temida gruta do desespero. A gruta que realiza os sonhos impossíveis. Eu era mais um sonhador que iria tentar a sorte. Desde que subi a montanha, eu já não era mais o mesmo. Agora estava confiante em mim mesmo e no universo maravilhoso que me abrigava. O abraço da estranha senhora também me deixou mais tranquilo. Agora ela estava ali, ao meu lado, apoiando-me em todos os sentidos. O apoio que eu não recebi dos meus entes queridos. A minha mala inseparável debaixo do meu braço. Estava na hora de eu me despedir daquela montanha e seus mistérios. Os desafios, a guardiã, o fantasma, a jovem e a própria montanha que parecia ter vida ajudaram-me a crescer. Eu estava pronto para partir e enfrentar a gruta tão temida. A guardiã está do meu lado e me acompanhará nessa viagem até a entrada da gruta. Partimos, pois o sol já se adianta no horizonte. Os nossos planos estão em total harmonia. A vegetação ao redor da trilha que percorremos e o barulho dos animais tornam o ambiente o mais rural possível. O silêncio da guardiã durante todo o percurso parece antever os perigos que a gruta encerra. Paramos um pouco. As vozes da montanha parecem querer dizer alguma coisa. Aproveito para quebrar o silêncio.
– Posso perguntar uma coisa? O que são essas vozes que tanto me atormentam?
– Você escuta vozes. Interessante. A montanha sagrada tem a propriedade mágica de reunir todos os corações sonhadores. Você é capaz de sentir essas vibrações mágicas e interpretá-las. No entanto, não dê muita atenção a elas, pois podem levá-lo ao fracasso. Tente concentrar-se com seus próprios pensamentos, e a atuação delas será menor. Tenha cuidado. A gruta é capaz de detectar suas fraquezas e usá-las contra você.
– Eu prometo me cuidar. Eu não sei o que me espera na gruta, mas tenho fé de que os espíritos luminosos me ajudarão. O meu destino está em jogo e, de certa forma o do resto do mundo também.
– Bem, já descansamos o bastante. Vamos continuar a caminhada, pois não demora o sol a se pôr. A gruta deve estar a uns quinhentos (500) metros daqui.
O rumor de passos recomeça: Quinhentos metros separam o meu sonho de sua realização. Estamos no lado oeste do topo da montanha, onde os ventos se tornam cada vez mais fortes. A montanha e seus mistérios. Penso que nunca vou conhecê-la realmente. O que me motivou a subir ela? A promessa de o impossível tornar-se possível, e o meu instinto aventureiro de escoteiro. A realidade, o possível e a rotina estavam me matando. Agora estava me sentindo vivo e pronto para vencer desafios. A gruta se aproxima. Já posso ver sua entrada. Ela parece imponente, mas não me desestimula. Uma gama de pensamentos invade todo o meu ser. Preciso controlar meus nervos. Eles podem me trair na hora fatal. A guardiã faz sinal e para. Obedeço.
– Aqui é o local mais próximo que posso chegar da gruta. Escute bem o que eu vou dizer, pois eu não vou repetir: antes de entrar nela, reze um pai-nosso para seu anjo da guarda. Ele protegerá você dos perigos. Ao entrar, ande com bastante cautela para não cair em armadilhas. Após percorrer um certo tempo a galeria principal da gruta, você se deparará com três opções: felicidade, fracasso e medo. Escolha a felicidade. Se escolher o fracasso, você não passará de um pobre louco que um dia sonhou. Se escolher o medo, você se perderá completamente. A felicidade dá acesso a mais dois cenários que são desconhecidos para mim. Lembre-se: apenas o coração puro pode sobreviver à gruta. Seja sábio e realize seu sonho.
– Entendi. Chegou o momento mais esperado desde que subi a montanha. Obrigado, guardiã, por toda sua paciência e zelo comigo. Nunca me esquecerei da senhora nem dos momentos que passamos juntos.
