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Storey
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“Você não compreenderia” – disse.

… e depois perguntou a si mesma por que razão teria dito tal coisa. Por vezes, até ela se espantava com a sua maldade. Ele parecia ser razoavelmente inteligente; então, porque estava a tentar antagonizá-lo?

Inclinou o ecrã em direção a ela. “Não lhe posso dizer grande coisa acerca dele porque ainda estou a desenvolvê-lo. Estou apenas a investigar, a falar com pessoas.”

“Dê-me uma ideia, para não ficar magoado.”

Hesitou e, depois, disse: “É sobre corrupção no governo local. Não posso dizer mais nada.”

“Há muita em Coventry?”

“Ainda não sei. É por isso que estou a investigar.”

“Conhece pessoas com quem possa falar, pessoas que possam dar com a língua nos dentes? É isso que faz?”

Ela achou que a sua curiosidade era genuína, mas que não era bom deixá-lo avançar muito. Ainda não sabia nada acerca dele ou do que queria. Era bom que achasse interessante falar com ela, mas tinha demasiado que fazer e muitas coisas a que atender.

“Como disse, não posso falar disto. Mesmo que pudesse, não lhe dizia nada. Não faço ideia de quem você é” – disse. Fez uma pausa e acrescentou: “Que queria dizer com isso de viver um dia de cada vez?”

Ele encolheu os ombros. “Não leve a sério. Eu sou um brincalhão. Digo muita coisa que não sinto.”

“Não acredito. Acho que você fala muito a sério.” Já a ficar zangada por ele não a levar a sério, disse: “Bem, isso chateou-me. Portanto, pode deixar-me em paz?”

“Eu já cá estava.” Sem dar o braço a torcer.

“Preciso da mesa para trabalhar. Além disso, você já quase terminou o seu café.”

A expressão dele mostrava desânimo e empurrou a cadeira para trás, levantando-se. Finalmente, tinha-o tocado.

“Andarei por aí” – disse ele.

“Não perca tempo por minha causa.”

“Matar o tempo. Deixar-me estar. Ficar onde não sou desejado.”

“Ah, sim, você é escritor. Estou a perceber.”

Pegou na sua chávena de café, olhou em redor da sala movimentada e encaminhou-se para um banco vazio no canto oposto, perto das casas de banho. Ela reparou outra vez nos seus ombros largos e nas suas ancas estreitas, uma boa silhueta. Talvez lhe pegasse noutra altura, quando estivesse menos ocupada.

Ou talvez não.

Paul perguntava a si mesmo o que estava a fazer com aquela mulher. Ela fizera-lhe uma pergunta simples há uns dias e ele despejara o que pensava: que podia fazer, como podia recuperar a situação? Ainda não estava num estado de espírito propício para sair com alguém, mas já não conseguia deixar de pensar nela. Ali sentada a depenicar no teclado, a olhar pela janela, recusando-se a olhar na sua direção, de pernas cruzadas sobre os tornozelos por baixo da mesa.

Reparou noutros homens que também olhavam para ela – principalmente rapazes estudantes que tinham colonizado o local, sentados, envolvidos nas suas canadianas, de olhar fixo nos seus telefones ou a falar com outros vestidos exatamente como eles, exceto quanto aos lenços, que eram de cores variadas. Ela era diferente. Criava uma espécie de aura à sua volta, uma autossuficiência que parte dele queria abalar.

Era interessante… e era falsa.

Não conseguia explicar como sabia, mas compreendeu que ela estava a fingir ser alguém que não era. Olhava para as pessoas de modo oblíquo, como se não pudesse correr o risco dum olhar direto, como se isso dissesse demasiado acerca dela. Quando falava, atacava-nos, mantendo-nos à distância, cortando qualquer hipótese de amizade.

Mas então ele tinha estado a fixá-la com os olhos. Talvez ela estivesse verdadeiramente assustada com ele, com o que pudesse fazer.

Imaginemos que sim, pensou ele. Que faria eu para assustar as pessoas, a não ser estoirar-lhes os miolos?

