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Flores do Campo
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Год издания: 2016
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João de Deus

FLORES DO CAMPO

EMBLEMA

Camões e Byron— Scepticismo e CrençaVem d’alto gozar, lirio!Noite estrellada e tepida;A vista ao céo intrepidaLança, penetra o Empyreo.Dilata os seios tumidos;Larga este terreo albergue;Nas azas d’alma te ergue;Ergue os teus olhos humidosQue vês?– Soes, de tal sorteQue os crêra tochas pallidas,Quando as guedelhas, madidasDe sangue, arrasta a morte.– Transpõe-n’os; que, elevando-te,Por cada um d’aquelles,Milhões e milhões d’ellesVerás alumiando-te.Ávante pois, acimaDos soes d’uma luz tremula;Alma dos anjos emula!Deus o teu vôo anima.Que vês?– Um vacuo eterno.– E n’elle?– Em ermo tumulo,Em ignea letra (cumuloD’horror) Byron— o inferno.– Foge.– O horror fascina-me.São reprobos que exhalamHorridos ais que abalamO inferno: oh Deus! anima-me.– Escuta-os.– Escutemol-os.Como elles bramem, rugem,E o espaço uivando estrugem…Gelam-se os membros tremulos.– Entra.– Não posso.– Arromba.– Prohibem-m’o.– Subleva-te.– Prohibe-o Deus.– Eleva-te.Acima, ingenua pomba!Que vês? A luz clareia-me.Que céo, que azul ethereo!Oh extasi, oh mysterio!Sobeja a vida, anceia-me.– Falla.– Deus! que harmonia!Aqui a alma exalta-se;A alma aqui dilata-se…Camões!– É a poesia.

Coimbra.

A UMA CARTA ANONYMA

Não sabe a flôr quem manda a luz do dia,Nem quem lhe esparge o nectar que a deleitaAo vir raiando a aurora,E ella agradece as lagrimas que aceita,E ella as converte em balsamos que enviazAo mysterio, que adora.

Lamartine.

Coimbra.

DUAS ROSAS

Que bonita, meu amor!Que perfeita, que formosa!A ti pozeram-te Rosa,Não te fizeram favor.A rosa, quem ha que a vejaBandeando, sem gostar?Mas por mais linda que sejaA rosa, quando se embala,Não te ganha nem igualaA ti em indo a andar.A rosa tem linda côr,Não ha flôr de côr mais linda;Mas a tua côr aindaÉ mais fina e é melhor.Murcha a rosa (que desgosto!)Só de lhe a gente bulir;E essas rosas do teu rostoÉ em alguem te tocandoQue parece mesmo quandoEllas acabam de abrir.Cheiro, o da rosa, esse não,Não é mais do meu agrado,Que o teu bafo perfumado,A tua respiração.Depois a rosa em abrindoVai-se-lhe o cheiro tambem:A tua bocca em te rindoSó o bom cheiro que exhala…E quando fallas, a falla,Isso é que a rosa não tem.Ella o que tem, meu amor?O cheiro, a côr e mais nada.Confessa, rosa animada!Que és outra casta de flôr.Os olhos só elles valemDuas estrellas, bem vês;Pois vozes que a tua igualemNa doçura, na pureza,Na terra, não, com certeza;Agora no céo, talvez.Não ha assim perfeição,Não ha nada tão perfeito,Mas é um grande defeitoO de não ter coração.N’isso é que te leva a palmaA rosa, sendo uma flôr– Sem voz, sem vida, sem alma,Que abre logo á luz da auroraE á noite esconde-se e choraPelo sol, o seu amor.Ora e se a rosa, vê bem,Tem amor, não tendo vida,Será coisa permittidaTu não amares ninguem?Suppões que Deus te agradeceEssa isenção, minha flôr!Deus a ninguem reconhecePor filho senão quem ama:A terra e o céo proclamaQue elle é todo puro amor.

Messines.

