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A agua profunda
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A agua profunda

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Se taes pesquizas são já difficeis e trabalhosas para um homem que tem o previlegio de poder andar por toda a parte, quasi sem ser notado, para uma mulher, nova, bonita e um tanto elegante, tornam-se impossiveis. Deve-se pensar. Não lhe é permitido sahir de casa senão vestida com fato proprio da sua classe. Basta isto para limitar muito o seu campo d'acção. Ha agencias particulares cujos prospectos, com promessas de segredo absoluto, pontualidade e rapidez, são enviados, de tempos a tempos, pelo correio, ás diversas pessoas que, por qualquer motivo, figuram em um dos numerosos annuarios do mundo parisiense, grande ou pequeno. Joanna tinha muitas vezes ouvido falar a alguns homens do meio em que vivia havia dez annos, do perigo de similhantes processos, para se expôr, de caso pensado, em emprezas certas de exploração e talvez de chantage.

Revelar a policias incompetentes o vehemente desejo de saber o segredo de sua prima, não era pol-os ao corrente de outro segredo – o seu?

Estes obstaculos, levantados deante da curiosidade do mundo, explicam como tantas historias adivinhadas e assacadas á bocca pequena, ficam sempre inverificadas, e, portanto, facilmente negaveis. Poucas pessoas teem geralmente um tão grande interesse em as conhecer nos seus mais intimos e insignificantes detalhes, que se aventurem a arrostar com tantas difficuldades.

A mór parte permanece n'uma incerteza que lhes permitte misturar justos indicios com infames calumnias, alliviando a sua consciencia com estas phrases classicas:

«Em todo o caso se não é verdade, podia muito bem sel-o!.. – Se é possivel acreditar-se tudo quanto se diz!.. – Eu cá nada vi, e isto são coisas tão graves!..» – indulgentes formulas tão deploraveis como os ditos maliciosos que pretendem attenuar.

Attestam bem quanta leviandade ha nas conversas dos salões e dos clubs, e tambem que n'ellas caminham a par o indifferentismo e a ferocidade!

Mas a baroneza de Node não se achava em presença de um «diz-se», tratava-se d'um facto, com consequencias funestas!

O procurar conhecer toda a verdade, sem compromisso proprio, tendo a luctar com a finura d'uma mulher tão prudente, que havia sido necessario um inacreditavel concurso de circumstancias para pôr a sua parenta mais proxima, quasi sua irmã, sobre esta pista, muito vaga, quasi perdida já – é trabalho para esgotar todas as paciencias, mas não a d'uma invejosa!

Quando, um pouco antes das oito horas, a baroneza sahiu de caza para ir jantar com os Guy de Sarliévre, das relações de ambas, e aonde sua prima devia tambem estar – a resolução de pôr inteiramente a claro o enygma, que subitamente se lhe deparou, era tão irrevogavel como um juramento corso, e a primitiva idéa estava posta de parte.

O ardor d'uma lucta começada – a mais forte das sensações para os nervos d'uma parisiense de habitos tão monotonos – dava á sua belleza, um tanto apagada, uma animação singular. Os olhos pretos, a que faltava muitas vezes a expressão, tinham um brilho desusado; o rosto quasi sempre descórado, um vivo colorido; toda a sua pessoa, mixto de frieza e fadiga, muita vitalidade e movimento.

A impaciencia de tornar a ver Valentina obrigara-a a partir muito cedo para a casa aonde ia jantar, chegando a sua nevrose ao mais elevado grau, quando a marqueza de Chalinhy que, por acaso, foi a ultima a apparecer, entrou, acompanhada pelo marido, na sala em que se achavam reunidos os convidados – quatorze, contando os recem-chegados.

A marqueza tinha aquella expressão de doçura e candidez que tão bem sabia guardar, mesmo quando vestia uma toilette de soirée, que punha inteiramente a descoberto os seus hombros finos opulentos, os braços d'um contorno delicioso, a nuca graciosa e robusta – toda a graça dos seus trinta annos. Era o agrado da sua encantadora cabeça de cabellos louros, illuminada pelos olhos d'um azul tão curioso – era o pudor, e a pureza.

