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Guerras do Alecrim e da Manjerona
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Guerras do Alecrim e da Manjerona

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Dom Lancerote: Mostra cá o dedo.

Semicúpio: (à parte) Agradeço o anel.

Dom Tibúrcio: E a força que tem o selvagem!

Sevadilha: Eu não posso com ele.

Semicúpio: Lá vai o dedo polegar c’os diabos? Eu estou capaz de tornar a mim, antes que me deixem despedaçado.

Dom Lancerote: Borrifa-o, Fagundes.

Fagundes: Ora deixem-no comigo. (Borrifa-o).

Semicúpio: Pó diabo! E o que fedem os borrifos da velha! A maldita parece que tem apostema no bofe.

Dona Nize: Não se cansem, que ele não torna a si tão cedo.

Semicúpio: Essa é a verdade.

Fagundes: Mas, pelo sim pelo não, eu lhe vazo esta quarta; que quando Deus quer, água fria é mezinha.

Semicúpio: (à parte) Valha-te o diabo, que me deitaste água na fervura! Eu não tenho mais remédio, que aquietar-me, senão virá como remédio algum pau santo sobre mim.

Fagundes: Senhores, ele está mais sossegado depois da água, venham jantar que a mesa está posta.

Dom Lancerote: Vai buscar o meu capote, e cobre-o que está tremendo o miserável.

Semicúpio: (à parte) É maravilha, que um miserável cubra ouro.

Dom Tibúrcio: Aquilo são convulsões; mas bom é cobri-lo por amor do ar.

(Entra Fagundes com um capote)

Fagundes: Eis ai o capote; se ele o babar, babado ficará.

Semicúpio: (à parte) Anda, tola, que não me babo.

Dom Lancerote: Tu, Sevadilha, tem sentido neste homem, enquanto jantamos; vinde, Sobrinho. (vai-se).

Dom Tibúrcio: Vamos, que tenho uma fome horrenda. (vai-se)

Dona Nize: É galante figura o tal meu primo. (vai-se).

Dona Clóris: Fagundes, agasalha esse alecrim. (vai-se).

Fagundes: Tanto me importa; se fora Manjerona, ainda, ainda. (vai-se).

Sevadilha: Só isto me faltava, ficar eu guardando a este defunto!

Semicúpio: Vejamos quem é esta Sevadilha, que ficou por minha enfermeira. Ai que suponho que é a menina do malmequer, que lá traz um no cabelo. Vamo-no erguendo, por ver se nos quer bem. (vai-se erguendo).

Sevadilha: Deite-se, deite-se. Ai, que o homem tem frenesis! Acudam cá.

Semicúpio: Cala-te, Sevadilha, não perturbes esta primeira ocasião de meu amor.

Sevadilha: Deixe-se estar coberto.

Semicúpio: Bem sei, que o calafrio de meu amor é tão grande, que se pode cobrir diante d’El-Rei; mas confesso-te que já não posso aturar o gravame deste capote.

Sevadilha: Ai, que o homem está louco, e furioso!

Semicúpio: A fúria com que te ausentas me faz enlouquecer; não fujas, Sevadilha, que eu sou aquele sujeito do malmequer, e tão sujeito aos teus impérios, que sou um criado de vossa mercê.

Sevadilha: Eu te arrenego, maldito homem! Tu és o desta manhã?

Semicúpio: Cuidavas que não havia saber modo para ver-te?

Sevadilha: Queres que vá chamar a Dona Clóris, ou Dona Nize?

Semicúpio: Logo irás chamar a Dona Clóris, mas primeiro atende à chama de meu amor que se o fogo tem línguas, e as paredes tem ouvidos, bem pode a dura parede de teu rigor escutar a labareda em que me abraso: muita coisinha te poderia eu dizer; porém a ocasião não é para isso.

Sevadilha: Nem eu estou para essoutro.

Semicúpio: Eu o dissera, que o teu malmequer não é para menos.

Sevadilha: Nem a tua pessoa é para mais.

Semicúpio: Pois isso é deveras? Olha, que desconfio.

Sevadilha: Bem aviada estou eu! Bom amante tenho! Bonito eras tu para aturar vinte anos de desprezos, como há muitos que aturam, levando com as janelas nos narizes, dormindo pelas escadas, aturando calmas, sofrendo geadas, apurando-se em Romances, dando descantes, feitos estátuas de amor no templo de Vênus, e contudo estão muito contentes da sua vida; e assim para que me buscas?

Semicúpio: Para que me desenganes, se me queres, ou não.

Sevadilha: Pergunta-o ao malmequer, que ele t’o dirá.

Semicúpio: Se eu o tivera, aqui, fizera esta experiência.

Sevadilha: E onde está o que eu te dei?

Semicúpio: Lá o tenho empapelado, que cuido que o ar m’o leva.

Sevadilha: Assim te leve o diabo.