A UMA MULHER

Amo-te a ti, e a Deus.Teus sonhos são riquezasTalvez e fasto. Os meus,És tu, que me desprezas.Deixal-o. Amor acasoÉ racional? Não é.O fogo em que me abrazoÉ como a luz da fé;Que além de cega, apagaO facho da razão.Ama-se e não se indagaSe se é amado ou não.Amo-te. O mais ignoro.Mas os meus ternos aisE as lagrimas que chóroPodem dizer o mais.Que chóro; se te admira.Nunca tiveste amor.Quem tem amor, suspira,E o suspirar é dôr.Ah! quando abraço e beijoO travesseiro e, assim,Acórdo e te não vejo,Vejo-me só a mim;Não sei, mulher! que anceioSe me traduz n’um ai!Confrange-se-me o seio,Rebenta o pranto e cái.Então, se por encantoFallando em ti, mas só,Todo banhado em prantoMe visses, tinhas dó.Tinhas. A piedadeÉ filha da mulher,Que sempre quiz metadeD’uma afflicção qualquer.Havias ao teu rostoDe me apertar a mim,D’encher, fartar de gosto,Todo este abysmo; sim.Vós desprezaes emboraCulto e adoraçãoDe quem vos ama; agoraAs dôres, essas não.

Messines.

A D. CANDIDA NAZARETH

Por occasião da morte de sua irmã Rachel e, poucos dias depois, de sua mãi

Despe o luto da tua soledadeE vem junto de mim, lirio esquecidoxDo orvalho do céo!Tens nos meus olhos pranto de piedade,E se és, mulher! irmã dos que hão soffrido,Mulher! sou irmão teu.Consolos não te dou, que não existeQuem de lagrimas suas nunca enxutoPossa as d’outro enxugar:Não póde allivios dar quem vive triste,Mas é-me dôce a mim chorar se escutoAlguem tambem chorar.Botão de rosa murcho á luz da aurora!Que peccado equilibra o teu martyrioNa balança de Deus?Se é como justo e bom que elle se adoraQuem te ha mudado a ti, ó rosa! em lirio,E em lirio os labios teus?Não enche elle de balsamos o calixDa flôr a mais humilde, e esses espaçosNão enche elle de luz?Não veio o Filho seu, lirio dos valles!Só por amor de nós tomar nos braçosOs braços d’uma cruz?Mulher, mulher! quando eu n’um cemiterioLevanto o pó dos tumulos sósinho:Eis, digo, eis o que eu sou.Mas quando penso bem n’esse mysterioDa virtude infeliz: vai teu caminho;Dois mundos Deus creou.Deus não dispara a setta envenenadaÁ pombinha que aos ares despediraCom mão traidora e vil.Imagem sua, Deus não volve ao nada,Não aniquila a flôr que ao chão cahiraLá d’esse eterno abril.Has-de, cysne! expirando alçar teu canto,Has-de lá quando a lua da montanhaTe acene o extremo adeus,Voar, Candida! ao céo, e ebria de encanto,No oceano d’amor que as almas banha,Unir teu canto aos seus.Seus, d’ellas, mãi e irmã, cinzas cobertasD’um só jacto de terra… oh desventura!Oh destino cruel!Vejo-as ainda ir com as mãos incertasGuiando-se uma á outra á sepultura,E a mãi: Rachel! Rachel!

Coimbra.

AMOR

Amo-te muito, muito.Reluz-me o paraisoN’um teu olhar fortuito,N’um teu fugaz sorriso.Quando em silencio fingesQue um beijo foi furtadoE o rosto desmaiadoDe côr de rosa tinges;Dir-se-ha que a rosa deveAssim ficar com pejo,Quando a furtar-lhe um beijoO zephyro se atreve;E ás vezes que te assaltaNão sei que idéa, joven!Que o rosto se te esmaltaDe lagrimas que chovem;Que fogo é que em ti lavraE as forças te aniquila,Que choras, mas tranquilla,E nem uma palavra?Oh! se essa mudez tuaÉ como a que eu conservo,Lá quando á noite observoO que no céo fluctua;Ou quando, á luz que adoro,Ás horas do infinito,Nas rochas de granitoOs braços cruzo e chóro;Amamo-nos… Não cabeEm nossa pobre linguaO que a alma sente, á minguaDe voz, que só Deus sabe.

Coimbra.