N'este dia usava um vestido á moda do tempo de Luiz XIII, d'uma tonalidade rosea, com bordados antigos, laços de setim e fivelas de diamantes. O penteado, em dois espessos bandós, d'onde se escapavam sobre a testa pequenos anneis, harmonisava com a toilette e lembrava os retratos d'essas mulheres do primeiro quartel do seculo XVII, que realisavam tão completamente o typo exquisito da franceza de outro tempo, por uma mistura unica de delicadeza e distincção, feminidade e sensatez, gentileza e honestidade.

– «Não é deliciosa esta gentil Chalinhy?..» perguntou alguem atraz da baroneza de Node, «é preciso que Norberto seja muito tolo para não o comprehender, pois não é verdade?..»

Era o duque de Arcole que assim falava, dirigindo-se ao visinho, um dos irmãos Mosé, o conde Abel, um dos parisienses mais circumspectos da sociedade elegante; tão circumspecto que Luciano d'Arcole ficou sem resposta.

A justificação de bravo official, que tem um nome glorioso, estava em que, mesmo com licença, só pensava no seu esquadrão. Não tinha reparado que a amante de Chalinhy se achava na sua frente. A um rapido signal, uma leve inclinação de cabeça, feito por Mosé, percebeu a sua inconveniencia. Joanna, que os via perfeitamente no espelho que lhe ficava fronteiro, poude observar o gesto dissimulado de Mosé, e que o duque se ruborisou um pouco.

Quando reconhecia por estes e outros pequenos indicios que se suspeitava da sua aventura com Norberto, sentia uma viva irritação. N'aquelle momento, foi-lhe quasi intoleravel que o elogio da prima fosse misturado com uma expressão mal contida da censura com que a sociedade a feria.

Desejaria poder gritar a Mosé, ao duque de Arcole, a todos os presentes, os quaes estava bem certa d'isso, tinham já ouvido censurar ou elles mesmo censurado a sua falta: «Sim, Chalinhy é meu amante.

«É verdade, atraiçoa a mulher comigo. Mas perguntai-lhe tambem a ella, para que entrevista ia hoje, de carruagem, ás 3 horas da tarde?..»Desejaria tambem poder fulminar com aquella phrase vingadora o proprio Chalinhy que se lhe dirigiu para a cumprimentar, com um certo ar de constrangimento, que já por mais vezes lhe tinha notado, quando estavam em publico. Nunca se tinha podido habituar a taes reservas, muito insultantes para esta ligação, e contra as quaes só as suas caricias eram soberanas – durante os momentos em que as proporcionava a esse amante, ao mesmo tempo tão invejavel como incomprehensivel.

Quizera ainda dirigir a phrase insultuosa á propria Valentina, cuja doce serenidade contrastava, d'uma maneira imprudente, com o seu procedimento d'aquelle dia, se tal procedimento era culposo, e a verdadeira confirmação d'essa culpabilidade seria a resposta á pergunta insidiosa que sua prima ia fazer-lhe em seguida – primeiro passo andado no caminho d'uma devassa que, por perfidia, se devia transformar, bem depressa, em denuncia.

– «Cheguei a imaginar que mudarias de tenção» começou Joanna, «e que me mandasses dizer esta manhã que podiamos sahir juntas. Esperei, porém, em vão, uma palavra tua…»

– «Acompanhar-te-hei ámanhã se quizeres, respondeu Valentina. Hoje não tive um momento de meu. Tinha muitas coisas atrazadas que pôr em ordem. Para a semana vamos para Pont-Yonne…»

– «Percebo, poseste as tuas visitas em dia. Onde foste então?»

– «Oh! A dez casas differentes e só em duas deixei bilhetes.»

– «A maior parte das familias das minhas relações são estrangeiras. É esta a sua estação em Paris; mas não se comprehende muito bem o que veem cá fazer, visto estarem sempre em casa.»

Annunciava-se que ia ser servido o jantar, na occasião em que Valentina acabava de descrever a sua prima como tinha occupado toda a tarde d'esse dia, acompanhando a descripção com um sorriso tão infantil, tão fresco, que punha de parte qualquer idêa de mentira.

As duas primas separaram-se.