A angústia tomou conta do meu coração ao despedir-me dela. Agora éramos eu e a gruta. Um duelo que mudará a história do mundo e a minha também. Olho bem para ela e pego na mala uma lanterna para iluminar o caminho. Estou pronto para entrar. A minha perna parece congelada ante essa gigante. Preciso reunir forças para prosseguir no caminho. Sou brasileiro e não desisto nunca. Consigo dar os primeiros passos e tenho a leve impressão de que alguém me acompanha. Creio que sou realmente especial para Deus. Ele me trata como filho. Os meus passos aceleram-se e finalmente consigo entrar na gruta. O deslumbramento inicial é grande, mas preciso ser cauteloso por conta das armadilhas. A umidade do ar é alta, e o frio, intenso. Estalactites e estalagmites preenchem praticamente todo o ambiente. Já percorri uns cinquenta metros dentro dela, e os calafrios começam a arrepiar todo o meu corpo. Vem à minha mente tudo que passei antes de subir a montanha: as humilhações, as injustiças e a inveja dos outros. Parece que cada um dos meus inimigos está dentro daquela gruta, esperando o melhor momento para me atacar. Com um salto espetacular, consigo ultrapassar a primeira armadilha. O fogo da gruta quase me devorou. Nadja não teve a mesma sorte. Agarrado a uma estalactite do teto que milagrosamente suportou meu peso, consegui sobreviver. Preciso descer e continuar minha caminhada rumo ao desconhecido. Os meus passos aceleram-se, mas com precaução. A maioria das pessoas tem pressa. Pressa de vencer, de conquistar objetivos. Uma agilidade fantástica acaba de me salvar de uma segunda armadilha. Foram inúmeras lanças alçadas em direção ao meu corpo. Uma consegue ferir de raspão o meu rosto. A gruta quer me destruir. Eu tenho de ter mais cuidado a partir de agora. Faz aproximadamente uma hora que entrei na gruta e ainda não cheguei ao ponto que a guardiã falou. Devo estar perto. Os meus passos continuam acelerados, e meu coração dá sinal de alerta. Às vezes, não prestamos atenção nos sinais que o próprio corpo dá. É nesse momento que acontecem o fracasso e a decepção. Felizmente não é o meu caso. Ouço um barulho muito forte vindo em minha direção. Começo a correr. Em poucos instantes, percebo que estou sendo perseguido por uma pedra gigantesca em grande velocidade. Corro durante um tempo e com um movimento brusco consigo me desviar da pedra, abrigando-me na lateral da gruta. Quando a pedra passa, a parte anterior da gruta se fecha e logo à frente aparecem três portas. Elas representam a felicidade, o fracasso e o medo. Se eu escolher o fracasso, não passarei de um pobre louco que um dia sonhou em ser escritor. As pessoas vão ter pena de mim. Se eu escolher o medo, nunca crescerei nem serei conhecido pelo mundo. Poderei entrar num abismo sem fundo e me perder para sempre. Se eu escolher a felicidade, poderei prosseguir no meu sonho e passarei para o segundo cenário.
Existem três opções: a porta da direita, a da esquerda e a do meio. Cada uma representa uma das opções: felicidade, fracasso ou medo. Tenho que fazer a escolha certa. Aprendi com o tempo a vencer meus medos: medo do escuro, medo de ficar sozinho e medo do desconhecido. Também não tenho medo do sucesso nem do futuro. O medo deve representar a porta da direita. O fracasso é consequência de um mau planejamento. Algumas vezes fracassei, mas isso não me fez desistir dos meus objetivos. O fracasso deve servir de lição para uma posterior vitória. O fracasso deve representar a porta da esquerda. Por último, a porta do meio deve representar a felicidade, pois o justo não se desvia nem para a direita nem para a esquerda. O justo é sempre feliz. Reúno as minhas forças e escolho a porta do meio. Ao abri-la, eu tenho amplo acesso a um salão e no teto está escrito o nome Felicidade. No centro há uma chave que dá acesso a outra porta. Realmente eu estava certo. Cumpri a primeira etapa. Restam-me duas. Pego a chave e experimento-a na porta. Serve perfeitamente. Abro a porta. Ela dá acesso a uma nova galeria. Começo a percorrê-la. Uma multidão de pensamentos percorre a minha mente: quais serão as novas armadilhas que devo enfrentar? A qual cenário dá acesso essa galeria? São muitas as perguntas sem respostas.