A DONZELLA E O MUSGO

Um dia, não sei que eu tinha…Uma tristeza tamanha!E lembra-me ir á montanha,Que temos aqui vizinha,Onde em tempo me entretinhaHoras e horas sósinhaQuando ainda se não estranhaQue n’uma teia de aranhaSe prenda uma innocentinha,Ou atraz d’uma avesinhaSe cance a vêr se a apanha.Depois é que o mundo fallaE se mette com a vidaDe quem ás vezes se calaPor ser mais bem procedida.Que esta gente que faz galaEm coisa, que vê, contal-a,E sendo mal permittidaInda em cima acrescental-a,Teem a lingua compridaE bem deviam cortal-a.Vou pelo córrego acima,Subo á ponta do penedo;Que a vida só quem a estimaÉ que da morte tem medo.A mesma tristeza animaA encarar a pé quedoA morte que se aproximaA tirar-nos do degredo,Que inda a gente se lastimaDe não acabar mais cedo.E alli sósinha chorandoMe lembrava, ora a venturaDa minha infancia, inda quandoLevava os dias brincando;Ora a desgraça futura,Que me estava annunciandoNão sei se a minha amargura,Se uma nuvem, grande e escura,Que se ia no ar formandoE vinha já avançando,Como que á minha procura.E ainda o pranto corriaE o cabello me batiaNo rosto, que me doía,Tal era a força do vento;Já tudo tão pardacentoA nevoa e chuva faziaQue eu olhava, mas dizia:É nuvem ou penediaAquelle vulto cinzento?O mar brilhante algum diaComo prata luzidiaJá ninguem o distinguiaDa terra e do firmamento:Uivar só é que se ouvia,Mas uivar sem sentimento;E como em grande tormentoSe desvaira a phantasia:– Fosse eu mar, disse; valiaMais ser coisa bruta e fria,Como a rocha onde me sento.Faz um trovão no momentoQue soltava esta heresia;E áquella rouca harmoniaOccorre-me um pensamento,Que me dá uma pancadaO coração de tal modo,Como se o rochedo todoDesandasse na chapada.Era a voz da conscienciaQue me accusava do crimeDe negar á ProvidenciaA razão com que me opprime.Peço perdão, commovi-meE n’um extasi sublimeLagrimas de penitencia,Como um balsamo, uma essencia,Purificam-me e senti-meCom uma nova existencia.Ólho; as nuvens esvaíam-se:Os roncos do mar ouviam-se,Mas já mais de espaço a espaço.O sol ainda tão baço,De luz tão pouco brilhante,Que se media a compassoComo a cara d’um gigante,Descobre-se e resplandece!Ao longe o mar apparece;E tudo, mar, terra e céosTão formoso me parece,Como se agora tivesseSahido das mãos de Deus!No rochedo onde descançaMeu corpo desfallecido,O verde musgo, vestidoSempre da côr da esperança,Agora reverdecido,Me ensina a ter confiançaN’esse que do céo nos lançaEm dia tempestuoso,Só para nosso repousoO arco da alliança.Pobre musgo, descuidado,Sem olhos para chorar,Sem poder alliviarCom seu pranto um desgraçado,Consolar-se e consolar!Fallas mais a meu agradoQue o livro mais afamadoD’esses livros, que em lugarDe nos dar consolação,Nos fazem cahir no chãoUm pranto mal empregado,E inda mais amarguradoNos deixam o coração.Colhi-o, pul-o no seio,E é hoje o livro que leio.

Messines.