Agora, um homem encaminhava-se para ela. Entrara pela porta de vidro e vira-a imediatamente. Não era grande, portava-se como quem sabia o que queria. Tinha barba cerrada, na sua maior parte ruiva, embora o cabelo fosse preto e se estendesse por cima das orelhas. Vestia um casaco preto de cabedal com corte de casaco desportivo e botões à frente, e calças de ganga azuis desbotadas. Havia nele uma solidez que lhe preenchia o casaco e um ritmo na maneira de andar que fez Paul pensar que trabalhava no exterior. Enquanto se encaminhava para a mesa da mulher, olhou em redor, cruzou brevemente o olhar com o de Paul e seguiu. Paul achou que tinha a tensão comprimida de alguém com receio de ser atacado, talvez imprevisível, de alguém preocupado com o seu estatuto.

Gostava de pensar que tinha jeito para analisar as pessoas e o seu comportamento. Mas então, pensou, quem não tem?

Quando o homem chegou à sua frente, ela deixou de escrever e levantou o olhar, recostando-se, parecendo descontraída, embora não sorrisse. Era alguém que conhecia, mas não queria ver.

Disse qualquer coisa e o Casaco de Cabedal inclinou-se sobre a mesa, apoiando os nós dos dedos de ambos os lados do computador. Ela estendeu um braço e fechou-o. Ele disse qualquer coisa em resposta a esse gesto e Paul viu as palavras atingirem-na – endireitou-se na cadeira e os tornozelos descruzaram-se debaixo da mesa.

Agora o homem apontava-lhe um dedo espetado e o ronco baixo da sua voz – que Paul ouvira, mas não entendera – tornava-se mais silencioso. A mulher desviou o olhar e o Casaco de Cabedal estendeu o braço para lhe tocar com o dedo na ponta do nariz, carregando. Ela recuou e disse qualquer coisa brusca.

Paul deixou o seu banco e dirigiu-se para eles, aproximando-se do homem de lado. Sentiu o cheiro a cabedal do casaco dele e bem assim o de um desodorizante forte. A mulher olhou para ele e franziu o sobrolho, que foi o sinal para que o Casaco de Cabedal olhasse para ele.

“Para que porra está você a olhar?”

“Eu sou maior do que você. Não arranje discussão.”

Agora o homem estava a virar-se, posicionando o corpo para o enfrentar. Paul viu que tinha uns olhos ferozes, pretos e vazios, lá bem no fundo. Provavelmente era da mesma idade que Paul, mas as rugas do rosto faziam-no parecer dez anos mais velho.

“Vá sentar-se num canto e fazemos de conta que nunca o vi” – disse o Casaco de Cabedal.

“Está a incomodar a senhora e eu quero que se vá embora.”

“Como é que se chama?”

“Paul Storey. E você?”

“Chamo-me Desapareça-Da-Porra-Da-Minha-Frente.”

“Os seus pais deram-lhe um grande início de vida, não deram?”

“Este é teu amigo, Minty?” Virara-se para olhar para a mulher, ainda sentada, franzindo o sobrolho dum modo que Paul começava a reconhecer.

“Vai lá para fora, Cliff. Mais tarde falo contigo” – disse ela.

Cliff. Era um nome que atualmente não se ouvia com frequência, pensou Paul, um nome dos anos sessenta, mas estava contente por ter um nome para usar.

“Não me digam o que fazer – nenhum de vocês. Quero entrar aqui e discutir contigo, e assim farei” – disse Cliff.

“Vai para casa, eu telefono-te.”

Cliff virou-se para olhar para Storey, tirando-lhe as medidas e avaliando a sua presença. Paul não achava que Cliff estivesse intimidado, mas apenas cauteloso. Provavelmente, ia a toda a parte com um séquito, com gente que o apoiasse ou fizesse o que ele dissesse. Isso dava-lhe uma confiança que transportava consigo como uma arma. Paul já vira aquilo e não gostara. As pessoas que controlavam outras daquela maneira tinham muitas vezes problemas para se controlarem a si mesmas.

Cliff endireitou-se mais e contornou a mesa pelo outro lado, ficando de pé ao lado da mulher, a olhar de novo para Paul. “Não gosto de si” – disse. “Mas você tem tomates. Conheço-o dalgum lado?”

“Duvido.”

“Pois, eu também. Mas há algo em si que reconheço. Hei de lembrar-me.”

“Não perca nada do seu sono com isso.”

“Não, esteja descansado.” Virou-se e encaminhou-se para a saída enquanto dizia aquilo, sem olhar para trás, ainda confiante.

A mulher disse a Paul: “Não vai sentar-se. Eu não precisava dum cavaleiro branco.”

