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A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)
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Os makololos, refeitos do primeiro embate, saltaram sobre a povoação portugueza de Samoane e, em territorio nosso, destruiram o caminho collimado e atravessaram n'elle espinheiros, dizendo que até ali tudo lhes pertencia e que matariam quem se atrevesse a collimar um palmo de terra d'ali para cima. Os indigenas de Samoane fugiram aterrados a acolher-se á protecção do sr. Pereira Ferraz e este engenheiro julgou mais prudente collocar-se em guarda e esperar reforços que pediu ao governador de Quelimane.

Foi depois d'sto que o major Serpa Pinto, accudindo com mais gente á expedição e elevando o seu contigente a uns 6.000 homens armados, marchou sobre os negros revoltados e travou com elles em Mupasso sangrento combate. Os makololos deixaram mortos no campo uns 72 homens e muitos prisioneiros importantes. A expedição poz-se novamente em marcha apoz a victoria, que, diga-se desde já, teve no estrangeiro uma extraordinaria resonancia. Na Africa Oriental e principalmente na região sublevada o effeito não foi menor. O sultão Macanjira estabelecido nas margens do Nyassa prestou vassalagem a Portugal. O chefe M'ponda apressou-se tambem a imital-o; o regulo Malipuiri e outro visinho dos makololos foram a Quelimane receber a bandeira portugueza. Mas, emquanto isto succedia, o Times, dando conta do combate, fazia affirmações d'este theor: que o major Serpa Pinto enganara o consul inglez na região onde elle se travara, affirmando intenções pacificas, mas que, decorrido algum tempo, levantara conflicto com os makololos, fazendo n'elles grande morticinio e tomando-lhes duas bandeiras britannicas recentemente dadas por aquelle consul. Os makololos, julgando-se abandonados pelos inglezes, tinham então reconhecido a dominação portugueza. O major Serpa Pinto, accrescentava o Times, annunciara a intenção de conquistar o Chire até o lago Nyassa e convidara os residentes inglezes a collocarem-se debaixo da protecção de Portugal, tornando-os responsaveis pelas consequencias no caso de recusa. A imprensa franceza, por seu lado, occupando-se da victoria alcançada por Serpa Pinto, falava pouco mais ou menos n'estes termos: «a acção do major portuguez poz termo á comedia que a Inglaterra andava representando em Moçambique. Felicitamol-o por isso. Portugal deu um excellente exemplo. Esperamos que outras nações o saberão seguir na occasião opportuna para fazerem respeitar as espheras de influencia de cada um, e não permittirem as continuas invasões da Inglaterra no terreno alheio».

A informação relativa ao combate transmittida pelo consul britannico em Zanzibar ao marquez de Salisbury, que se encontrava ao tempo em Hatfield, foi logo noticiada na imprensa londrina com o commentario de que lord Salisbury certamente não procederia com rapidez emquanto não recebesse pormenores do facto; que pediria primeiro explicações a Lisboa, e, se o governo portuguez lh'as não desse, chamaria a Londres o diplomata sr. Petre. D'ahi a dias surgiu, com effeito, a primeira reclamação da Inglaterra sobre a expedição Serpa Pinto. O marquez de Salisbury dirigiu ao governo portuguez uma nota que foi entregue ao sr. Barros Gomes pelo sr. Glynn Petre, ministro britannico em Lisboa. A nota, diziam n'essa occasião os telegrammas de Londres, tinha a forma de uma representação sobre a acção de Portugal na Africa do Sul e Oriental e pedia que o nosso governo repudiasse os actos do agente portuguez no districto da Zambezia. O marquez de Salisbury, affirmava-se, não usava de ameaças; a nota continha uma exposição de varios factos que asseverava terem occorrido e pedia a restauração do anterior statu quo na região em litigio; o governo inglez não podia permittir que fosse arriada a bandeira ingleza depois de arvorada por um representante responsavel. Outras informações diziam que a nota vinha redigida em termos correctos, embora o gabinete de Londres registasse, impressionado, as noticias recebidas pelo bispo Smythies, ácêrca de hostilidades a estabelecimentos inglezes por parte do major Serpa Pinto, acontecimentos que, afinal, não constavam no nosso paiz. Serpa Pinto, na verdade, objectava-se em Portugal, limitara-se a desembaraçar o caminho á expedição Ferraz perturbada pelos makololos e mais nada.