A senhora de Sarliévre, na qualidade de dona de casa, julgava faltar a um dever de delicadeza, se não proporcionasse a duas pessoas, suspeitas d'um amor clandestino, estando em sua casa, mais uma occasião de passarem algumas horas ao lado uma da outra. Reservou tambem, naturalmente, a Chalinhy o prazer de conduzir para a mesa a baronesa de Node. É o processo habitualmente empregado em Paris, pelas mulheres levianas, quando desejam que lhes façam o mesmo, e pelas mulheres honestas, quando querem recrutar frequentadores assiduos para os seus salões.

Enganam-se muitas vezes, pensando que, procedendo por esta fórma, são agradaveis para com os seus convivas.

Acontece frequentemente que estas complacencias obrigam amantes arrufados a uma visinhança deveras incommoda e impertinente. Acontece tambem que magoam certas susceptibilidades um pouco desconfiadas, como sendo uma indelicadesa. É mostrar muito claramente que se conhecem os segredos da sua vida. Chalinhy pertencia ao grupo dos amorosos susceptiveis.

Vinte vezes Joanna de Node o tinha visto, em jantares como este, sentar-se junto d'ella com o mesmo aspecto melancolico, contrafeito, com os mesmos modos retrahidos d'um homem que se encontra n'uma situação falsa, e vinte vezes lhe disse, para o empolgar, para readquirir o imperio sobre elle, phrases de estimulante ternura como a que lhe murmurou, quasi em segredo, aproveitando o primeiro bulicio da instalação á mesa:

– «É uma felicidade para mim passarmos juntos alguns momentos. Ha mais de uma semana que lá não vaes».

– «Sabes perfeitamente que a culpa não é minha, tenho caçado quasi todos os dias…»

– «Sei tambem que isso te não pode servir de desculpa,» disse galantemente. «Tinhas um ar tão contrafeito quando a Emiliana te pediu para me conduzires á mesa…»

– «Respeito-te muito,» replicou, «por isso confesso-te que fiquei contrariado… Sempre que jantamos fóra, nos collocam propositadamente um junto do outro. Sei perfeitamente o que isto significa…»

– «E eu tambem,» respondeu ella. «Sejamos francos, Norberto, não é a minha pessoa que te preoccupa…»

– «Quem é então?..»

Joanna lançou um olhar para o lado de Valentina, d'uma significação tão clara que Chalinhy respondeu vivamente:

– «E se tiver por ella toda a consideração? Se desejar evitar-lhe um desgosto?»

– «E imaginas que ella tem a teu respeito iguaes sentimentos?» replicou a amante. Depois, com uma expressão singular que ainda esse dia não tinha tido, deixou escapar dos seus labios um: «Estás bem certo d'isso?» que acompanhou com um sorriso ainda mais singular, e voltou-se para o visinho do lado, que lhe perguntou:

– «O que está dizendo o Chalinhy que tanto a faz rir?..»

– «Oh! nada», respondeu, «é a historia d'um marido. São sempre divertidas.»

Poz-se a rir, mas mais alegremente, da enormidade da sua insolencia. Não pensou senão no effeito a produzir em Chalinhy, e, por acaso, o visinho a quem se dirigiu n'aquelles termos, era nem mais nem menos do que Paulo Moraines, o marido «mais marido» de toda aquella sociedade. Peor do que isso. Era publico e notorio que o luxo da sua esposa fôra pago primeiramente pelo velho Desforges e depois por um outro dos Mosé, o conde Abrahão. Mas Moraines não desconfiou nunca das galanterias venaes da sua Suzanna – da aventura com o elegante Casal, por exemplo, ou da ligação com o poeta René Vincy.

A herança inesperada da senhora Bois-Daufraines – prima afastada de Suzanna Moraines – veio trazer ao casal dois milhões de francos, justamente no momento em que os Desforges e Mosé iam começar a fazer falta, agora que a idade chegava com o seu fatal cortejo: pontos dourados na alvura dos dentes, tranças postiças e espartilhos reparadores! Paulo Moraines tinha a mania de contar a toda a gente a historia d'essa herança, em todos os pormenores, e accrescentava invariavelmente: «Vejam o que é ter uma mulher inteligente. Quasi que nem chegámos a perceber que tinhamos alguns milhares de libras de renda a mais, tão boa dona de casa ella é!»

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