“Eu sei.”

“Então porque é que se meteu?”

“Está-me na massa do sangue.”

Olhava-o fixamente com o primeiro sinal de curiosidade que já lhe vira, como se finalmente lhe tivesse chamado a atenção.

“Parecia que não queria falar com ele” – disse.

“Tinha-o aborrecido.”

“Algo que escreveu?”

“Não exatamente. Agora pode ir-se embora, por favor?”

Anuiu com um aceno da cabeça e estava para se retirar quando pensou numa coisa. “Minty?” – perguntou.

Ela levantou os olhos. “Araminta. Não se preocupe – nunca terá oportunidade de o usar.”

“Nome invulgar para uma escocesa.”

“Não para esta.”

“É sempre assim, tão agressiva?”

“E você é sempre assim, tão estúpido?”

Não disse nada, observou-a a olhar para ele, os olhos firmes, sabendo que estava a tentar entendê-lo. O mesmo que ele fazia em relação a ela. Não tinha a certeza de estar a divertir-se, mas aquilo mantinha-lhe a mente afastada doutras coisas. Como a maneira de ganhar a vida.

“Venha ter comigo mais tarde. Para bebermos um copo” – disse ela, sem mudar de expressão.

“Está bem. Aonde?”

Disse-lhe o nome dum bar e deu-lhe as indicações – o local era novo para ele, mas conhecia a zona de quando era criança.

“Dou-lhe o meu número” – disse ele, começando a dizê-lo e fazendo depois uma pausa para ela pegar no telefone e tomar nota.

Ela voltou a olhar para ele e acabou por pegar no telefone e registar o número. “Não é um encontro” – disse ela, terminada a operação. “Não precisa de se aperaltar. Nem sequer sei por que estou a fazer isto.”

“Não pense demasiado no assunto – vai estragar um belo momento.”

“Estarei lá a partir das oito.”

“Como é que a reconheço?”

“Sou a que está a de dedos no nariz. Já lhe disse, não se excite.”

CAPÍTULO QUATRO

O bar ficava em Ball Hill, a dez minutos a pé do velho campo de futebol de Highfield Road. Lembrava-se da zona como sendo uma movimentada zona comercial, com bancos, estação dos correios e lojas de toda a espécie. Uma biblioteca. Agora, metade das lojas estava entaipada e a maioria das que ainda estavam abertas era constituída por estabelecimentos de beneficência. A zona tinha-se degradado, em grande medida como o resto da cidade que vira até agora.

Quando entrou, viu imediatamente Cliff sentado a uma mesa redonda com outros três homens, Araminta mais afastada, a escrever num grande telefone preto.

Cliff estava a chamá-lo com um aceno e um grande sorriso no rosto.

“A Minty disse que vinha aí. Disse que você pensava que era um encontro amoroso. Bem, cá estamos.”

“Nada de conversas na primeira noite” – disse Paul.

Cliff ignorou a frase e disse: “Sente-se. Descontraia-se”, acenando com a cabeça para os outros que estavam à mesa. “Estes são o Holandês, o Gary e o Tarzan. Deixo-o adivinhar quem é quem.”

“Bem, eu não vou ficar por aqui.”

“Oh! não seja assim. Quero conhecê-lo. Primeiro, apanhou-me de surpresa, mas, pensando melhor, gostei do que fez. Defender a donzela.”

Araminta levantou o olhar. “Eia!”

Cliff olhou para ela, encolhendo os ombros.

“Ela não gosta disso. Não gosta de ser vista como a mulherzinha. Não posso dizer que a critique por isso. Está a vê-la a lavar a loiça numa pia, de avental?” Sorria, como se estivesse à espera duma resposta de Paul, os olhos numa pequena dança, a gozar a sua própria tirada, confundindo Storey.

Paul olhou para os outros homens. Um era alto, mesmo sentado, com um rosto magro e moreno e orelhas grandes. Provavelmente, Tarzan, a avaliar pela força que Paul descortinava no seu físico. Envergava uma t-shirt manchada por baixo dum casaco castanho de veludo cotelê que lhe dava um ar de roadie duma banda dos anos setenta. O homem do meio era louro e de pele pálida, rosto quadrado e lábios cor de rosa carnudos. Tinha um tórax largo, não era tão alto como Tarzan, mas também não era muito baixo, o cabelo louro e a pele pálida a sugerirem que talvez fosse Holandês, de nome e de nascimento.

