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Amôres d'um deputado
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Amôres d'um deputado

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– Ah! ah! ah! riu o marquez; a graça não está má.

Em seguida, dirigindo-se á galeria, chamou muitos dos seus amigos que estavam no salão e leu-lhes a noticia que acabava de ler no «Figaro».

– Como, diz o conde d'Orgefin, presidente do «comité» realista, esse Ronquerolle ousa apresentar-se aqui! É um homem sem valor, escoria de Paris, um revolucionario, um escrevinhador. Conhecêmol-o creança a esse senhor! Usava uma blusa e tamancos. Creio mesmo que seus paes mendigavam…

– Não, disse o marquez, tornando-se sério, o pae Ronquerolle era pobre, mas ganhou sempre honradamente a sua vida. O bom homem era um dos nossos fieis eleitores. Vinha algumas vezes ao casteilo pedir-me conselhos e fui eu quem em tempos o levou a fazer instruir seu filho. Estou bem recompensado! O creançola cresceu e é elle quem nos vae dar combate, meus senhores!

– Mas não é um adversario sério, replicou o conde d'Orgefin; é uma creancice! Quem é o senhor Maximo Rouquerolle? Não existe. Os republicanos de Saint-Martin deviam pelo menos oppôr-nos um homem de valor e não um fedelho, um ninguem, um cidadão Ronquerolle!

Riram todos muito. Lapierre, o creado de quarto, tinha assistido a esta scena, esperando ordens do seu senhor.

– Está bem, diz-lhe o marquez, manda atrelar o break maior. Eu e estes senhores sairemos hoje para fóra da cidade, para Sennevel… Ah! espera, Lapierre, leva o «Figaro» á senhora marqueza. O criado tomou o jornal e retirou depois de saudar o marquez.

– Pobre Maximo! murmurava por entre os dentes, atravessando um corredor, como estes tratantes te tratam! Está descançado, que eu te ajudarei com as minhas fôrças a destruir esta nobreza. E isto simplesmente porque outr'ora fômos camaradas na escola…

Lapierre foi interrompido no seu monologo pela campainha electrica. Ao mesmo tempo, a marqueza atravessava a galeria que confinava com a escada d'honra do castello. Ia passear um pouco pelo jardim antes que a noite descesse completamente. O criado entregou-lhe o jornal. Apenas o abriu os seus olhos cairam sobre a nota relativa á eleição de Saint-Martin.

Ao lêr o nome de Maximo Ronquerolle, publicista, a marqueza empallideceu, murmurando:

– Meu Deus! seria elle? será possivel: Sim, sim, chama-se Maximo, como eu Maximiliana, recordo-me. É elle que vae chegar?

A commoção da marqueza era tão forte, que as suas mãos finas se humedeceram, como se tivesse febre; em logar de ir passear, como tencionava, no jardim, voltou aos seus aposentos onde se deixou cair n'um «fauteuil».

Passado um instante, levantou-se sem fazer ruido e offegante, como uma criminosa, temendo que qualquer dos seus criados a viesse surprehender, abriu uma pequena secretaria e tomou um cofre de que só ella possuia a chave, indo sentar-se junto da janella. A tarde tinha caido completamente. Um ultimo raio, como diz André Chenier, animava ainda o fim da tarde, mas as trevas do crepusculo invadiam toda a natureza. A marqueza affastou as cortinas da janella; á luz do ultimo raio de sol que desapparecia, pôde reler uma carta que estava no cofre e que tinha esta assignatura: «Maximo Ronquerolle.»

Era uma carta d'amôr e d'amôr apaixonado. Os versos misturavam-se com a prosa e o signatario falava d'uma tarde, d'um baile parisiense onde tinha dançado com madame de la Tournelle…

«Oh! porque vos vi eu? dizia a carta. Porque senti eu bater o vosso peito junto ao meu n'esse baile onde me levou o destino, esse Deus do mundo, segundo o pensamento de Schiller? Penso constantemente em vós, é a saudade por vós que me alenta. Não vivo, não aspiro senão á vossa belleza».