ULTIMO ADEUS

Prestes, se inda na rocha de granitoD’onde em tempo me vias te sentares,Não olhes para a terra ou para os mares,Olha sim para o céo, que é lá que habito.Lá tão longe de ti, mas não do terno,Bondoso pai que os dois nos ha gerado,Só para mágoas não, que bem guardadoNos tem tambem no céo prazer eterno.Não se é só pó no fim de tanta mágoa.Senão, diga-me alguem que allivio é esteQue sinto, quando á abobada celesteAlevanto os meus olhos rasos d’agua.Mentem os céos tambem? Os céos maldigo.Feras, tigres, tambem o céo povôam?Tambem os labios lá sorrindo côamVeneno desleal em beijo amigo?Mas na dôr é que os astros nos sorriem,E os homens não sorriem na desdita.Astros! fio-me em vós, e Deus permittaQue os infelizes sempre em vós se fiem.Intima voz do fundo, bem do fundoD’alma me diz (e as lagrimas me saltam):Vês os milhões de soes que o espaço esmaltam?Pisa a terra a teus pés, inda ha mais mundo.Ha depois d’esta vida inda outra vida.Não se reduz a nada um grão d’arêa,E havia de a nossa alma, a nossa idêaNas ruinas do pó ficar perdida?– Isso que pensa e quer (até me admiro),Isso que a luz nos traz, que a luz nos leva,Isso que me abre o céo que ao céo me elevaN’um teu cançado olhar, n’um teu suspiro!Onde, não sei eu bem, mas sei que existeDeus remunerador. Depois de mortosHemos de vêr-nos, e um no outro absortosFartar de glorias este amor tão triste.– Tão triste, e o coração que me adivinhaN’este supplicio nosso este tormento!Nunca dos labios teus minimo alentoN’um só beijo bebi em vida minha!E morro sem te vêr! Cabeça doida,Desasisado amor! Sonhar afflictoUm sonho até morrer… Não: resuscito;Morto tenho eu vivido a vida toda.

ROSAS

Trazeis-me rosas; d’onde as heis trazido,Boa velhinha e minha boa amiga?Rosas no inverno! permitti que o diga,Sois feiticeira: d’onde as heis colhido?Na primavera de meus annos, ólho,Mas vejo abrolhos e não vejo flôres:E vós colhêl-as, como as eu não colho…Sois feiticeira— enfeitiçaes d’amores.Enfeitiçaes que a formosura, crêde,Não vem da face avelludada e bella;A formosura vem só d’alma; é d’ellaQue brota a fonte que nos mata a sêde.Vós sois velhinha, já não tendes côresQue o rosto animem e que os olhos prendam,Mas tendes prendas que o amor accendam,Tendes ainda no inverno… flôres.

Evora.

ROSA E ROSAS

A Rosa trouxe-me rosasE nada mais natural,Mas eu prendas tão mimosasÉ que não tenho; inda mal.Quando tinha, se me désse,Não digo mais que uma flôr,Talvez de flôres lhe enchesseEsses cofrinhos d’amor.Aguas passadas, Rosinha!Deixal-o; veja se vêN’este chão que já foi vinhaCoisa que ainda se dê.Veja e escolha. Está na mesaO que ha em casa; é tirar– Tirar com toda a franqueza;Inda hão-de espinhos sobrar.Mas se espinhos, mas se abrolhosLhe não agradam, amor!Mire-se bem nos meus olhos,Que ha-de ahi vêr… uma flôr.

Evora.

A HERMANN

Por occasião d’um beneficio a um asylo«Conchega a mãi ao peito o filho caro;Estende a pomba as azas no seu ninhoPelos filhinhos seus.Embala o arbusto agreste; o fructo amaro.Guia a bussola o nauta em seu caminho,Como um dedo de Deus.«Bebe a nuvem no mar, no rio a fera;Acha o tigre covil na antiga Hyrcania,Hoje em dia, Ghilã;Renasce a planta á luz da primavera,E no calix da flôr gotta espontaneaCahe á luz da manhã.«Só eu no mundo um gosto em vão pretendo:Guebro entre os persas, entre os indios pária,Judeu entre christãos,Só eu debalde ao céo as mãos estendo,Como o naufrago á praia solitariaDebalde estende as mãos.«Tenho no livro azul onde Elle escreveEsse nome, que nunca pronunciaQuem bem o soletrou,Mil vezes tenho lido que não deveQueixar-se mais que a flôr que vive um diaUm verme como eu sou.«Porém, chorando, as mágoas diminuem.Custa muito soffrer sem que um gemidoAh! solte a nossa dôr.E se aos olhos as lagrimas affluem,É que este allivio nosso é permittido.O céo orvalha a flor.»Diz isto o orphão. De alma os ais lhe sahem,Como os suspiros de harpa eolea em ermo.Ninguem no mundo o ouviu.Mas, se a teus pés as lagrimas lhe cahem,Tocou a mão de Christo a mão do enfermo;O Lazaro surgiu.Por isso, Hermann! espantas-me. Não scismoNos prodigios da milagrosa varaQue o Senhor Deus te deu.Teu coração, Moysés do christianismo!Tua alma é que eu admiro, e te invejáraSe o que é teu… fosse teu.