O terceiro homem seria, então, Gary. O mais baixo de todos, com um brilho irrequieto e intenso nos olhos, como se ainda não tivesse visto nada de que gostasse. Tinha na mão uma base de copo que estava a amassar e a dobrar e da qual ia tirando lentamente finas tiras, coisa que fazia automaticamente, sem olhar, hábito de uma vida. A camisola de gola alta estava salpicada de tinta branca.

Paul suspirou. Esperava afastar-se dos malandros baratos daquele género. Como é que voltara a meter-se naquilo, olhando fixamente para pares de olhos mortos cujos donos sabiam pouco, pensavam menos e não controlavam os impulsos?

E que diabo fazia Araminta com eles?

Cliff observara-o a olhar para os homens. Agora levantava o queixo, chamando a atenção de Paul.

“Já os ordenou?” – perguntou. “Vá, agora puxe uma cadeira e vamos conversar. Estou convencido de que você tem muito que dizer a pessoas como nós. A Minty diz-me que trabalha em seguros. Acho bem. Toda a gente precisa de emprego. Eu preciso de emprego. Estes três génios precisam de emprego. Você é o único aqui que tem um, pelo que pode contar-nos como é.”

Paul puxou uma cadeira doutra mesa e sentou-se, mantendo a distância para os outros, sem querer fazer parte do grupo.

Disse a Cliff: “Já me lembro do seu nome. Cliff Elliot. A barba enganou-me. Andámos na mesma escola – Caludon Castle. Você andava uns anos atrás de mim, mas ganhou fama muito depressa. Uma vez, vi-o lutar com alguém no pátio. A única vez que vi alguém dar um verdadeiro murro numa luta de escola, em vez de luta livre.”

Cliff recostou-se na cadeira, a sorrir, olhando para os colegas, como que a dizer, Eu disse-lhes que era duro.

“Storey. Pois, eu bem disse que o conhecia, não disse? Você estava na equipa de râguebi, asa, ou qualquer coisa assim, sempre a fazer ensaios. Não é que alguma vez tivéssemos ganho alguma coisa. Aquilo era uma porcaria. Demoliram-na há dez anos, sabia? Construíram uma nova, uma dessas Academias.

“Então como é que a vida o tratou depois disso?”

“Merda, você não está interessado em mim. Está apenas a tentar descobrir o que se passa aqui.”

“É sempre bom reencontrar velhos amigos.”

Cliff sorriu e olhou para os seus homens, apontando um polegar a Paul.

“Veem? É o que eu digo. Fixe, não é? Eu tinha razão, não tinha?”

“Razão em relação a quê?” – perguntou Paul.

Cliff inclinou-se para a frente, por cima da mesa. “Eu disse a estes falhados que você era alguém em quem podia confiar. Vi isso no café, anteriormente. Você não se encolheu. Se eu não me tivesse vindo embora, teria tentado pôr-me na rua. Você é tanto dos seguros como eu – e eu não trabalho nos seguros.”

“A sério?”

Cliff ignorou a observação. “Que fez quando saiu da escola? Não o tenho visto cá na terra; em que é que se meteu?”

Paul hesitou, tomando consciência do espaço que o rodeava, dos outros clientes, da música que saía dos altifalantes doutra sala. Percebeu que estivera a falar alto para ser ouvido. Voltou a perguntar a si mesmo o que estava ali a fazer – precisava tanto de contactar com pessoas que necessitasse de conversar com Cliff e seus malandros de trazer por casa?

Reparou que Araminta já acabara de fazer o que estava a fazer no telefone e o olhava por cima dum copo de vinho tinto. Qual era o papel dela naquilo? Quando, mais cedo, lhe pedira que viesse tomar um copo com ela, teria planeado convidar também Cliff? Ou era uma coincidência ele também estar ali?

De repente, sentiu-se cansado, tolo e fora de forma para lidar com Cliff e as suas jogadas. Talvez fosse melhor ser frontal e deixar correr o marfim.

Pensando melhor, talvez não.

“Fui para o estrangeiro, andei por aí” – disse ele. “Fui ver o mundo. Voltei para Londres à procura de emprego. Entrei para os seguros.”

“Então, porque é que voltou para aqui?”

“Razões pessoais.”

Cliff sorriu. “A mulher pô-lo na rua?”

“Não sou casado.”