Depois, impellido pelo lyrismo da sua paixão, Ronquerolle, ia até á intimidade da marqueza, cantando a sua formosura hellenica em estrophes d'oiro.

Os seus lindos olhos azues o seu porte altivo e distincto d'uma plastica impecavel, o seu amôr ardente, tudo alli cantava em arrobos d'amôr e d'enthusiasmo.

M.me de «la Tournelle» teve um estremecimento ao lêr de novo esses versos. Com effeito, lembrava-se d'um rapaz com quem uma vez tinha dançado, havia quatro anos e que, no dia seguinte, ousara escrevêr-lhe, fazendo-lhe uma declaração d'amôr ardente… Porque guardara ella essa carta que a podia comprometter? Porque a não rasgara e lançára ao fogo como fizera a tantas outras produzidas pela sua belleza explendorosa? Porque tremia, ao lêr de novo uns versos, escriptos outr'ora por um desconhecido que perdêra de vista no grande mar da vida parisiense?

Mysterios do coração que nem mesmo os grandes sabios descobrem.

Enigmas do sentimento que zombam das investigações mais cuidadosas. Talvez, no fundo da sua alma, a bella Carlota sentisse uma alegria intima, e como que occulta, de ter inspirado uma paixão tão violenta e tão sincera como a que sentia Ronquerolle! Talvez que os versos do joven poeta, com o seu rythmo harmonioso, lhe recordassem o doce encanto d'uma valsa preferida! Talvez que a audacia de Ronquerolle lhe não tivesse desagradado, e admirasse a sua temeridade corajosa, o enthusiasmo da sua juventude!

A noite espalhava-se por toda a parte e ella ficara recostada no seu «fauteuil», com a luz apagada.

A escuridão favorecia o seu sonho e, apertando entre as mãos a carta, murmurava, distraida, os versos de Ronquerolle.

E era elle, esse terrivel democrata, cuja canditadura os jornaes anunciavam em opposição á de seu marido! Era elle que vinha á circumscripção de Saint-Martin arvorar a bandeira da Republica contra a nobreza contra a sua raça, contra a sua familia, contra ella mesma?

Ia voltar a vêl-o e a fallar d'elle a cada momento!

– Meu Deus! Meu Deus! dizia, que singular aventura. Se meu marido soubesse! Mas porque estou eu assim perturbada? Quem é, afinal, esse sr. Ronquerolle?

Guardou de novo e com cuidado a carta amorosa no cofre que fechou em seguida, e que foi encerrar n'um dos esconderijos mais occultos da secretaria.

N'esta occasião, o marquez de «la Tournelle» voltava do logar de Senneval aonde tinha ido levar a nova da candidatura republicana a um amigo da sua familia. Acompanhavam-o conde d'Orgefin e os srs. de Trimolet e de Nipostte, pessoas da mais alta distinção na cidade e em todo o departamento.

Os cavallos do marquez passavam estrepitosamente na calçada da rua principal de Saint-Martin. Tinham já passado o theatro e o café da Bolsa. Um minuto mais e a carruagem estaria em frente da «Poule Blanche», o café dos vermelhos, dos assassinos dos «democs», como costumava dizer o marquez de la Tournelle.

– Que ruido vem d'este lado! disse o sr. Trimolet, indicando a «Poule Blanche»; ouvem meus senhores? De quem é esta voz? Ha alli uma reunião? Escutem! Applaudem!

O marquez deu ordem ao seu cocheiro para demorar o andamento e os cavallos começaram a andar a passo. A porta da «Poule Blanche» que dava para a rua estava completamente aberta. O café via-se cheio de gente, empregados de paletot, taberneiros de blusa, operarios em mangas de camisa e com o avental do trabalho. Sobre o bilhar viam-se muitos garotos. Em cima d'uma cadeira junto do espelho do fundo, um orador fallava. A sua voz sonora fazia tremer tudo e ouvia-se até da praça junto á fonte. A multidão escutava-o religiosamente.