Continuo a caminhar e minha respiração torna-se rarefeita, pois o ar está cada vez mais escasso. Já percorri uns duzentos (200) metros e devo permanecer atento. Ouço um barulho e caio ao chão para me proteger. São pequenos morcegos que passam em disparada por mim. Será que eles vão chupar meu sangue? Serão carnívoros? Para minha sorte, elas desaparecem na imensidão da galeria. Vejo um vulto, e meu corpo estremece. Será que é um fantasma? Não. É de carne e de osso e vem preparado para lutar comigo. É um dos sacerdotes ninjas da gruta. Começa a luta. Ele é bem rápido e tenta me atingir num ponto vital. Tento escapar das suas investidas. Revido com alguns golpes que aprendi no cinema. A estratégia dá certo. Ele se assusta e se afasta um pouco. Ele contra-ataca com suas artes marciais, mas estou preparado para ele. Eu o atinjo em cheio com uma pedra que peguei da gruta. Ele cai desacordado. Eu sou totalmente avesso à violência, mas nesse caso foi estritamente necessário. Quero avançar ao segundo cenário e descobrir os segredos da gruta. Volto a caminhar e permaneço atento e vacinado contra novas armadilhas. A umidade do ar baixa, um vento sopra e permaneço mais reconfortado. Sinto as correntes de pensamento positivas enviadas pela guardiã. A gruta escurece ainda mais e se transforma. Um labirinto virtual se mostra à frente. Mais uma armadilha da gruta. A entrada do labirinto é perfeitamente visível. Mas onde estará a saída? Como entrar nele e não se perder? Eu só tenho uma opção: atravessar o labirinto e arriscar. Crio coragem e começo a dar os primeiros passos em direção à entrada do labirinto. Reze, leitor, para que eu encontre a saída. Não tenho nenhuma estratégia em mente. Penso que devo usar minha sabedoria para me safar dessa enrascada. Com coragem e fé, adentro o labirinto. Ele parece mais confuso visto por dentro do que por fora. As paredes são largas e revezam-se em ziguezague. Começo a lembrar dos momentos na vida em que me achei perdido como em um labirinto. O falecimento do meu pai, tão jovem, foi um golpe duro em minha vida. O tempo que passei desempregado e sem estudar também me deixou perdido como em um labirinto. Eu agora me encontrava na mesma situação.
Continuo caminhando e o labirinto me parece sem saída. Já se sentiu desesperado? Era assim que me sentia: totalmente desesperado. Por isso o nome: a gruta do desespero. Reúno as minhas últimas forças e me levanto. Preciso encontrar a saída a qualquer custo. Uma última ideia me bate. Olho para o teto e vejo inúmeros morcegos. Vou seguir um. Vou chamá-lo de bruxo. Um bruxo é capaz de se salvar em um labirinto. É disso que eu preciso. O morcego voa com bastante velocidade, e tenho que acompanhá-lo. Ainda bem que me considero quase um atleta. Vejo a luz no fim do túnel, ou melhor, no fim do labirinto. Estou salvo.
O fim do labirinto levou-me a um estranho cenário na galeria da gruta. Um cenário feito de espelhos. Caminho cuidadosamente em volta, pois tenho medo de quebrar alguma coisa. Vejo o meu reflexo no espelho. Quem sou eu agora? Um pobre jovem sonhador prestes a descobrir o seu destino. Eu pareço preocupado. O que significa tudo isso? As paredes, o teto, o piso, tudo é composto por vidro. Toco a superfície de um espelho. O material é tão frágil, mas reflete fielmente o aspecto da pessoa. Surge, num impulso, de três espelhos distintos, uma criança, um jovem segurando um caixão e um idoso. Todos eles sou eu. Será que é uma visão? Realmente tenho aspectos infantis, como a pureza, a inocência e a fé nas pessoas. Acho que não quero jogar essas qualidades fora. O jovem de quinze anos representa uma fase dolorosa na minha vida: a perda do meu pai. Apesar de sua rigidez e distanciamento, era meu pai. Ainda me lembro dele com saudades. O idoso representa o meu futuro. Como será? Estarei realizado? Casado, solteiro ou até viúvo? Não quero ser um velho revoltado ou magoado. Chega de ver essas imagens. Meu presente é agora. Sou um jovem de vinte e seis anos, licenciando em Matemática, escritor. Não sou mais uma criança nem o jovem de quinze anos que perdeu o pai. Também não sou um idoso. Tenho um futuro pela frente e quero ser feliz. Não sou nenhuma dessas três imagens. Eu sou eu mesmo. Com um impacto, os três espelhos dos quais os indivíduos surgiram se quebram e uma porta surge. Ela é meu ingresso ao terceiro e último cenário.