“Então… questões familiares. Morreu a mamã ou o papá.”

Paul não disse nada.

“Acertei numa, não foi? Voltou para enterrar alguém” – disse Cliff.

Paul limpou a garganta.

“Estou a ver que, como estamos a discutir velhos tempos, ainda não respondeu à minha pergunta. Como é que tem sido a sua brilhante carreira?”

Cliff abriu as mãos e encolheu os ombros. “Tenho um problemazinho com a autoridade, eu. Parece que não consigo segurar um emprego. Portanto, faço um pouco disto e um pouco daquilo. Eu e estes rapazes aqui. Os cientistas, como gosto de lhes chamar.”

“Vai-te lixar, Cliff”– disse Gary.

Paul percebeu que aquelas foram as primeiras palavras que qualquer dos outros proferiu.

Cliff prosseguiu: “E para o caso de estar a interrogar-se, não sou nenhum menino do coro. Choquei-o? Não, estive durante algum tempo às ordens de Sua Majestade. Digo isto num espírito de abertura e honestidade. Não queria que pensasse que estou a falar consigo sob qualquer tipo de dissimulação.”

“Mas a sua experiência não o pôs nos carris.”

Cliff voltou a sorrir.

“Não reconheceria os carris mesmo que caísse em cima deles e partisse o nariz.”

“Todos fazemos o que podemos para conseguir que o dinheiro chegue ao fim do mês.”

“É exatamente o que eu acho” – disse Cliff. Dirigiu outro olhar avaliador a Paul. “Então, voltou cá para um funeral. Calculo que os seus pais já tenham partido, os dois, pois se tivesse sido só um estaria em casa a amparar o outro. E não por aí, com gente como nós. Portanto, provavelmente tem vontade de arrumar as coisas, vender a casa e livrar-se de roupas e de todas essas porcarias…Tive de fazer tudo isso há anos. A minha mãe e o meu pai fumavam tanto que foram prematuramente para a cova. Procuraram o que tiveram, também. Cinquenta por dia, cada um deles. Quase lhes dei uma pá e lhes disse que começassem a cavar.”

Paul recostou-se na cadeira e olhou para Araminta. Estava outra vez a escrever no telemóvel.

“Tudo isto é fascinante, mas não faço ideia do que estou aqui a fazer” – disse.

Cliff encolheu os ombros. “Eu sei, pensava que vinha tomar um copo para namorar com a Minty e em vez disso dá com quatro patifes. É como aquele programa de televisão, como é que se chamava?” – olhando para os seus homens, à procura de ajuda e a receber olhares vazios – “Dragons Den. Tem de nos vender uma coisa e nós não queremos comprar.”

“Não estou a vender nada.”

“Oh! Acho que está. Olhe, estou interessado em si por causa da diferença entre o que diz que é e o modo como se comporta. Disse à Minty que trabalha em seguros. Mas atirou-se a mim como um polícia. Seguro de si. Mostrando os músculos. Pus-me a pensar – que intenções tem você com esta pobre rapariga? Qual é a sua jogada, hem? Qual é a sua jogada?”

Araminta estava agora de pé, a guardar o telefone e a alisar a frente do vestido. Paul reparou de novo em como era magra à volta das ancas, o que lhe tornava o estômago muito plano.

Cliff levantou o olhar para ela e disse: “O David está bem?”

Tirou uma mala creme do seu lugar nas costas da cadeira, dizendo: “Um bocado chateado comigo. Não o vejo há uns tempos.”

“Mantém-no a querer mais, querida. Os homens são todos iguais.” E, virando-se para Paul: “Não somos? Dão-nos um pouco e nós queremos mais. Estávamos a falar do namorado da Minty, caso estivesse curioso. Vê? Você não é o único galo na capoeira.”

Paul pôs-se em pé, empurrando a cadeira para trás e dizendo a Araminta: “Preciso de ir à casa de banho. Acompanho-a à porta.”

“Boa tentativa, mas não é preciso; vemo-nos por aí.”

Passou por ele sem olhar e ele sentiu brevemente o odor do seu perfume. Virou-se e seguiu-a, abrindo caminho por entre mesas onde homens com as suas mulheres e namoradas paravam para olhar para ela, olhando a seguir para ele.

Agarrou-lhe no braço, dizendo: “Minty.”

Ela virou-se, uma escuridão nos seus olhos. “Não me toque, porra.”