– Queridos concidadãos, dizia o orador, accorri ao vosso appelo. Agradeço-vos o não vos terdes esquecido de mim. Trabalhadores, sou dos vossos! Republicanos, podeis contar commigo como eu conto comvosco!

… De que tratamos nós? Tratamos apenas de dezenraizar d'esta cidade, d'este departamento, a arvore pôdre da reacção monarchica e clerical; trata-se de bater no proximo escrutinio legislativo, o senhor de «la Tournelle», esse marquez da idade media perdido nos tempos modernos!.. Pois bem! nós o alcançaremos, cidadãos!..

Applausos freneticos acolheram estas palavras, ouvindo-se immensos gritos de: Viva a Republica! Viva o cidadão Ronquerolle! Nunca a «Poule Blanche» tinha abrigado egual gritaria popular. N'esta occasião a carruagem do marquez, que caminhava a passo, chegava deante do café republicano.

Aos gritos repetidos de: Viva a Republica! Viva o cidadão Ronquerolle! o candidato realista empallideceu de colera. Não havia que duvidar, os democratas de Saint-Martin apresentavam realmente um candidato para lhe fazerem opposição.

– Cidadãos, continuava Ronquerolle enthusiasmado com os applausos, faremos tremer os de «la Tournelle» no seu castello feudal e desembaraçar-nos-emos do seu jugo. O povo, libertado pela Revolução, não quer nobres para o representar. É de cidadãos saidos das suas fileiras que deve fiar os seus destinos…

Ronquerolle pronunciava estas palavras com uma voz estrondosa e o auditorio tremia d'enthusiasmo.

– Como, dizia o conde d'Orgefin, é este tratante quem nos trata assim! E applaudem-no. Mas, meus senhores, é necessario desembaraçarmo-nos d'este canalha!

A carruagem do marquez de «la Tournelle» transpunha a porta do castello e ainda se ouviam os applausos e os gritos dos cidadãos reunidos na «Poule Blanche» para festejar a chegada de Ronquerolle e dos seus tres amigos Branche, Didier e Maupertuis.

A chegada do candidato republicano e dos seus companheiros de lucta, estava sendo um acontecimento extraordinario na pequena cidade de Saint-Martin. Toda a população estava impressionada. Viam-se pelas portas as mulheres ou faziam grupos nas ruas; os homens tinham invadido todos os cafés na cidade e fallavam com animação da lucta eleitoral.

Na «Poule Blanche» a multidão augmentava a cada instante. Os discursos tinham terminado e os ouvintes trocavam as suas impressões acêrca dos oradores que tinham tomado a palavra. Maupertuis tinha fallado depois de Ronquerolle. Recorreu para o tom ironico e os seus sarcasmos, cheios d'espirito parisiense, tinham posto o auditorio n'um bello humor. Depois de Maupertuis, o presidente do «comité» republicano, Kolri, desenvolvêra um pequeno discurso cheio de bom senso e d'energia. Tinha posto o marquez de «la Tournelle» nas peores condições e os exaltados não fallavam já senão em ir cantar a «Marselhesa» debaixo das janellas do castello.

Pouco a pouco, porém, a «Poule Blanche» ficou sem ninguem. A hora de fechar tinha chegado. Kolri, «o bravo Kolri» ficara com os parisienses, acompanhando-os a um quarto cujas janellas davam para a rua principal. Organisou-se então, uma pequena sessão onde foi elaborado um plano de campanha.

– Em primeiro logar meu caro Korli, disse Ronquerolle, tenho que avisar-vos de que vamos fundar um jornal. O primeiro numero sairá depois d'amanhã. Chamar-se-ha «Reveil de Saint-Martin».