Isto passava-se em 18 de dezembro de 1889. A nota do marquez de Salisbury referindo-se exclusivamente ao supposto ataque da expedição portugueza contra os makololos, e não fazendo menção alguma dos outros assumptos pendentes entre a Inglaterra e Portugal sobre as suas respectivas espheras de influencia na Africa do Sul e Oriental e pedindo ao sr. Barros Gomes uma resposta prompta, o mais rapida possivel, e, no caso do ataque se confirmar, a chamada a Lisboa do major Serpa Pinto; o ministro portuguez dos negocios estrangeiros replicou que as informações até á data recebidas não confirmavam as interpretações dadas pelo gabinete inglez aos actos do major, que «repellira sómente o ataque d'uma tribu hostil na bagagem da qual encontrara tres bandeiras inglezas». O sr. Barros Gomes terminava por pedir uma demora afim de poder communicar com o major Serpa Pinto. Entretanto, «para estar preparado para qualquer contingencia», o governo britannico decidia collocar as suas forças navaes proximo de Portugal. Persuadido de que «a reunião de barcos de guerra inglezes no Tejo augmentaria indefectivelmente a irritação dos portuguezes e entorpeceria a acção do governo lusitano nas suas negociações para o arranjo da questão relativa ao paiz do Nyassa», os couraçados britannicos receberam ordem de reunir-se em Gibraltar e de ahi se manterem «em expectativa dos acontecimentos futuros». Os navios destinados a essa empreza foram escolhidos entre os que formavam a esquadra do Mediterraneo. Os couraçados Bendvor e Colossus, a 27 de dezembro, levantavam ferro de Malta com destino a Gibraltar. Em Malta tambem se encontravam as fragatas couraçadas Agammenon e Dreadnought; em Edimburgo egualmente se preparavam outros navios.

Em Portugal, no emtanto, percebiam-se os primeiros symptomas d'uma reacção forte contra o regimen. A imprensa democratica clamava altisonante que se a Revolução ainda se não tinha feito não era porque «o terreno fosse safaro, ou porque as vozes republicanas não encontrassem echo, mas apenas por motivos de ordem secundaria», que não cabiam ao momento discutir. «Comtudo estava provado que a realeza perdera o prestigio, que a dynastia de Bragança alienara todas as sympathias, que as instituições tinham cahido no descredito e que, por conseguinte, o povo desejava vida nova». E perguntava-se: «O que devemos á dynastia? Que principio superior anda ligado á existencia d'essa anachronica forma de governo? A Patria?.. Oh! nós bem sabemos que, quando Portugal se quiz emancipar do jugo da monarchia hespanhola, quem mais conspirou contra a Patria foi o Bragança idiota, por quem os ingenuos combatentes de 1640 andavam expondo a vida; sabemos como esta funesta dynastia tem, pouco a pouco, em presentes de noivado e como premio de serviços contra a nação, entregado as nossas colonias aos inglezes; sabemos como, na hora do perigo para a nossa independencia, para a nossa honra nacional, o sr. D. João VI fugiu covardemente para o Brazil; sabemos como o pae do actual reinante (D. Luiz) escreveu umas cartas criminosas a Napoleão III, no intuito de se formar em seu proveito e da sua raça a união iberica. A Liberdade?.. Não a suffocam, porque não podem. O Bragança, que aqui implantou o systema constitucional, fôra um despota no Brazil. Escorraçado de lá, como não podia apresentar-se em frente da monarchia tradiccional representada por seu irmão, em nome de outro principio deu-nos a constituição que, mais tarde, seu filho rasgou á vontade, abafando os clamores angustiosos da nação, com a intervenção das armas estrangeiras…»