Largou-a. “Que se passa? Porque é que está no mesmo código postal que aquele bando de falhados?”

“Não tem nada a ver com isso.” Suavizou um pouco o olhar. “Lamento que estivessem cá quando apareceu.”

“Que quer ele? Porque é que anda à sua volta?”

Olhou-o fixamente. “Provavelmente pela mesma razão que você.”

Depois, virou-se e foi-se embora. Paul viu-a sair para o ar frio, abanou a cabeça e dirigiu-se às casas de banho. A pensar que entrara num filme cuja intriga não entendia e em que as personagens não faziam sentido.

Mais tarde, percebeu que era naquela altura que devia ter continuado a andar, afastando-se do bar o mais rapidamente que pudesse.

Estava a puxar o fecho das calças quando Tarzan e Gary entraram – o homem alto, até mais alto do que Paul pensava, a inclinar a cabeça sob a moldura da porta antes de a fechar e se encostar a ela, Gary a olhar em redor do espaço revestido a azulejos, assobiando e verificando os compartimentos.

Paul passou as mãos por água e pegou numa toalha de papel, perguntando a si mesmo o que iriam fazer. Nada de grave, pelo menos num bar movimentado, provavelmente apenas uma conversa para apalpar o terreno. Ele próprio o fizera quando era mais jovem, para perceber certas coisas.

Disse a Gary: “Ele Tarzan, tu Jane?”

Gary olhou para Tarzan – estás a ver, que é que eu te disse? Depois, apontou um dedo a Paul.

“A tua boca mete-te em sarilhos, não mete? Não consegues evitar. Estávamos a dizer, o Tarzan e eu, estávamos a dizer que a tua boca será a tua morte, um dia. Não é verdade, Tarz?”

Tarzan acenou afirmativamente com a cabeça, dobrando os braços para dar mais ênfase, a sua energia a mover-se lentamente, quase letárgico. Paul imaginou que ele tivesse força, mas não habilidade. Seria fácil incapacitá-lo, desde que se ficasse fora do seu alcance.

Gary era mais pequeno do que Paul, um homem rijo, de pele cinzenta e com um movimento constante atrás dos olhos. Não era de confiar nele para proteger a retaguarda e provavelmente era desejável tê-lo sempre à frente.

“Este sítio cheira mal. Podemos conversar lá fora?” – disse Paul.

“Isto não é nenhuma conversa” – disse Gary. “É um… como é que se chama, um exemplo.”

“De quê?”

“De como as coisas são. Entre nós e tu. Se vais andar a rondar a Minty, há regras.”

“E regulamentos” – disse Tarzan.

“Estás a dizer-me que preciso de autorização vossa para conversar com uma pessoa? Acham que isso vai acontecer? Nem sequer gosto muito dela. Não gosto de louras.”

Gary riu-se e olhou de novo para Tarzan.

“Não te preocupes, ela não é uma verdadeira loura, pois não?”

“Não. Bem lá no fundo, não” – disse Tarzan, fazendo Gary rir-se outra vez, partilhando os dois uma qualquer anedota privada.

“Mais alguma coisa?” – perguntou Paul.

“Sim” – respondeu Gary –, “ainda não acabámos. Para quem trabalhas?”

“Que queres dizer com isso?”

“Trabalhas nos seguros. Para quem trabalhas?”

Paul encontrou os olhos de Gary e fixou-os com os seus. “Não tens nada com isso.”

“Pois, pensei que ias dizer isso. A questão é que o Cliff quer saber se és o que dizes ser.”

“Ou…?”

“Não sei, essa parte ele não me disse.”

“Que diferença faz isso para ele? A companhia para a qual trabalho é em Londres.”

“Então não há problema em dizeres-nos, pois não?” Virou-se de lado e olhou para Paul com um ar interrogativo nos olhos. “A questão é que acho que ele te tem escalado para alguma coisa.”

“A resposta é não.”

“Pois, também pensei que dissesses isso. Por essa razão é que te arranjámos um pouco de incentivo.”

Quando o trouxeram de volta para o bar, Cliff estava ao telefone e mandou-os parar, com uma mão erguida, antes de se sentarem. Gary agarrou o braço de Paul, que se libertou, repelindo-o, mas mantendo-se de pé até Cliff acabar, apontando o dedo indicador ao botão de Terminar Chamada e carregando nele.

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