– Vamos ter um jornal! gritou Korli; Pois bem, será o suficiente para destruir o marquez. Um jornal! Um jornal independente! Era o que ha muito faltava aqui! Ah! a imprensa! É a alavanca do progresso!..

O bravo Kolri ia a continuar o seu discurso quando bateram discretamente á porta. Didier abriu-a e appareceu Lapierre. Contou a Ronquerolle a scena do castello quando o marquez de «la Tournelle» lêra no «Figaro» a noticia da sua candidatura, e referiu quasi palavra por palavra os termos humilhantes com que o conde d'Orgefin fallara a seu respeito.

– Perfeitamente! disse Ronquerolle. Maupertuis, toma nota da «delicadeza» da linguagem do conde d'Orgefin! Redigirei immediatamente uma resposta á mensagem d'esse canalha.

Os clarões do odio brilhavam nos seus olhos. No emtanto, tinha um ar perfeitamente calmo e a sua voz não traduzia emoção alguma extraordinaria.

– Ah! ah! somos homens sem valor, escorias de Paris, revolucionarios e escrevinhadores! Ouvis, amigos, em que termos se falla de nós! Guerra, guerra implacavel a esta nobreza que nada conhece e que se julga ainda antes de 89… antes de 93!

Ao pronunciar esta data, Ronquerolle exaltou-se dando um valente murro sobre a mesa, o que atemorisou Lapierre.

A meia noite approximava-se. Lapierre retirou-se, promettendo a Ronquerolle trazêl-o ao corrente de tudo o que passasse no Castello.

Kolri retirou, tambem, por sua vez.

Tinha de convocar o comité republicano para o dia seguinte ás oito horas da noite e, sem perder um minuto, todos os cidadãos convictos deviam collocar-se nos seus postos. A primeira reunião publica effectuar-se-ia mesmo em Saint-Martin. O marquez seria convidado por elle a fim de defender as suas ideias e o seu programma. Outras reuniões seriam organisadas em todos os logares dos districtos do departamento.

Os quatro amigos, quando se encontraram sós, riram extraordinariamente. A sua mocidade tinha necessidade de despertar; o imprevisto da situação encantava sobretudo Branche, Didier e Maupertuis.

Ronquerolle, esse era mais grave, porque todos os ataques iam cair sobre o seu nome. Por outro lado a sua companheira, a Emilinha, preocupava-o. Deixara-a em Paris mas á partida tinha havido uma scena pungente.

A pobre rapariga que não queria ficar só, queria por força acompanhal-o. Que lhe importava a politica? Ella não comprehendia cousa alguma da eleição a não ser que ia ficar separada do homem que amava, do homem que para ella representava tudo n'este mundo.

III

Trava-se a lucta

Ainda que fatigados pela viagem de Paris a Saint-Martin, pelos discursos e conversações enthusiasticas do «Poule Blanche» e se bem que era uma hora da madrugada, os quatro alegres rapazes não pensavam em deitar-se.

Não obstante as graves preocupações da occasião os amigos de Ronquerolle conversavam da maneira como se tinham despedido das suas apaixonadas companheiras. Estavam ainda na edade feliz em que a bella despreoccupação da juventude cobre todas as cousas com a sua aza protectora; em que os dias e as noites não teem horas bastantes para pensar nos projectos do espirito e nos encantos do coração, nas confidencias d'amizade e nas caricias da alma.

– Meus meninos, disse Branche, para terminar a conversa, é muito bonito fallarmos das nossas amantes, contar as suas phantasias, mas nós não viemos aqui para nos divertirmos.

– Temos ainda trabalho a fazer, interrompeu Ronquerolle. Venham pennas, papel e tinta e appareça o que ha de melhor no nosso cerebro. O primeiro numero do nosso jornal, o «Reveil de Saint-Martin», deve apparecer depois d'amanhã.