Coimbra.

PRESENTIMENTO

Emilia! não vês a luaComo vacilla e fluctua,Ora avança, ora recúa,E não ha passar d’alli?Tu és a imagem d’ella;És tão sympathica e bella,Meiga e timida, que ao vêl-aMe lembra sempre de ti!Tu és o botão de rosaQue abraçado á mãi formosaSó folga, só vive e gozaN’aquella triste união;Treme até de ouvir a aragemPassar por entre a folhagem:Emilia! tu és a imagemDo mais timido botão.Mas embora: o tempo gira.Um dia o botão, que aspiraO ar da manhã… suspiraE levanta o collo ao céo:Vê vir raiando a aurora,Abre o seio á luz que adora,Correm-lhe as lagrimas, chora…Chora o tempo que perdeu!Porque elle, Emilia! não temeQue a luz da aurora o queime;Elle suspira, elle gemePor vêr a luz que o creou.Nem tambem a lua pára:Se algumas vezes reparaN’uma nuvem menos clara,É um momento e… passou.Não ha existencia algumaQue não tenha amor; nenhuma;Porque o amor é, em summa,Essencia de todo o sêr.Ha sempre quem nos attráia.Mil vezes que a onda cáia,Ha uma rocha, uma praiaAonde a onda vai ter.Tu andas já presentidaD’essa voz que te convidaA encetar n’esta vidaAi! uma vida melhor…E em breve desenganadaD’essa existencia isolada,Darás n’alma franca entradaA sentimentos de amor!

Silves.

MARINA

I. APPARIÇÃO

Como esse olhar é dôce!Dôce da mesma sorteComo se nunca fosseToldado pela morte:Como se alumiasseO sol ainda em vidaAs rosas d’essa face…Agora carcomida.Colhesse-as eu mais cedoE logo que alvorece;Já não tivesse medoQue a terra m’as comesse.Mas pura, como a neveQue ás vezes cahe na serra,É que a nossa alma deveTambem voar da terra.Gelasse a morte friaA mão profanadoraQue te ennublasse um diaA luz que dás agora.É n’essa côr tão linda,Rosa da madrugada!Que sinto a alma aindaAndar-me enfeitiçada.Se um dia nos meus braçosTe desbotasse as côres,Passavam os abraços…Passavam os amores!Oh! não: mil vezes antesNo céo lá onde habitas,E os rapidos instantesQue vens e me visitasN’este degredo nosso,Que tanta gente estima,E eu, só porque não posso,Não largo e vou lá cima.Vem tu cá baixo, abala,Deixa em podendo o colloTão terno que te embala,E vem-me dar consolo.Como essa imagem puraAh! sobrevive ao nadaE escapa á sepultura,Tão fresca e perfumada!Nunca uma noite eu deixeDe estar a vêr que existes,Em quanto me não fecheO somno os olhos tristes.E n’esse largo espaçoQue te não vejo, esperoLhe contes o que eu passoN’este aspero desterro:Que assim que te não vejaÉ noite fria e escura,Noite que mette invejaÁ mesma sepultura!

II. SAUDADE

Em acordando agora,O meu contentamentoÉ vêr em cada auroraUm dia de tormento!Podesse eu dar-te a provaDos dias que me esperam,Lançando-me na covaOnde elles te pozeram!Lançassem-me algum diaAo pé, que de repenteO coração te haviaDe ainda pular quente…A face cobrar logoA fórma e côr perdida,E a bocca toda fogoAh! inspirar-me a vida!Supplíca, ó anjo! imploraAo Pai universalQue me deixe ir emboraD’este horroroso valDe lagrimas amargas,E turvas de tal modo,Como umas nuvens largasQue tapam o céo todo!