CAPITULO IV

O governo progressista cede ante as exigencias da Grã-Bretanha

Os primeiros dias de janeiro de 1890 ainda reflectiram as benignas razões dadas pelo sr. Barros Gomes ao governo inglez. Não se podia exauctorar Pereira Ferraz e Serpa Pinto – dizia o ministro e diziam alguns jornaes de Lisboa – prestando apenas credito ás informações dos funccionarios britannicos. Era necessario ouvir os dois expedicionarios e ouvir-lhes as allegações que, decerto, produziriam sobre a sua attitude em tão melindroso assumpto. Uma parte da imprensa acreditava até ingenuamente que a Inglaterra não tardaria a modificar o tom aggressivo das suas notas diplomaticas, substituindo-o por outro de feição conciliadora: «em primeiro logar, porque assim o quer o respeito devido por cada nação a todas as outras; em segundo logar, porque, se procurasse entregar á violencia a decisão d'um pleito em que devem ser ouvidos e escutados os argumentos de parte a parte e em que a justiça ou a equidade deve proferir sentença em unica instancia, não só concitaria a nossa resistencia mas, porventura, tambem provocaria a indignação do mundo». E essa parte da imprensa ia mesmo mais longe na sua ingenuidade: «A Grã-Bretanha sabe que, embora sejam enormes as suas forças comparadas com as nossas, poderia arriscar-se a revezes se desrasoadamente accendesse a guerra na Africa…»

Ao abrir-se o parlamento, o rei D. Carlos, que, pela primeira vez, se apresentava a desempenhar o seu papel constitucional de «chave de todos os poderes», lendo o classico discurso da côroa, sublinhou estas passagens, que a assembleia dos representantes da nação escutou com rara e justificada avidez:

«Recentemente as patrioticas aspirações da nação ingleza e do governo de sua magestade britannica, a dilatarem as suas vastas possessões na Africa, encontraram-se em mais d'um ponto d'esse continente, com o firme proposito de Portugal de conservar sob o seu dominio e de utilisar para a civilisação os territorios africanos que primeiro foram descobertos e trilhados pelos portuguezes, por elles foram revelados e abertos ás missões do christianismo e ás operações do commercio e nos quaes as auctoridades portuguezas teem praticado os actos de jurisdicção e influencia consentaneos ao estado social dos seus habitantes, actos que sempre bastaram para significar dominio incontestavel.

«Este encontro poz em relevo desaccordos de opinião entre o meu governo e o de sua magestade britannica ácêrca das condições a que devem satisfazer e dos titulos que teem de adduzir as soberanias europeias em Africa, para serem reconhecidas pelas potencias, e d'esses desaccordos resultou uma correspondencia diplomatica que ainda os não poude sanar e que tambem houve de occupar-se de outras divergencias, posteriormente suscitadas, sobre o modo de apreciar um conflicto, occorrido nas margens do Chire, entre uma tribu indigena e uma expedição scientifica portugueza. O meu governo, inspirando-se no sentimento nacional e conformando-se com o voto unanime das duas casas do parlamento, tem diligenciado convencer o de sua magestade britannica do direito que assiste a Portugal de reger os territorios ao sul e norte do Zambeze sobre que versa a mencionada correspondencia, limitando-se, durante o incidente e em todos os seus termos, a manter dominios que sempre reivindicou, e reiterar declarações que sempre fez. E n'esta attitude persistirá com o apoio, que decerto lhe não ha de faltar, dos representantes da nação, esperando conseguir uma equitativa conciliação de todos os legitimos interesses, que promptamente restabeleça, como eu desejo, o perfeito accordo entre os governos de duas nações ligadas por vinculos de amizade e tradicções seculares».

Pura illusão! No dia 5 de janeiro, o ministro inglez em Lisboa, rebatendo a asseveração do sr. Barros Gomes de que Serpa Pinto, travando combate com os makololos, se limitara a «repellir o ataque d'uma tribu hostil» escrevia-lhe notando que «essa asseveração não parecia ao seu governo de muito peso, pois que a acção dos makololos, quer tivessem ou não tomado a offensiva, fôra unicamente determinada pelo desejo de proteger o seu territorio contra a invasão dos portuguezes». A questão attingia, evidentemente, a sua phase aguda. O Times, referindo-se-lhe, dizia que, se a Inglaterra não tomasse promptas providencias «para apagar a impressão causada pelas incursões do major Serpa Pinto, toda a região dos Lagos Africanos se incendiaria; os makololos tinham visto a Inglaterra grosseiramente ultrajada; era necessario que a vissem reivindicar claramente a sua honra». Por outro lado, o governo portuguez, desejoso, sem duvida, de attenuar um pouco a irritação que o da Grã-Bretanha denunciara na nota de 5 de janeiro, havia ordenado a Serpa Pinto que recolhesse á metropole. Mas nem com isso o colosso amorteceu a pancada.