É tempo de descrevermos a nossa chegada. Tu, Maupertuis, redige um curto artigo, descrevendo a recepção que nos foi feita, resume os nossos discursos e retrata bem o enthusiasmo da multidão. Tu, Didier, ridicularisa o marquez «de la Tournelle,» sê implacavel, calca-lhe sem piedade a sua vaidade… Tu, Branche, convida os eleitores a saccudirem o jugo da nobreza, critica as flôres de liz e proclama os direitos do homem!.. Vamos; preparae essas pennas! Cravae os ferros até fazerem sangue! Fazei fustigar o chicote do ridiculo!..

Os quatro jornalistas pozeram mãos á obra. Ronquerolle, esse encarregou-se de responder ás palavras injuriosas do conde d'Orgefin. Ás duas horas da manhã uma carta volumosa era lançada na caixa do correio por Branche dirigida á empresa do «Reveil», em Paris, visto que o impressor da localidade não ousava encarregar-se d'imprimir um jornal republicano, por causa do sr. marquez, «maire», conselheiro geral e deputado.

Antes de se deitar Ronquerolle abriu a janella do seu quarto que ocupava só. A noite estava serena e bella. As estrellas brilhavam no céo, os perfumes das flôres espalhavam no ar, uma frescura deliciosa vinha da terra e um silencio profundo reinava pela cidade adormecida. Á claridade discreta da lua Ronquerolle via a praça de Saint-Martin e a fonte decorativa. Só o murmurio da agua, caindo, perturbava o silencio da noite, ouvindo-se de vez em quando o vento silvar por entre as folhas das arvores, nos telhados visinhos da egreja e nos ulmeiros dos ribeiros.

Perante este espectaculo de paz, n'esta noite de junho tão harmoniosa e tão encantadora, o homem politico desapparecia em Ronquerolle e não ficava mais do que o poeta seduzido pelas bellezas da natureza immortal. O mancebo não se cançava de sentir a brisa refrescar-lhe a fronte, de admirar esse espectaculo nocturno, vivo, que lhe recordava as scenas de opera onde vivessem amôres, subindo, de noite, á janella da bem amada a depôr um beijo.

Levado pela sua poderosa e febril imaginação o ousado filho da Borgonha deixava-se guiar pelos pensamentos do amôr e versos ardentes lhe occorriam á memoria.

Ronquerolle contemplava a egreja de Saint-Martin. Uma fachada estava toda illuminada pelo luar emquanto que a opposta mergulhava na sombra. O seu olhar ficou preso ao portico junto do qual em creança tantas vezes tinha brincado com os seus pequenos camaradas e revia-se correndo em volta da «mairie» nos muros cobertos de cartazes e em frente do mercado fechado por uma grade de ferro. Os seus olhos de repente fixaram-se sobre a collina que dominava a villa, reconhecendo a torre feudal, o velho castello dos «de la Tournelle». Pensou um momento no seu adversario, do que o distraiu uma luz que se via n'um dos lados do castello.

– Quem velará a esta hora na habitação do marquez? pensou Ronquerolle. Será o meu inimigo a quem a minha presença impede de descançar? Será alguem doente a quem a febre e a insomnia impedem de dormir? Será alguma linda mulher que lê, com a cabeça repousando no travesseiro, um romance de Balzac ou um poema de Alfredo de Musset? Será uma mulher linda? – Fazendo a si mesmo esta pergunta Ronquerolle bateu na fronte como que recordando-se. Lembrava-se que outr'ora em Paris, fôra apresentado n'uma tarde, a uma mulher soberba que se chamava marqueza «de la Tournelle» com quem tinha dançado e a quem chegára mesmo a escrever uma carta apaixonada. Acontecera isto ha trez ou quatro annos, não sabia ao certo, mas recordava-se claramente d'essa tarde, do baile e da sua carta insensata. Quanto á mulher não se esquecera que era loira, que tinha uns seios opulentos, olhos azues e, quando caminhava uns ares de deusa.