III. ETERNIDADE

Inferno e céo, conformeA nossa fé, confessoQue é um mysterio enorme,É um mysterio immenso.Mas um mysterio é tudo:Folhinha d’herva, e estrella,Não ha comprehendêl-a!É contemplal-a mudo.E a herva, como existe,A mim quem m’o diria,Se a luz que me alumiaNem sabe em que consiste?Mas uma coisa sabeO que a cabeça ignora– O coração… que moraEm peito onde não cabe.Ha uma luz mais claraQue a luz do pensamento:A d’essa imagem cara…A d’este sentimento!

IV. … 21 DE SETEMBRO

Ha uma hora ou mais,Marina! que contemploA casa de teus paesQue é para mim um templo.Está a porta aberta,E vejo alumiadaA parte descobertaDa casa da entrada.Lá andam a passarDo quarto onde acabasteÁ casa de jantarOs vultos, que deixaste.Os vultos, que os vestidosTão negros que pozeram,De luto, tão compridos,Não sei que ar lhes deram!A tua bella irmã,A tua piedade,A rosa da manhã,A flôr da mocidade,Quem lhe diria a ella,Tão cheia de alegria,Que haviamos de vêl-aAssim já hoje em dia!É esta vida um mar,E bem se póde a gente,Marina! compararA rapida corrente,Que vai de lado a ladoPor esses valles fóraSem nunca lhe ser dadoTer a menor demora.Pára, quando a engoleAquelle mar sem fundo;Nem pára; é como o solE como todo o mundo…Ahi não pára nada,Tudo viaja e anda,Que a ordem lhe foi dada,E dada por quem manda.Chega a corrente lá,Engole-a logo a onda:Depois, que é d’ella já?A nuvem que responda.Que a nuvem que nos passaPela manhã nos ares,Era hontem a fumaçaQue andava n’esses mares;E a nevoa, que tu vêsNas ondas fluctuantes,Corria-nos aos pésTalvez um dia antes.A agua é que no giroEm que anda eternamenteNão deu nunca um suspiroEm prova de que sente......................

N’UM ALBUM

Pedindo-se ao author uma poesiaNão me admira a mim que o sol, monarchaDe indisputavel throno, e throno eternoEm céo e terra e mar;Que em seu imperio o mundo inteiro abarcaAbaixe á pobre flôr seu dôce e terno,Mavioso olhar.Não me admira a mim que a crystallina,Tão pura, onda do mar, que espelha a faceDo astro creador,Que essas asperas rochas cava e mina,Á praia toda languida se abraceE toda amor!Mas sendo vós um sêr mais preciosoDo que onda e sol— um anjo de poesiaInspirada e que inspira;Que ás minhas mãos, das vossas, tão mimoso,Delicado penhor descesse um diaÉ que me admira.Quizera nos meus cofres de poetaTer as riquezas todas do Oriente,E com mãos liberaesExpulsar esta duvida que inquietaUm grato coração que apenas senteE… nada mais!De limpido diamante e fio de oiro,Quizera-vos tecer collar que á auroraVencesse em brilho e côr;Mas o poeta, o unico thesoiroQue tem, ah! são as lagrimas que choraE o seu amor.Eu vol-o dou. E lá do espaço immensoSe amada estrella olhar piedoso enviaA quem da terra a adora;Se o sol aceita á flôr humilde incenso;Ha no amor tambem muita poesia…Minha senhora!

Evora.

* * *

Beijo na facePede-se e dá-se:Dá?Que custa um beijo?Não tenha pejo:Vá!Um beijo é culpaQue se desculpa:Dá?A borboletaBeija a violeta:Vá!Um beijo é graçaQue a mais não passa:Dá?Teme que a tente?É innocente…Vá!Guardo segredo,Não tenha medo…Vê?Dê-me um beijinho,Dê de mansinho,Dê!Como elle é dôce!Como elle trouxe,Flôr!Paz a meu seio;Saciar-me veio,Amor!Saciar-me? louco…Um é tão pouco,Flôr!Deixa, concedeQue eu mate a sêde,Amor!Talvez te leveO vento em breve,Flôr!A vida foge.A vida é hoje,Amor!Guardo segredo;Não tenhas medoPois!Um mais na faceE a mais não passe!Dois…Oh! dois? piedade!Coisas tão boas…Vês?Quantas pessoasTem a Trindade?Tres!Tres é a contaCertinha e justa…Vês?E o que te custa?Não sejas tonta!Tres!Tres, sim. Não cuidesQue te desgraças:Vês?Tres são as Graças,Tres as Virtudes,Tres.As folhas santasQue o lirio fecham,Vês?E que o não deixamManchar, são… quantas?Tres!..