O sr. Barros Gomes tentou então propôr a suspensão temporaria de qualquer procedimento e submetter o litigio ao exame e decisão d'uma conferencia internacional. Trabalho inutil. Á nota do dia 8 d'aquelle mez, em que o sr. Barros Gomes lamentava que a Inglaterra nunca tivesse reconhecido o direito historico constantemente affirmado por Portugal aos territorios do Chire e do Nyassa, a essa nota, o ministro Petre respondeu no dia 10 com um memorandum– guarda avançada da exigencia formal. «O governo britannico, frisava esse documento, precisa saber se foram ou não enviadas instrucções rigorosas ás auctoridades portuguezas em Moçambique com referencia aos actos de força e ao exercicio de jurisdicção que ali subsistem actualmente». E, quasi sem dar tempo a que a sr. Barros Gomes digerisse o tom comminatorio do memorandum, o ministro Petre entregou-lhe o famoso ultimatum concebido n'estes termos:

O governo de sua magestade britannica não pode acceitar como satisfatorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo portuguez, taes como as interpreta. O consul interino de sua magestade em Moçambique telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda occupando o Chire e que Kalunga e outros logares mais no territorio dos makololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o governo de sua magestade deseja e em que insiste é no seguinte:

Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas immediatas para que todas e quaesquer forças militares actualmente no Chire e nos paizes dos makololos e mashonas se retirem. O governo de sua magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo portuguez são illusorias.

Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatoria á precedente intimação não fôr por elle recebida esta tarde; o navio de sua magestade «Enchantress» está em Vigo esperando as suas ordens.

O ultimatum tinha a data de 11 de janeiro. No mesmo dia o sr. Barros Gomes entregava ao ministro inglez a resposta. Não a transcrevemos na integra, dada a sua extensão. Registem-se comtudo os seus pontos essenciaes. Abria pela declaração infantil de que o governo portuguez julgava ter, com a sua nota do dia 8, satisfeito «por inteiro quanto d'elle reclamava o de sua magestade britannica; antecipando-se á segurança d'uma justa reciprocidade, que devia constituir o natural preliminar das suas resoluções, apressara-se a enviar para Moçambique as ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar desde logo, em toda a provincia, o compromisso tomado, no intuito de facilitar a realisação d'um accordo com a Grã-Bretanha, pelo qual o governo portuguez sempre pugnara». A resposta do sr. Barros Gomes fechava assim:

Na presença d'uma ruptura imminente de relações com a Grã-Bretanha e de todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo de sua magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas e, resalvando por todas as formas os direitos da corôa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere o artigo 12.º do Acto Geral de Berlim, de ver resolvido definitivamente o assumpto em litigio por uma mediação ou pela arbitragem, o governo de sua magestade vae expedir para o governador geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha. Aproveito a occasião para renovar a v. ex.ª as seguranças da minha alta consideração.

Resumindo: se a intimação era cathegorica, e a ameaça do governo inglez resumava inilludivelmente o proposito de vexar, de humilhar o pequeno paiz ao qual ella se dirigia, a resposta não podia ser mais subserviente, apesar do fraco esboço de protesto com apoio no direito internacional consignado nas ultimas linhas do documento. Ao pontapé vibrado impiedosamente pela Inglaterra, Portugal offerecia uma curvatura de espinha só propria d'um lacaio… Custa dizel-o sem disfarce, mas é a verdade.