Abro a porta que dá acesso a uma nova galeria. O que me espera no terceiro cenário? Continuemos juntos, leitor. Começo a caminhar e meu coração acelera-se como se eu estivesse ainda no primeiro cenário. Eu já venci muitos desafios e muitas armadilhas e já me considero um vencedor. Em minha memória, vou buscar as recordações de outrora, quando eu brincava em pequenas grutas. A situação agora é totalmente diferente. A gruta é enorme e cheia de armadilhas. A minha lanterna está quase apagada. Continuo a caminhar e logo à frente surge uma nova armadilha: duas portas. As “forças opostas” gritam dentro de mim. É preciso fazer uma nova escolha. Vem à memória um dos desafios e como tive a coragem de superá-lo. Eu escolhi o caminho da direita. A situação é outra, pois estou dentro de uma gruta escura e úmida. Eu já fiz a minha escolha, mas também começo a lembrar das palavras da guardiã, que falou sobre o aprendizado. Eu preciso conhecer as duas forças para ter total controle sobre elas. Escolho a porta da esquerda. Abro-a vagarosamente com medo do que ela possa estar guardando. Abro-a e contemplo a visão: estou num santuário, cheio de imagens de santos e com um cálice no altar. Será que é o santo gral, o cálice perdido de Cristo e que dá a quem beber a juventude eterna? As minhas pernas tremem. Impulsivamente, corro em direção ao cálice e começo a tomá-lo. O vinho é de um gosto dos deuses. Sinto-me tonto, o mundo gira, os anjos cantam, e a terra da gruta treme. Tenho a minha primeira visão: vejo um judeu de nome Jesus, junto com seus apóstolos, curando, libertando e abrindo novas perspectivas para seu povo. Vejo toda a sua trajetória de milagres e de amor. Vejo também a traição de Judas, e o diabo agindo por trás dele. Por último, vejo sua ressurreição e glória. Escuto uma voz me dizer: “Faça o seu pedido”. Retumbante de alegria, eu exclamo: “Quero ser o vidente! ”
O milagre
Logo após o meu pedido, o santuário treme, enche-se de fumaça e vozes alteradas podem ser ouvidas por mim. O que elas revelam é totalmente secreto. Um pequeno fogo sobe do cálice e pousa na minha mão. A sua luz é penetrante e ilumina toda a gruta. As paredes da gruta se transformam e dão espaço a uma pequena porta que surge. Ela se abre e um vento forte começa a me empurrar de encontro a ela. Todo o meu esforço vem à minha mente: a dedicação aos estudos, o perfeito seguimento às leis de Deus, a subida da montanha, os desafios e a própria passagem na gruta. Tudo isso me trouxe um crescimento espiritual espantoso. Eu agora estava preparado para ser feliz e realizar meus sonhos. A tão temida gruta do desespero se via forçada a realizar o meu pedido. Não deixo de me lembrar também nesse momento sublime de todos aqueles que contribuíram para a minha vitória, direta ou indiretamente: minha professora primária, dona Socorro, que me ensinou as letras, os meus mestres da vida, os meus companheiros de estudo e de trabalho, os meus familiares e a guardiã, que me auxiliou a vencer os desafios e a própria gruta. O vento forte permanece me empurrando de encontro à porta, e logo estarei no interior da câmara secreta.
A força que me empurrava finalmente cessa. A porta se fecha. Vejo-me numa câmara demasiadamente larga, alta e escura. Do lado direito, encontram-se uma máscara, uma vela e uma Bíblia. Do lado esquerdo, uma capa, um bilhete e um crucifixo. No centro, no alto, um interessante aparelho circular de ferro. Caminho em direção ao lado direito. Uso a máscara, pego a vela e abro a Bíblia numa página aleatória. Caminho em direção ao lado esquerdo. Visto a capa, escrevo o meu nome e codinome no bilhete e seguro o crucifixo com a outra mão. Caminho em direção ao centro e me ponho exatamente abaixo do aparelho. Pronuncio as sete letras mágicas: v-i-d-e-n-t-e... Imediatamente, um círculo de luz é emitido pelo aparelho e me envolve completamente. Sinto o cheiro do incenso que é queimado todos os dias em memória dos grandes sonhadores: Martin Luther King, Nelson Mandela, Teresa de Calcutá, Francisco de Assis e Jesus Cristo. O meu corpo vibra ao começar a flutuar. Os meus sentidos começam a ser despertados e com eles sou capaz de reconhecer os sentimentos e as intenções mais profundas. Os meus dons são fortalecidos e com eles sou capaz de realizar milagres no tempo e no espaço. O círculo se fecha cada vez mais, e todo sentimento de culpa, intolerância e medo é apagado da minha mente. Estou quase pronto. Uma sequência de visões começa a aparecer e me deixa confuso. Finalmente o círculo se apaga. Num instante, uma sequência de portas é aberta e, com meus novos dons, eu posso ver, sentir e ouvir perfeitamente: gritos de personagens querendo se manifestar, tempos e lugares distintos começam a parecer e questões significativas começam a corroer o meu coração. O desafio do vidente está lançado.