* * *

Thuribulo suspenso inda fluctuo,Em quanto a alma em incenso restituo;Mas, quando como fumo que se esvai,Minha alma! vás teu rumo… sobe e vai.Vai d’estas densas trevas, d’esta cruz,Levar-lhe… quanto levas, pobre luz!Amor, que em mim não cabe, vai depôrEm Deus, e Deus bem sabe se era amor;Se d’outra flôr o calix mais libeiPor esses quantos valles divaguei;Se um nome em igneo traço li no céo,Nas ondas e no espaço, mais que o seu…Deus sabe se eu dos montes vi tambemNos vastos horisontes mais alguem;Nos tristes e risonhos dias meus,Se alguem vi mais em sonhos, que ella e Deus.Porém quem é que apanha o aereo véoDa nuvem da montanha, se é do céo?Se á terra a nuvem desce, quando vaiTocar-se-lhe, desfez-se como um ai.

Coimbra.

* * *

Luz d’intima influencia,Oh fugitiva luz!Luz cuja eterna ausenciaÉ minha eterna cruz.Podessem-te, ainda antesDo meu extremo adeus,Meus olhos fluctuantesVêr lampejar nos céos.Se ainda n’esse espaço,Tão longe onde tu vás,Visse um reflexo baçoDa pura luz que dás;Tornaram-se-me estrellasAs lagrimas de dôr;E lagrimas são ellas…Sim, lagrimas d’amor!Vê n’esse espaço immensoOs astros como estãoBem como eu estou, suspensoPor intima attracção.Porque ha quem os attráia;É essa eterna pazQue a mim de praia em praiaA suspirar me traz.Converte-me este infernoEm azulado céo,Ou quebra o laço eternoQue a tua luz me deu;Ou antes muda em espumaDe nunca estavel marEsta alma que alma algumaPóde exceder em amar.Em cinza, em terra, em nada,Meu sêr converte, ó luz,Mas sempre, sempre amada,Deliciosa cruz!

Portimão.

RESPOSTA

A A. DO QUENTALEm fumo se vai tudo, amigo! OlhandoPara as nuvens do céo, nuvens d’aquellas,E parece-me ainda que mais bellas,Anda a gente fazendo e desmanchando.Dá-me uma saudade em me lembrandoO bello tempo que passei com ellas,Por essa immensa abobada de estrellas,Por esse mar de fogo viajando…Andasse ainda eu lá, que não me haviaDe vêr por estes charcos atolado,Onde nem sol nem lua me alumia.Andasse ainda eu lá, desenganadoMesmo já como estou de achar um diaA patria d’aonde ando desterrado.

* * *

Pois se o homem, se anjo e nume,Planta e flôr,Dá seu canto, luz, perfume,Crença e amor;Pois se tudo sobre a terraQue ame alguem,Rosa ou espinho, quanto encerraDá, se o tem;Se os carvalhos, nus, medonhos,Veste abril;Se inda a noite presta aos sonhosGraças mil;Se onde ha ramo, voz uma aveDesprendeu;Se onde ha folha, gotta suaveCahe do céo;Se na praia, quando a ondaVem de lá,Beijos, antes que se esconda,Mil lhe dá;Tambem, anjo meu saudoso!Te hei de emfimAh! dar quanto de preciosoSinto em mim!Dou-te o nectar, que me acalma;Toma-o tu!Sim, meu pranto; mais uma almaQue eu possuo!Dou-te os sonhos meus ardentes,Mas leaes;Dou-te as notas mais cadentesDos meus ais!Do que ha lindo, tudo quantoMe seduz;D’esta vida, riso e pranto,Noite e luz!Dou-te o genio meu, que á sorteVês fluctuarSem mais véla, sem mais norteQue esse olhar!Dou-te a lyra, que me inspiras,Sonho meu!Que suspira, se suspira,Flôr do céo!Dou-te; aceita: tudo é santo,Tudo, flôr!Dou-te uma alma toda encanto,Toda amor!