Os acontecimentos da vida parisiense são tão accidentados e tantos, as sensações succedem-se tão rapidamente, as paixões são postas tantas vezes em jogo, sobre tudo para um mancebo que faz os seus inicios na vida e na sociedade, que não é para admirar o ver Maximo Ronquerolle recordar, por acaso, uma das suas aventuras, que, depois de tanto tempo, encontrava perdida na sua memoria.

Essa luz, que brilhava na escuridão da noite em uma janella do castello do seu inimigo vinha lançar um clarão na sua memoria obscurecida e, occorrendo não sei que presentimento do destino, o pobre rapaz imaginou que a pessoa que trabalhava lá em cima, na habitação luxuosa do marquez «de la Tournelle», era a linda e elegante mulher que em tempo lhe perturbara a cabeça e o coração.

– Mas não! murmurou Ronquerolle. Não é possivel! Estas cousas só acontecem nos romances e não na vida real!.. No emtanto, essa loira divina d'olhos azues chamava-se, era com toda a certeza a marqueza «de la Tournelle». Revejo-a ainda na occasião em que dançava commigo e encostava o seu peito desolado contra o meu… Pouco a pouco as recordações reviviam. Tornara-se nervoso, o seu coração batera fortemente, querendo esclarecer a duvida em que se debatia. Os «de la Tournelle» eram numerosos. Havia-os no Norte, no Meio-dia, na Borgonha. Nada poderia dizer a Ronquerolle que a mulher, que elle conhecera outr'ora, estava alli, no seu castello batido pela lua.

– Vamos! disse fechando a janella, são horas de dormir. Sei bem a quem hei-de recorrer, interrogarei Lapierre.

Quando adormeceu, a aurora começava a apparecer. O seu ultimo pensamento fôra de que seria bem extraordinario que ao marquez «de la Tournelle» alem da cadeira de deputado lhe conquistasse tambem a mulher.

Ronquerolle não se enganara nos seus presentimentos. A pessoa que velava no castello senhorial era a marqueza, a loira, a seductora, a divina Carlota. Não lia, porém, nem romances de Balzac nem poesias de Musset. O seu espirito estava demasiado agitado para se entreter com os doces e consoladores devaneios litterarios. Trabalhava pelo triumpho da sua causa, escrevendo sobre um bello papel assetinado um artigo para o seu jornal, um artigo em que envolvia os candidatos republicanos com uma maneira encantadora e em que fustigava o cidadão Ronquerolle com toda a malicia e crueldade d'uma mulher. Tambem ella espetava as esporas até fazerem sangue.

O marquez «de la Tournelle», dissemol-o já, tinha um jornal o «Echo de la Bourgogne», velha folha monarchica, assignada por todos os curas da circunscripção de Saint-Martin. De vez em quando, a amavel marqueza não se dedignava em publicar nas columnas do jornal, na primeira pagina, um elegante artigo em que estimulava habilmente a indolencia do partido realista e em que zombava dos democratas.

Esses artigos, que agradavam, eram lidos por todos, mas ninguem sabia, quem fosse o seu auctor.

Quando o marquez entrou na sua habitação, após o passeio a Semeval, contou toda a scena de que fôra testemunha em frente ao «Poule Blanche».

– Meus senhores, disse a marqueza, esses republicanos dão-vos o exemplo; trabalham, estão no seu direito e teem razão. Vivemos n'um tempo em que é necessario arriscar-se a gente. O prestigio da raça, do nascimento não é mais do que uma lembrança longinqua. É necessario trabalhar-se, é necessario descer á arena para se vencer. O poder, o futuro não pertence senão aos homens d'acção.