Semicúpio: Levará que é muito capaz disso. Pois em que ficamos? Bem me queres, ou mal me queres?

Sevadilha: Apanha aquele malmequer, que está junto àquela porta, e pergunta-lho, que ele to dirá.

Semicúpio: Pois acaso nas folhas do malmequer, estão escritos os teus amores, ou os teus desdéns?

Sevadilha: Da mesma sorte que a buena dicha na palma da mão.

Semicúpio: Eu vou apanhar o dito malmequer. (vai-se)

Sevadilha: Quem me dera que ficasse em malmequer para o fazer andar à prática!

(Entra Semicúpio com um malmequer)

Semicúpio: Eis aqui o malmequer: ora vamos a isso; que se há flores que são desengano da vida, esta o será do amor. Sevadilha, toma sentido, vê se fica no bem-me-quer.

Sevadilha: Isto é como uma sorte.

Semicúpio: Queira Deus não se converta o malmequer em azar. Tem sentido.

Sevadilha: Amor,se sai a coisa como eu quero, eu te prometo um arco de pipa, e uma venda nos Remolares em que ganhes muito dinheiro.

Canta Semicúpio a seguinte

ÁriaOráculo de amorPropício me respondeNas ânsias deste ardorBem me queres, mal me queresBem me queres, disse a flor.Ai de mim, que me quer malTeu ingrato malmequerAcabou-se o meu cuidado,Que mais tenho que esperara?Vou-me agora regalar,Levar boa vida, comer, e beber.

(Entra Dona Clóris)

Dona Clóris: Oh! Quanto folgo que já estejas bom!

Semicúpio: E tão bom que parece que nunca tive nada.

Dona Clóris: Com que saraste?

Semicúpio: Com o mesmo mal; porque também há males que vêm por bem.

Dona Clóris: Que dizes, que te não entendo? Estás louco?

Semicúpio: Meu amo ainda o está mais do que eu, desde que te viu assim por maior esta manhã; e assim para significar-te a tremendíssima eficácia de seu amor, aqui me manda a teus pés, minto, aos teus átomos, para que com os disfarces do Alecrim possa merecer os teus agrados.

Dona Clóris: Sevadilha, põe-te a espreitar não venha alguém.

Sevadilha: Sim Senhora. Arrelá como ardil do homem! (vai-se)

Dona Clóris: E quem é esse teu ano que tanto me adora?

Semicúpio: É o Senhor Dom Gilvaz, cavalheiro de tão lindas prendas, com verbi gratia Londres e Paris.

Dona Clóris: Que oficio tem?

Semicúpio: Há de ter um de defuntos, quando morrer.

Dona Clóris: E enquanto vivo, em que se ocupa?

Semicúpio: Em morrer por vossa mercê.

Dona Clóris: Fala a propósito.

Semicúpio: Senhora, meu amo não necessita de ofícios para manter os seus estados , porque tem várias propriedades consigo muito boas; além disso tem uma quinta na semana, que fica entre a quarta e a sexta, tão grande que é necessário vinte e quatro horas, para se correr toda.

Dona Clóris: Quanto fará toda de renda?

Semicúpio: Não se pode saber ao certo; sei que tem várias rendas em Flandres, e outras em Peniche, e estas bem grossas; também tem um foro de fidalgo, e um juro de nobreza.

Dona Clóris: Basta que é fidalgo?

Semicúpio: Como as estrelas, que as vê ao meio-dia, e as estas horas não vê outra coisa; e certamente lhe posso dizer que é tão antiga a sua descendência, que diz muita gente, que descende de Adão.

Dona Clóris: Se isso é assim, talvez, que me incline a quere-lo para meu esposo.

Semicúpio: Venha a resposta, senhora, que meu amo está esperando com língua de palmo.

Dona Clóris: Pois ouve o que lhe hás de dizer.

Canta Dona Clóris a seguinte

ÁriaDirás ao meu bem,Que não desconfie,Que adore, que espere,Que não desespere,Que à sua firmeza Constante serei.Que firme eu tambémA tanta finezaAmante, constanteExtremos farei. (vai-se)

Semicúpio: Vencido está o negocio; mas o capote do velha cá não há de ficar por vida de Semicúpio; que se a ocasião faz o ladrão, hei de sê-lo por não perder a ocasião. (vai-se com o capote).

(Entra Sevadilha)

Sevadilha: Espera, homem, onde levas o capote? E foi-se como um cesto rosto? Ai, mofina desgraçada, que há de ser de mim se meu amo não achar o seu rico capote?

(Entra Dom Lancerote)

Dom Lancerote: Já sarou o homem, Sevadilha?

Sevadilha: Sim, Senhor.

Dom Lancerote: Já se foi?

Sevadilha: Sim, Senhor.

Dom Lancerote: Guardaste o capote?

Sevadilha: (à parte) Ai é ela.

Dom Lancerote: Não ouves? Guardaste o capote?

Sevadilha: Qual capote?