V. Hugo.

Coimbra.

FLÔR E BORBOLETA

Tu vôas, borboleta! e que eu não possaVoar, amor!Diversa como é n’isto sorte nossa!Dizia a flôr.No valle, ambas irmãs, nascidas fomos;És como eu sou;E amamo-nos, e flôres ambas somos,Mas eu não vôo.A ti leva-te o ar; prende-me a terraA mim; e euComo hei-de perfumar-te em valle e serra,E lá no céo!…Mais longe inda tu vás, por outras flôres…Girar, talvez,Em quanto a minha sombra, meus amores!Gira a meus pés!E vens-me vêr depois, mas vaes-te embora,Sabendo, assim,Que em lagrimas me encontra sempre a aurora!Pobre de mim!Acabem-se estas mágoas, meu thesoiroE meu amor!Cria raiz ou dá-me as azas de oiro,Celeste flôr!

V. Hugo.

Coimbra.

REMOINHO

Olha como embrulhadoQue está ainda o céoE o chão, como ensopadoDa agua que choveu…Foi um diluvio d’agua;E o furacão, que fez,Emilia! até dá mágoaTantos estragos: vês?Esta infeliz víuva,Foi-lhe o telhado ao ar;Depois, já nem da chuvaTinha onde se abrigar.De mais a mais sósinha,Sem ter nenhum dos seusAqui ao pé; ceguinha…Bemdito seja Deus!Além n’aquelle serroParece que raspouCom uma pá de ferroA terra que encontrou.Nem um só pé de trigoÉs lá capaz de vêr.Já eu disse commigo:Como póde isto ser?As arvores arrancaO vento muito bem;Serve-lhe de alavancaA rama que ellas tem.Vem de lá elle e, topaN’uma arvore, o que faz?Enrola-se na copaE, tronco e tudo, zás!Que as folhas não são nada,Uma por uma, não;Mas já uma pernada…Tão poucas ellas são?Vê lá se o teu cabelloÉ para comparar;Mas, possa alguem sustel-o,Levanta-te no ar.Aqui um loureirinho,Que era o que havia só,Encontra-o no caminho,Ia-o fazendo em pó.D’aqui passa, á maneiraAssim d’um caracol,Áquella farrobeiraPõe-lhe a raiz ao sol.Aquelle enorme troncoQuiz resistir, depois,Ouviu-se um grande ronco,Quando o eu vejo em dois.Andava a rama toda,Emilia! assim, vês tu?Á roda, á roda, á roda,Eis senão quando, rhuh!Foi quando veio o outroUrrando como um boi,Oh que horroroso encontro!Então é que ella foi.Vês uma cobra enormeÁ calma, quando estáGrande calor, conformeAs tenho visto já?Que não tem ar avonde,Falta-lhe já o ar,Quer sangue ou agua ondeSe possa refrescar;Anceia-se, sacodeO corpo todo a vêrSe vôa, mas não póde;Voar não póde ser;E como não supportaJá o calor do chão,Ao vêr-se quasi mortaDe raiva e afflicção,Apenas finca a pontaDo rabo em terra, e sái;E faça-se de contaQue é a voar que vaiN’aquellas roscas todasQue, olhando-se-lhes bem,São outras tantas rodasEm cima d’onde vem;N’aquelle parafuso– Aquelle rodopio,Á roda como um fusoSuspenso pelo fio;Com a cabeça chata,Aquelle olhar feroz,Aquelle olhar que mataSempre de fito em nós?Assim d’essa maneiraÉ que elle vinha, o tal;Salta-lhe á dianteiraEste de força igual;E assim que se avistaram,Não sei o que lhes dá;Ficam suspensos, param,Como com medo já;Aquelles sorvedouros,Em vez de remoinhar,Parecem-se dois tourosJogando a terra ao ar;Ouvia-se a oliveiraZunir no ar, então,D’um para o outro inteira,Nem bala de canhão;E assim se vão chegandoCada vez mais, atéQue eu ólho, eis senão quandoVejo… mas vejo o que?. . . . . . . . . . . . . . .

Messines.

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