A noticia do ultimatum foi divulgada em Lisboa poucas horas depois do sr. Barros Gomes a ter recebido. No dia 12 de manhã, um jornal dos de maior circulação exclamava, em typo graúdo, no logar mais saliente da sua primeira pagina:

«O governo inglez, o philantropico e honesto governo inglez, recorreu, emfim, ao argumento que lhe é usual nas discordias com os povos pequenos. Recorreu ao argumento da força! O governo portuguez recebeu uma intimação formal: ou dá promptas satisfações, n'um curto praso, que deveria ter terminado ás 2 horas da manhã de hoje, ou marcha sobre Lisboa a poderosa esquadra que está reunida em Gibraltar, com ordem de bombardear a capital de Portugal! Lisboa, a nossa querida e formosissima Lisboa, bombardeada pelos canhões da Inglaterra! A cidade de onde partiram os descobridores audazes que deram ao mundo – e no mundo mais que a nenhum outro povo, ao povo britannico – a America prodigiosa, e essa Asia, onde a Inglaterra tem o seu grande imperio, e essa Africa, por um ponto insignificante da qual se levanta o presente conflicto – a cidade dos navegadores heroicos e generosos, destruida a tiros de peça pelos couraçados da nação colonial por excellencia! É phantasticamente horrivel!

«Que respondeu o governo? Salvou a sua honra, ou salvou a historia d'esta immensa vergonha, e Lisboa d'esta immensa catastrophe? Nada podemos averiguar. O ministerio esteve reunido até alta noite e do que decidiu só hoje, provavelmente, haverá conhecimento. A hora não é de recriminações. Aguardemos com serenidade e com firmeza o que o destino, a imprevidencia dos homens e a rapacidade d'uma nação egoista e desalmada nos preparam n'este momento solemne da nossa historia!»

Estava lançado o rebate. O povo, a genuina massa do povo, não tardaria a entrar em scena, manifestando-se por uma fórma até então desconhecida pelos serventuarios da monarchia – explodindo indignação e sincero patriotismo. O partido republicano, firmando-se n'esse impulso da opinião, adquiria novo alento e preparava-se para ulteriores trabalhos de propaganda, mais forte, melhor orientada e, sobretudo, de maior efficacia.

CAPITULO V

O protesto contra o "ultimatum" echoa de norte a sul do paiz

O domingo 12, isto é, o dia immediato ao da recepção do ultimatum, consagrou-o a população lisboeta a commentar o acontecimento. Uma parte da imprensa, fazendo o resumo do conflicto diplomatico que desfechara na affronta despedida pela Grã-Bretanha, accrescentava que, emquanto o ministro inglez sr. Petre entregava a intimação formal ao sr. Barros Gomes, este recebia do governador de Cabo Verde um telegramma communicando-lhe que entrara no porto de S. Vicente com carta de prego um cruzador britannico; o nosso consul em Gibraltar avisava-o, por seu turno, de que a esquadra do Canal lá estava concentrada, prompta ao primeiro aviso; o consul em Zanzibar tambem telegraphava participando a sahida para as costas de Moçambique de dez navios de guerra inglezes, acompanhados de um transporte com carvão e mantimentos. Perante esta situação, o governo consultara o conselho de Estado, que reunira sob a presidencia do rei D. Carlos. No conselho tinham votado pela satisfação ás exigencias da Inglaterra os srs. Barjona de Freitas, José Luciano de Castro, conde de S. Lourenço, Barros Gomes e João Chrysostomo. O sr. Antonio de Serpa manifestára-se pela arbitragem e por que só fossem mandadas retirar as forças portuguezas do Chire depois da Inglaterra a acceitar.

Á tarde, apesar da excitação popular já ser bem visivel, o rei D. Carlos exhibiu-se em passeio na Avenida da Liberdade e seu irmão o infante D. Affonso percorreu á desfilada varios pontos da cidade, mostrando-se um e outro completamente alheiados do facto que enlutára a nação. Ao começo da noite formaram-se grupos numerosos no Rocio e como do Colyseu da rua da Palma sahisse, em certa altura, um cortejo de patriotas que soltavam calorosos vivas á nação, ao exercito e á imprensa e morras ao governo e á Inglaterra, os grupos addicionaram-se-lhes e uma enorme multidão dirigiu os passos para a Sociedade de Geographia. Ahi, d'uma das varandas, falou o sr. Luciano Cordeiro:

– A Inglaterra, trovejou, pode expulsar-nos pela força, mas o direito subsiste! Precisamos protestar contra a pirataria britannica!..