Dom Lancerote: O meu.

Sevadilha: Qual meu?

Dom Lancerote: O meu de Saragoça.

Sevadilha: Ah sim, o capote do homem do Alecrim?

Dom Lancerote: Qual homem?

Sevadilha: O do acidente.

Dom Lancerote: Tu zombas?

Sevadilha: Zombaria fora, o homem levou o capote.

Dom Lancerote: O meu capote?

Sevadilha: Eu não sei, se ele era de vossa mercê, o que sei é que o homem do Alecrim levou um capote, com que estava coberto.

Dom Lancerote: E como o levou?

Sevadilha: Nos ombros.

Dom Lancerote: O meu capote furtado?

Sevadilha: Pois nunca se viu furtar um capote?

Dom Lancerote: Não, bribantona, que era um capote aquele que nunca ninguém o furtou. Oh, dia infeliz, dia aziago, dia indigno de que o Sol te visite com os seus raios!

Sevadilha: Santa Bárbara!

Dom Lancerote: Tu, descuidada, hás de por para ali o meu capote, ou do corpo t’o hei de tirar.

Sevadilha: Como m’o há de tirar do corpo se eu o não tenho?

Dom Lancerote: Desta sorte.

Cantam Dom Lancerote e Sevadilha: a seguinte

Ária a duo

Dom Lancerote:

Moça tonta, descuidada,

Sevadilha:

Há mulher mais desgraçadaNeste mundo? Não, não há.

Dom Lancerote:

Se não dás o meu capote,Tua capa hei de rasgar.

Sevadilha:

Não me rasgue a minha capa.

Dom Lancerote:

Dá-me, moça o meu capote.

Sevadilha:

Minha capa.

Dom Lancerote:

Meu capote.

Ambos:

Trata logo de o pagar.

Dom Lancerote:

Meu capote assim furtado!

Sevadilha:

Meu adorno assim rasgado!

Ambos:

Que desgraça!

Dom Lancerote:

Contra a moça.

Sevadilha:

Contra o velho.

Ambos:

A justiça hei de chamar:Meu capote donde está? (vão-se).

Cena III

Praça: no fim haverá uma janela. Entra Dom Gilvaz embuçado.

Dom Gilvaz: disse a Semicúpio que aqui o esperava; mas tarda tanto que entendo o apanharam na empresa. Mas, se será aquele, que ali vem? Não é Semicúpio que ele não tem capote. Quem será?

(Entra Semicúpio embuçado em um capote).

Semicúpio: Lá está um vulto embuçado no meio do caminho; queira Deus não me chegue ao vulto; não sei se torne para trás, mas pior é mostrar covardia; eu faço das tripas coração; vou chegando, mas sempre de longe.

Dom Gilvaz: Ele se vem chegando, e eu confesso que não estou todo trigo.

Semicúpio: Este homem não está aqui para bom fim; eu finjo-me valente: afaste-se lá, deixe-me passar, aliás o passarei.

Dom Gilvaz: Vossa mercê pode passar.

Semicúpio: ai, que é D. Gil! Pois agora farei com que me tenha por valoroso. Quem está ai? Fale, quando não despeça-se desta vida que o mando para a outra.

Dom Gilvaz: Primeiro perderá a sua, quem me intenta reconhecer.

Semicúpio: Tenha mão, Senhor Dom Gilvaz, que sou Semicúpio.

Dom Gilvaz: Se não falas, talvez que a graça te saísse cara.

Semicúpio: Igual vossa mercê, que se o não conheço pela voz, sem dúvida, Senhor Dom Gilvaz, lhe prego como o seu nome na cara.

Dom Gilvaz: Deixemos isso, dá-me novas de Dona Clóris; dize, pudeste dar-lhe o recado?

Semicúpio: Não sabe que sou o César dos alcoviteiros? Fui, vi e venci.

Dom Gilvaz: Dá-me um abraço, meu Semicúpio.

Semicúpio: Não quero abraços, venham as alvíssaras, senão emudeci como Oráculo.

Dom Gilvaz: Em casa t’as darei; conta-me primeiro, que fazia Dona Clóris?

Semicúpio: Isso são contos largos, estava toda rodeada de braseiros de Alecrim, com um grande molho dele no peito, cheirando a Rainha de Hungria, mascando Alecrim como quem masca tabaco de fumo; e como acabava de jantar, vinha palitando com um palito de Alecrim e, finalmente, senhor, com o Alecrim anda toda tão verde como se tivera tirícia.

Dom Gilvaz: E do mais que passaste?

Semicúpio: Isso é para mais de vagar, basta que saiba por ora que apenas lancei o anzol no mar da simplicidade de Dona Clóris, picando logo na minhoca do engano, ficou engasgalhada com o engodo d Emil patranhas que lhe encaixei à mão tente.

Dom Gilvaz: Incríveis são as tuas habilidades: e que capote é esse?

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