O marquez «de la Tournelle» achou este discurso de sua mulher um pouco atrevido, mas temeu fazer qualquer objecção. Convinha voluntariamente em se mostrar ao povo no seu trem, fallar-lhe por intermedio dos seus criados ou dos seus secretarios; mas fallar-lhe n'uma reunião publica, expôr-se a ser interrompido, a ter diante de si por adversario de tribuna um atrevido como Ronquerolle, com a sua voz de trovão, e que saido do povo, lhe conhecia as emoções e as coleras, ser um homem d'acção, n'uma palavra, no sentido em que o entendia a marqueza; todo este papel, toda esta tarefa não se apresentava ao espirito do castellão de Saint-Martin sob uma perspectiva muito attrahente.

Depois que fôra eleito deputado, não fallara uma só vez na camara. Perfeitamente correcto nas suas maneiras, sempre barbeado de fresco, limitara-se a soltar alguns gritos de quando qualquer orador da esquerda tomava a palavra. Quando, porém, nas galerias reservadas ao publico appareciam algumas elegantes, que vinham mostrar a sua vaidade e os seus sorrisos como nos camarotes d'um theatro, não se esquecia nunca de as requestar, lançando amiudadamente o seu monoculo.

O marquez era, n'uma palavra, uma das mais brilhantes inutilidades do Parlamento.

Sua mulher que era ambiciosa, enfurecia-se por não possuir mais que a apparencia do dominio e do poder. Teria preferido disfarçar sob uma fraqueza fingida as alegrias intimas do mando.

– Ah! que se eu fosse homem! disse a marqueza, ao concluir o seu artigo para o «Echo de la Bourgogne» e lançando com despeito a penna; ensinaria a viver este senhor Ronquerolle.

Ao mesmo tempo que Ronquerolle se mettia no seu leito d'hotel, imaginando a maneira, de dar ao sr. «de la Tournelle» um golpe traiçoeiro, a marqueza deixava-se vencer pelo somno no seu grande leito Luiz XV, coberto com um baldaquino que amôres gorduchos seguravam.

Fecharam-se-lhe as palpebras e meia adormecida murmurava uns versos de Ronquerolle.

Uma grande actividade começou a desenvolver-se nos dous campos, a partir d'esse famoso dia da chegada de Ronquerolle. A guerra declarara-se entre o castello soberbo dos «de la Tournelle» e a humilde «Poule Blanche» onde estavam hospedados Ronquerolle e os seus companheiros. Faziam-se apostas. Agitaram-se todas as paixões em Saint-Martin.

As proprias mulheres, se mettiam nas discussões. Muitas d'entre ellas se mostraram favoraveis a Ronquerolle, porque era novo, diziam ellas, e um bonito rapaz. Tinham immensa vontade de o ouvir fallar. Porque se não organizava uma conferencia publica no theatro, um domingo, depois do meio-dia? Ellas iriam lá. E depois, não era só isso. Tinham simpathisado com os «tres parisienses». Eram d'este modo que designavam Maupertuis, Branche e Didier. Estes cavalheiros diziam ellas, teem muito espirito; conhecem a alta vida de Paris. Porque se não convidam? É necessario deixal-os abandonados na «Poule Blanche?»

Tal era o objecto das conversações quando, no domingo, 24 de junho, appareceu o primeiro numero do «Reveil» o jornal de Ronquerolle. Principiava por uma apologia vigorosa do regimen republicano, seguindo-se-lhe um pequeno artigo intitulado: «O sr. conde d'Orgefin».

N'esse artigo Ronquerolle pregava o seu inimigo no pelourinho. Lembrando as injurias que o conde proferira, terminava assim: «Por consequencia, a redacção do «Reveil» decreta que o sr. conde d'Orgefin seja considerado como um tolo e convidamol-o a vir receber o attestado do seu novo titulo na quinta feira, 28 de junho á reunião publica que se ha de effectuar em Saint-Martin. Por sua vez, reservamos uma queda honrosa para o nosso elegante adversario, o marquez «de la Tournelle», cujo papel na camara tem sido até hoje egual a zero. Os eleitores julgarão depois de ter escutado os dois concorrentes».

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