Mas, da multidão, elevaram-se outras vozes:

– E contra o governo que nos atraiçoou! E contra os Braganças que nos jungiram á Inglaterra!..

Depois, a grande massa dos manifestantes subiu á parte alta da cidade a saudar a imprensa, que se collocára abertamente ao lado do povo, verberando a affronta. As redacções do Seculo, Revolução de Setembro, Jornal da Noite, Jornal do Commercio, Debates, Correio da Manhã e Gazeta de Portugal foram alvo de manifestações de sympathia. Á passagem em frente da redacção do Dia, alguns dos populares deram palmas emquanto outros se limitaram a bradar: «Viva Portugal! Abaixo a Inglaterra!». Em frente ao Correio da Noite produziu-se uma manifestação hostil ao governo, manifestação que se repetiu junto do Reporter e que redobrou de violencia em frente das Novidades, com morras ao sr. Emygdio Navarro, aos «progressistas traidores» e gritos de: «Abaixo o chalet! Viva a Republica!»

Na rua Serpa Pinto, a multidão, lembrando-se do nome do official que derrotara os makololos, rompeu em estrepitosas acclamações em sua honra. O enthusiasmo attingiu proporções indescriptiveis. Do terceiro andar d'uma casa habitada por uma modista, falou um academico convidando os collegas a realisarem no dia seguinte um grande cortejo patriotico. Foi delirantemente applaudido. Da rua Serpa Pinto, a massa popular avançou depois sobre o theatro de S. Carlos e irrompeu na sala dando vivas á patria e clamando contra a Inglaterra. Os habitués da nossa Opera, — a jeunesse dorée– tranzidos de pavor, não lhe oppuzeram a menor resistencia. Dentro e fora do edificio os manifestantes gritavam:

– Hoje não é dia de espectaculo, é dia de luto!..

Sahindo de S. Carlos, alguem lembrou que o consulado inglez era na rua das Flores. O rastilho propagou-se. N'um abrir e fechar d'olhos, a casa do consul foi apedrejada, arrancando-se da parede o respectivo escudo. Apedrejaram egualmente a residencia do sr. Barros Gomes. E, só quando a policia interveiu, prendendo 61 dos populares, é que a mole se desfez, mas preparando in mente para o dia seguinte novas e incisivas manifestações de antipathia á Grã-Bretanha e ao governo que promptamente se lhe submettera. Entretanto, esse ministerio pedia a demissão, abalado pelos primeiros symptomas da reacção nacional. Para mais o movimento de protesto não se limitára a Lisboa. Repercutira de norte a sul do paiz, revelando energias civicas que desnorteavam por completo a corôa e os partidos da monarchia.

No dia 13 de janeiro, os estudantes da capital effectuaram uma reunião na Escola Polytechnica, reunião a que compareceram os alumnos da Escola Naval, da Escola do Exercito e do Collegio Militar. Presidiu o sr. Hygino de Sousa e falaram varios oradores, todos elles estygmatisando com violencia a affronta ingleza e aconselhando a boycottage aos productos da Grã-Bretanha. Um professor do lyceu de Lisboa, sr. Carlos de Mello, tentou, n'um discurso habil, defender o sr. Barros Gomes, mas a assembléa recebeu pessimamente as suas palavras e foi resolvido acto continuo que a academia se dirigisse á camara dos pares a pedir ao parlamento declarações terminantes que serenassem o espirito publico. Assim se fez e um cortejo de mais de quinze mil pessoas, sahindo da Escola Polytechnica, encaminhou-se para S. Bento.

Á entrada do Largo das Côrtes, do lado do mercado, um cordão de policias pretendeu impedir a passagem aos manifestantes, mas o cortejo rompeu-o e tudo passou. A guarda do palacio chamou ás armas e calou bayonetas. Em frente do edificio, destacou-se do cortejo uma commissão que foi falar ao presidente da camara. A policia dentro e fora do edificio era em tão grande quantidade que Fialho d'Almeida soltou esta boutade:

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